Tabelião
e registrador oficial
O
tabelião e o registrador são profissionais do direito, dotados de fé pública, a
quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro. Em linguagem
popular, eles são os “donos” do “cartório” extrajudicial. Apesar de ser uma expressão
consagrada na prática, o termo cartório não é utilizado no corpo da Lei nº 8.935/94,
diploma legal que rege os serviços notariais e de registro (“Lei dos cartórios”).
Tabelião
(= notário)
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Registrador
(= oficial de registro)
|
Exercem
serviços notariais.
|
Exercem
serviços registrais (serviços de registro).
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Serviços
notariais: redigir, formalizar e autenticar , com fé pública, instrumentos
que consubstanciam atos jurídicos extrajudiciais de interesse dos
solicitantes.
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Serviços
de registro: atividade por meio da qual são praticados os atos previstos na
Lei nº 6.015/73.
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Exs: fazer
procuração, autenticar assinaturas, lavrar escrituras publicas etc.
|
Exs: registro
de nascimento, casamento, óbito, venda de imóveis, inscrição de penhora etc.
|
Exemplos
de serventias titularizadas por notários:
•
tabelionato de notas;
•
tabelionato de protesto.
|
Exemplos de serventias ocupadas por registradores:
•
registro de pessoas naturais;
• registro
de imóveis.
|
Os
serviços notariais e de registro são
-
atividades extrajudiciais
-
de caráter estatal (atividades próprias do Estado)
-
mas que são exercidas em caráter privado (ou seja, por particulares pessoas
físicas)
-
em virtude de delegação feita pelo Poder Público
-
após prévia aprovação em concurso público de provas e títulos.
Assim,
o tabeliães e registradores oficiais exercem atividades de natureza estatal que
lhes foram delegadas pelo Poder Público.
Essas
atividades são munidas de fé pública e se destinam a conferir autenticidade,
publicidade, segurança e eficácia às declarações de vontade.
O
ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público, e os
atos de seus agentes estão sujeitos à fiscalização exercida pelo Poder Judiciário
estadual (art. 236).
Imagine
agora a seguinte situação hipotética:
Juliano
é oficial do registro civil de pessoas naturais. Na linguagem popular, ele é o “dono”
do cartório.
Determinado
dia, Juliano foi registrar um óbito. Ocorre que ele errou a grafia do nome do
falecido ao fazer a certidão e, em virtude desse equívoco, Maria (a viúva) não
conseguiu obter a pensão por morte no INSS. Maria somente conseguiu resolver a
situação depois de 2 anos, quando finalmente houve a retificação da certidão.
Isso
significa que Maria ficou 2 anos sem receber a pensão por morte em virtude do
erro do registrador.
Diante
desse cenário, Maria ajuizou ação de indenização unicamente contra o Estado cobrando
os prejuízos que sofreu em virtude do erro do oficial do registro.
A
PGE apresentou contestação, em nome do poder público, afirmando que a responsabilidade
do Estado, neste caso, é subsidiária, ou seja, primeiro deveria ser proposta a
ação contra o titular da serventia extrajudicial (registrador) e, somente se
ele não conseguisse pagar a dívida, o Estado seria chamado a indenizar.
A
tese sustentada pela PGE é acolhida pelo STF?
NÃO. O STF entende que:
O
Estado possui responsabilidade civil direta e primária pelos danos que
tabeliães e oficiais de registro, no exercício de serviço público por
delegação, causem a terceiros.
STF. Plenário. RE 842846/RJ, Rel. Min.
Luiz Fux, julgado em 27/2/2019 (repercussão geral) (Info 932).
Qual
é o tipo de responsabilidade civil do Estado?
Objetiva, nos termos do art. 37, § 6º,
da CF/88:
Art. 37
(...)
§ 6º As
pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa.
Ação
de regresso
Vale
ressaltar, no entanto, que, se o Estado for condenado e pagar a indenização à vítima,
ele tem o dever de cobrar de volta do tabelião ou registrador o valor que
pagou.
Em
outras palavras, depois de pagar a indenização, o Estado deve, obrigatoriamente,
ajuizar ação de regresso contra o responsável pelo dano.
Se
o Estado não ajuizar a ação de regresso, os agentes públicos responsáveis por
isso (exs: Governador, Procurador-Geral do Estado, Secretário de Fazenda, a
depender do caso concreto e da organização administrativa do ente) poderão responder
por ato de improbidade administrativa.
Nesta
ação de regresso, o Estado, para ser indenizado, deverá comprovar que o tabelião
ou registrador agiu com dolo ou culpa? Qual é o tipo de responsabilidade civil
dos notários e registradores?
SIM.
Trata-se de responsabilidade SUBJETIVA.
Em
suma:
O
Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores
oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado
o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena
de improbidade administrativa.
STF. Plenário. RE 842846/RJ, Rel. Min.
Luiz Fux, julgado em 27/2/2019 (repercussão geral) (Info 932).
Seria
possível que Maria ajuizasse a ação diretamente contra Juliano (o registrador)
ou ela teria que primeira acionar o Estado?
O
STF não discutiu expressamente esse tema.
Há
certa polêmica sobre o assunto porque, em se tratando de atos praticados por
servidores públicos, vigora, no STF, a teoria da dupla garantia.
Pela
tese da dupla garantia, se uma pessoa sofre dano causado por servidor público, essa
pessoa (vítima) somente poderá ajuizar a ação contra o Estado (Poder Público).
Se este for condenado, irá acionar o servidor que causou o dano, em caso de
dolo ou culpa. Em outras palavras, o ofendido não poderá propor a demanda
diretamente contra o agente público.
O
STF não discutiu se essa tese da dupla garantia se aplica também aos titulares
das serventias extrajudiciais.
Minha
opinião pessoal é a de que a vítima pode sim ajuizar a ação de indenização
diretamente contra o notário ou registrador. Ela não precisa, necessariamente,
acionar o Estado primeiro. Em outras palavras, não se aplica a tese da dupla
garantia para os notários e registradores. Isso porque os titulares das
serventias extrajudiciais não são servidores públicos.
Além disso, o art. 22 da Lei nº
8.935/94 prevê, expressamente, a possibilidade de o particular lesado ajuizar a
ação diretamente contra os notários e registradores. Veja:
Art. 22.
Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os
prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos
substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito
de regresso.
Parágrafo
único. Prescreve em três anos a
pretensão de reparação civil, contado o prazo da data de lavratura do ato
registral ou notarial. (Redação dada pela Lei nº 13.286/2016).
Repare
que o parágrafo único é específico para a ação proposta diretamente pela vítima
contra o titular do cartório, não se aplicando, por exemplo, para a ação de
regresso ajuizada pelo Estado considerando que estipula como termo inicial da
ação não o pagamento, mas sim a data da lavratura do ato registral ou notarial.
E
por que motivo a vítima iria preferir ajuizar a ação diretamente contra o “dono”
do cartório?
•
Vantagem para a vítima ao ajuizar a ação diretamente contra o titular do cartório:
não terá que receber a indenização por meio de precatório.
•
Desvantagem: terá que provar o dolo ou a culpa do titular do cartório,
considerando que a responsabilidade do notário ou registrador é subjetiva.
Ação de indenização proposta por
pessoa que sofreu
dano em razão de ato de notário ou
registrador
|
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Se
for proposta contra o Estado:
|
Se
for proposta contra o tabelião ou registrador:
|
Responsabilidade
objetiva.
Prazo
prescricional: 5 anos.
Receberá
por precatório ou RPV.
|
Responsabilidade
subjetiva
Prazo
prescricional: 3 anos
Receberá
por execução comum.
|
A
Lei nº 13.286/2016 alterou o art. 22 da Lei nº 8.935/94 prevendo que a responsabilidade
civil dos notários e registradores é subjetiva. Essa opção do legislador é válida
ou viola o art. 37, § 6º da CF/88? O legislador poderia ter estipulado a
responsabilidade subjetiva? Esse dispositivo é constitucional?
A
maioria dos Ministros entendeu que sim, ou seja, trata-se de dispositivo
constitucional.
O art. 236, § 1º, da CF/88 é uma norma
de eficácia limitada na qual o constituinte outorgou competência para o
legislador infraconstitucional definir qual seria o regime de responsabilidade
dos notários e registradores. Veja:
Art. 236
(...)
§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a
responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro
e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder
Judiciário.
Assim,
a responsabilidade civil dos notários e registradores não precisa ser,
necessariamente, objetiva, tal qual prevê o art. 37, § 6º da CF/88 considerando
que o constituinte facultou ao legislador a opção de estipular regra diversa. Em
outras palavras, a própria Constituição Federal retirou o assento
constitucional da regulação da responsabilidade civil e criminal dos notários,
relegando-a à autoridade legislativa.
A
disciplina conferida à matéria pelo legislador consagra a responsabilidade
civil subjetiva dos notários e oficiais de registro. Portanto, não compete ao
STF fazer interpretação analógica e extensiva, a fim de equiparar o regime
jurídico da responsabilidade civil de notários ao das pessoas jurídicas de
direito privado prestadoras de serviços públicos (art. 37, § 6º, da CF/88).
Ademais,
o art. 37, § 6º, da CF/88 se refere a “pessoas jurídicas” prestadoras de
serviços públicos, ao passo que notários e tabeliães respondem civilmente como
“pessoas naturais” delegatárias de serviço público, nos termos do referido
dispositivo legal.
Jurisprudência
do STF
Vale
ressaltar que a conclusão acima exposta já era o entendimento do STF. No entanto,
o STJ possuía inúmeros julgados em sentido diferente (ex: AgRg no REsp
1377074/RJ) e agora aquele Tribunal terá que se adequar à posição do STF tendo
em vista que a tese foi fixada sob a sistemática da repercussão geral.