Dizer o Direito

sexta-feira, 1 de março de 2019

Mesmo após a Lei 13.769/2018, que acrescentou o art. 318-A ao CPP, é possível que o juiz negue a prisão domiciliar para a mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, desde que esteja presente uma situação excepcionalíssima



Prisão domiciliar do CPP x Prisão domiciliar da LEP
O tema “prisão domiciliar” é previsto tanto no CPP como na LEP, tratando-se, contudo, de institutos diferentes, conforme se passa a demonstrar:
PRISÃO DOMICILIAR DO CPP
PRISÃO DOMICILIAR DA LEP
Arts. 317 e 318 do CPP.
Art. 117 da LEP.
O CPP, ao tratar da prisão domiciliar, está se referindo à possibilidade de o réu, em vez de ficar em prisão preventiva, permanecer recolhido em sua residência.
A LEP, ao tratar da prisão domiciliar, está se referindo à possibilidade de a pessoa já condenada cumprir a sua pena privativa de liberdade na própria residência.
Trata-se de uma medida cautelar por meio da qual o réu, em vez de ficar preso na unidade prisional, permanece recolhido em sua própria residência. Continua tendo natureza de prisão, mas uma prisão “em casa”.
Trata-se, portanto, da execução penal (cumprimento da pena) na própria residência.
Hipóteses (importante):
O juiz poderá substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:

I — maior de 80 anos;

II — extremamente debilitado por motivo de doença grave;

III — imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 anos de idade ou com deficiência;

IV — gestante;

V — mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;

VI — homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.

Obs.: os magistrados, membros do MP, da Defensoria e da advocacia têm direito à prisão cautelar em sala de Estado-Maior. Caso não exista, devem ficar em prisão domiciliar.
Hipóteses (importante):
O preso que estiver cumprindo pena no regime aberto poderá ficar em prisão domiciliar quando se tratar de condenado(a):

I — maior de 70 anos;

II — acometido de doença grave;


III — com filho menor ou deficiente físico ou mental;

IV — gestante.

O juiz pode determinar que a pessoa fique usando uma monitoração eletrônica.
O juiz pode determinar que a pessoa fique usando uma monitoração eletrônica.

Prisão domiciliar do CPP
Como vimos no quadro acima, o CPP, ao tratar da prisão domiciliar, prevê a possibilidade de o réu, em vez de ficar em prisão preventiva, permanecer recolhido em sua residência. Trata-se de uma medida cautelar na qual, em vez de a pessoa ficar na unidade prisional, ela ficará recolhida em sua própria residência:
Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.

As hipóteses em que a prisão domiciliar é permitida estão elencadas no art. 318 do CPP.

Prisão domiciliar de gestantes e mães de crianças
Os incisos IV e V do art. 318 do CPP preveem que a mulher acusada de um crime terá direito à prisão domiciliar se estiver gestante ou for mãe de criança:
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
(...)
IV - gestante; (Redação dada pela Lei 13.257/2016)
V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; (Incluído pela Lei 13.257/2016)

Discussão sobre a obrigatoriedade ou não de o juiz decretar a prisão domiciliar nessas hipóteses
Se você reparar na redação do caput do art. 318 do CPP, ela diz que o juiz PODERÁ substituir a prisão preventiva pela domiciliar nas hipóteses ali elencadas.
Diante disso, surgiram as seguintes dúvidas:
Se uma mulher grávida estiver em prisão preventiva, o juiz, obrigatoriamente, deverá conceder a ela prisão domiciliar com base no art. 318, IV, do CPP?
As hipóteses de prisão domiciliar previstas nos incisos IV e V do art. 318 do CPP são consideradas obrigatórias ou facultativas?

O que o STF decidiu?
REGRA: SIM. As hipóteses são obrigatórias.
Em regra, deve ser concedida prisão domiciliar para todas as mulheres presas que sejam:
- gestantes
- puérperas (que deu à luz há pouco tempo)
- mães de crianças (isto é, mães de menores até 12 anos incompletos) ou
- mães de pessoas com deficiência.

EXCEÇÕES:
Não deve ser autorizada a prisão domiciliar se:
1) a mulher tiver praticado crime mediante violência ou grave ameaça;
2) a mulher tiver praticado crime contra seus descendentes (filhos e/ou netos);
3) em outras situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício.

STF. 2ª Turma. HC 143641/SP. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 20/2/2018 (Info 891).

O que fez a Lei nº 13.769/2018?
Positivou no CPP o entendimento manifestado pelo STF.
A principal diferença foi que o legislador não incluiu a exceção número 3.
Além disso, na exceção 2 não falou em descendentes, mas sim em filho ou dependente.
Veja o art. 318-A incluído pela Lei nº 13.769/2018 no CPP:
Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que:
I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.

A exceção 3 ainda é possível? O juiz poderá deixar de aplicar a prisão domiciliar em outras situações excepcionalíssimas?
SIM.
O art. 318-A do CPP, introduzido pela Lei nº 13.769/2018, estabelece um poder-dever para o juiz substituir a prisão preventiva por domiciliar de gestante, mãe de criança menor de 12 anos e mulher responsável por pessoa com deficiência, sempre que apresentada prova idônea do requisito estabelecido na norma (art. 318, parágrafo único), ressalvadas as exceções legais.
A normatização de apenas duas das exceções não afasta a efetividade do que foi decidido pelo STF no HC 143.641/SP, nos pontos não alcançados pela nova lei.
O fato de o legislador não ter inserido outras exceções na lei, não significa que o magistrado esteja proibido de negar o benefício quando se deparar com casos excepcionais.
Assim, deve prevalecer a interpretação teleológica da lei, assim como a proteção aos valores mais vulneráveis.
Com efeito, naquilo que a lei não regulou, o precedente do STF deve continuar sendo aplicado, pois uma interpretação restritiva da norma pode representar, em determinados casos, efetivo risco direto e indireto à criança ou ao deficiente, cuja proteção deve ser integral e prioritária.
STF. 5ª Turma. HC 470.549/TO, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 12/02/2019.

Em suma:
Mesmo após a Lei nº 13.769/2018, que acrescentou o art. 318-A ao CPP, é possível que o juiz negue a prisão domiciliar para a mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, desde que seja verificada, no caso concreto, uma situação excepcionalíssima.

Legislador não consegue prever todas as situações
A norma não consegue regular a realidade social (fática) em toda a sua extensão. Portanto, é certo que as exceções previstas nos dois incisos do art. 318-A do CPP não comportam todas as soluções dos casos concretos submetidos ao Poder Judiciário.

Proteção da criança ou da pessoa com deficiência
As circunstâncias do caso concreto podem revelar que, em determinadas situações excepcionalíssimas, e que deverão ser devidamente demonstradas, a presença da mãe junto aos filhos pode ser prejudicial à formação de sua personalidade e a construção de seus valores.
Assim, a análise precisa levar em conta as particularidades do caso concreto, devendo-se observar se a presença da mãe pode representar risco direto aos direitos das crianças menores ou dos dependentes.
Havendo esse risco, a proteção do menor deve prevalecer sobre o direito legalmente conferido a tais mulheres.

Exemplo no qual o STJ reconheceu a existência de situação excepcionalíssima e negou a prisão domiciliar
A mulher, presa em flagrante, é apontada como líder do tráfico de entorpecentes na região e exercia suas atividades mediante utilização de arma de fogo.
Além disso, havia informações de que ela mantinha, em sua casa, “boca de fumo” ligada ao Comando Vermelho. Tais fatos justificam o afastamento do benefício.
Assim, manter a genitora afastada da residência e dos filhos mostra-se a solução mais adequada para assegurar os direitos dos menores, sobretudo em razão do efetivo perigo atraído pela presença dela, decorrente do profundo envolvimento com a criminalidade e com ações de elevado risco pelo uso de arma de fogo, inclusive com registro de disparos por ela efetuados.
STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 426.526/RJ, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 12/02/2019.



Exemplo no qual o STJ não reconheceu a existência de situação excepcionalíssima e determinou a prisão domiciliar
A mulher, presa em flagrante por tráfico de drogas, era investigada por supostamente ter participado de outros atos delituosos.
O juiz negou a prisão domiciliar afirmando que restou demonstrado nos autos que os três filhos da flagranteada seriam cuidados pela avós das crianças (mãe da presa).
Para o STJ, a decisão do juiz não foi acertada. Isso porque a necessidade dos cuidados nos primeiros anos de vida da criança é indiscutível, sendo presumida a indispensabilidade da presença física da mãe para o desenvolvimento físico e emocional equilibrado.
A separação excepcionalíssima da mãe (com a decretação da prisão) somente pode ocorrer quando violar direitos dos filhos, tendo em vista a força normativa da nova lei que regula o tema.
Veja-se ainda que, embora a paciente seja investigada por tráfico, não é reincidente, o fato que deu origem à prisão em exame não ocorreu na residência onde moram os filhos, bem como não envolveu atuação de organização criminosa, tanto que foi denunciada apenas pelo crime de tráfico de drogas.
STJ. 5ª Turma. HC 470.549/TO, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 12/02/2019.




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