quarta-feira, 13 de março de 2019
Lei 13.811/2019: altera o Código Civil para acabar com as exceções que autorizavam a realização do “casamento infantil”
quarta-feira, 13 de março de 2019
Olá amigos do Dizer o Direito,
Foi publicada hoje a Lei nº 13.811/2019, que altera o Código
Civil para acabar com as exceções que autorizavam a realização do “casamento
infantil”.
Vamos entender o que mudou. No entanto, é importante que
façamos antes uma revisão sobre o tema.
Casamento
O casamento é a união afetiva entre pessoas físicas que,
cumpridos os requisitos e solenidades previstos na lei, decidem constituir uma família,
gerando entre elas comunhão plena de vida e um vínculo que produz inúmeras consequências
jurídicas.
Segundo Cristiano Chaves e
Nelson Rosenvald,
“(...) o casamento é uma entidade
familiar estabelecida entre pessoas humanas, merecedora de especial proteção
estatal, constituída, formal e solenemente, formando uma comunhão de afetos
(comunhão de vida) e produzindo diferentes efeitos no âmbito pessoal, social e
patrimonial.” (Curso de Direito Civil. Vol.
6. 8ª ed., Salvador: Juspodivm, 2016, p. 179).
É possível o casamento entre pessoas do mesmo sexo?
Código Civil: afirma que
o casamento envolve pessoas de sexos diferentes:
Art. 1.514. O casamento se realiza no
momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de
estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.
Doutrina: defende que o casamento pode ser celebrado
entre pessoas de mesmo sexo. Nesse sentido:
Enunciado 601 da VII Jornada de Direito Civil do CJF/STJ: É
existente e válido o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
STJ: possui precedentes afirmando é juridicamente
possível o casamento homoafetivo: STJ. 4ª Turma. REsp 1183378/RS, Rel. Min.
Luis Felipe Salomão, julgado em 25/10/2011.
STF: não possui um julgado específico sobre
casamento, mas já afirmou que é perfeitamente possível a união estável
homoafetiva: STF. Plenário. ADPF 132, Rel.
Min. Ayres Britto, julgado em 05/05/2011.
Cartórios de Registros Civis
de Pessoais Naturais: são obrigados a realizar o casamento de pessoas do
mesmo sexo, desde que, obviamente, estejam atendidos os demais requisitos
legais. É o que determina a Resolução 175/2013 do CNJ:
Art. 1º É vedada às autoridades
competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de
conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.
Art. 2º A recusa prevista no artigo 1º
implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as
providências cabíveis.
Idade núbil
Como vimos acima, o casamento é uma união que produz efeitos
jurídicos. Diante disso, o legislador entendeu por bem estipular uma idade
mínima para que a pessoa possa celebrar este ato (casar). Isso é chamado de
idade núbil (ou capacidade núbil).
A idade núbil consiste, portanto, na idade mínima exigida
pelo Código Civil para que a pessoa possa casar.
Qual é a idade núbil?
16 anos.
Vale ressaltar, no entanto, que se a pessoa tiver menor que
18 anos, ela só poderá casar se tiver autorização dos pais.
É o que prevê o art. 1.517 do
Código Civil:
Art. 1.517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os
pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade
civil.
A maioridade civil é atingida com 18 anos completos (art. 5º
do CC).
Ambos os pais
Vale ressaltar, mais uma vez, que a autorização deve ser
dada por ambos (pai e mãe).
Somente será admitida a autorização unilateral se o outro
genitor:
• for falecido;
• tiver sido declarado ausente; ou
• estiver destituído do poder familiar.
Revogação da autorização
O pai ou a mãe poderá revogar a autorização que deram, desde
que isso seja feito antes da data da celebração do casamento (art. 1.518).
O que acontece se houver divergência entre os pais? Ex: a mãe
autorizou, mas o pai não.
Em caso de divergência, qualquer um dos dois poderá “recorrer
ao juiz para solução do desacordo” (art. 1.517 c/c art. 1.631, parágrafo
único).
Em outras palavras, será possível ingressar com um pedido de
“suprimento judicial de consentimento”. Trata-se de um requerimento formulado
ao juiz em procedimento voluntário pedindo que o magistrado analise a situação
e veja se as razões invocadas pelo genitor para negar a autorização são
justificáveis.
Se o juiz entender que os motivos alegados não são
razoáveis, ele irá autorizar a celebração do casamento mesmo contra a vontade
do pai ou da mãe.
E se ambos os pais não quiserem dar a autorização? Ainda haverá alguma
chance de o casamento ocorrer?
SIM. Aqui também será possível
iniciar um procedimento de jurisdição voluntária pedindo o suprimento judicial
do consentimento. Veja o que diz o art. 1.519 do CC:
Art. 1.519. A denegação do
consentimento, quando injusta, pode ser suprida pelo juiz.
Apesar de a lei não explicitar, a doutrina afirma que esse
pedido de suprimento pode ser formulado:
• pelo(a) filho(a) que não foi autorizado por seus pais;
• pelo outro nubente que quer casar com ele(a); ou
• pelo Ministério Público.
Regime da separação obrigatória
Se um ou ambos os pais não autorizarem e o juiz entender que
a recusa foi injusta, ele irá autorizar o casamento, expedindo um alvará
judicial que será juntado no procedimento de habilitação no cartório de
registro de pessoas naturais.
Um ponto interessante a ser
ressaltado é que, neste caso, o casamento terá que ser realizado sob o regime
da separação obrigatória de bens (também chamada de separação legal de bens). É
o que prevê o art. 1.641, III, do CC:
Art. 1.641. É obrigatório o regime da
separação de bens no casamento:
(...)
III - de todos os que dependerem, para
casar, de suprimento judicial.
O que acontece se o indivíduo maior de 16 e menor de 18 anos casar sem
autorização dos pais e sem suprimento judicial?
Esse casamento é anulável,
consoante determina o art. 1.550, II, do CC:
Art. 1.550. É anulável o casamento:
(...)
II - do menor em idade núbil, quando
não autorizado por seu representante legal;
A autorização dos pais é necessária mesmo que o indivíduo seja
emancipado? A pessoa maior de 16 e menor de 18 anos, se for emancipada,
precisará de autorização dos pais?
Não há resposta na legislação. No entanto, a doutrina
majoritária afirma que não:
Enunciado 512-CJF/STJ: O art. 1.517 do Código Civil, que exige
autorização dos pais ou responsáveis para casamento, enquanto não atingida a
maioridade civil, não se aplica ao emancipado.
Vimos acima que a idade mínima
para casar é 16 anos (idade núbil). Existe alguma exceção a essa regra? Existe
alguma hipótese na qual será permitido o casamento da pessoa mesmo que ela
tenha menos que 16 anos?
IDADE
NÚBIL: 16 anos
Existe
exceção? Existe alguma hipótese na qual se possa casar antes dos 16 anos de
idade?
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Antes da Lei 13.811/2019: SIM (havia)
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Atualmente: NÃO
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Excepcionalmente, era
permitido o casamento da pessoa que ainda não havia alcançado a idade núbil (ou
seja, o menor de 16 anos) em caso de gravidez.
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A Lei nº 13.811/2019
alterou o art. 1.520 do CC e agora não é mais possível, em nenhuma hipótese,
o casamento de pessoa menor de 16 anos.
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Veja a nova redação do art. 1.520:
Art. 1.520. Não será
permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil,
observado o disposto no art. 1.517 deste Código. (Redação dada pela Lei nº
1.318/2018)
Fica superado o enunciado 329 da Jornada de Direito Civil: A
permissão para casamento fora da idade núbil merece interpretação orientada
pela dimensão substancial do princípio da igualdade jurídica, ética e moral
entre o homem e a mulher, evitando-se, sem prejuízo do respeito à diferença,
tratamento discriminatório.
Aprofundando. A questão do casamento para evitar “pena criminal”
A redação anterior do art. 1.520 do CC era a seguinte:
Art. 1.520. Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem
ainda não alcançou a idade núbil (art. 1517), para evitar imposição ou
cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez.
Veja que, pela literalidade da lei, havia duas hipóteses
excepcionais em que seria permitido o casamento de pessoa menor de 16 anos:
1) “para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal”;
ou
2) “em caso de gravidez”.
No entanto, no quadro comparativo acima, mencionei apenas
uma hipótese: em caso de gravidez. Por quê?
Vamos entender com calma:
• Os incisos VII e VIII do art.
107 do Código Penal previam que, se a vítima de um “crime contra os
costumes” (leia-se: crime contra a dignidade sexual), casasse com o autor do
delito ou mesmo com terceiro, o agente poderia ter a sua punibilidade extinta:
Art. 107. Extingue-se a punibilidade:
(...)
VII - pelo casamento do agente com a
vítima, nos crimes contra os costumes, definidos nos Capítulos I, II e III do
Título VI da Parte Especial deste Código; (Redação antes da Lei nº 11.106/2005)
VIII - pelo casamento da vítima com
terceiro, nos crimes referidos no inciso anterior, se cometidos sem violência
real ou grave ameaça e desde que a ofendida não requeira o prosseguimento do
inquérito policial ou da ação penal no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da
celebração; (Redação antes da Lei nº 11.106/2005)
• Exemplo: João (18 anos) e Carla (13 anos) são namorados.
João manteve relações sexuais com Carla. Mesmo tendo sido um sexo “consensual”,
João praticou crime porque se entende que Carla, em virtude da idade inferior a
14 anos, não deve estar sujeita a experiências sexuais ainda que, em tese, dê
seu consentimento.
• Pela redação do art. 107, VII, do CP, se João e Carla se
casassem, João teria extinta a sua punibilidade.
• Desse modo, este trecho do art. 1.520 do CC (“para evitar
imposição ou cumprimento de pena criminal”) tinha como objetivo abarcar essas
situações. Logo, Carla poderia se casar, mesmo tendo 13 anos (abaixo da idade
núbil), porque o art. 1.520 do CC permitia essa hipótese para evitar a “pena
criminal” do agente.
• Assim, este trecho do art. 1.520 do CC (“para evitar
imposição ou cumprimento de pena criminal”) estava umbilicalmente ligado aos incisos
VII e VIII do art. 107 do CP. Esta previsão da lei civil só existia para
viabilizar estas hipóteses de extinção da punibilidade.
• Ocorre que a Lei nº 11.106/2005 revogou os incisos VII e
VIII do art. 107 do CP. Diante disso, a posição majoritária foi a de que este
trecho do art. 1.520 do CC (“para evitar imposição ou cumprimento de pena
criminal”) também foi tacitamente revogado ou, no mínimo, perdeu aplicabilidade
prática considerando que, a partir da Lei nº 11.106/2005, o casamento da vítima
do crime sexual não interfere em nada no delito ou na pena aplicada.
• Por essa razão, prevalece o entendimento de que, desde a
Lei nº 11.106/2005, a despeito da literalidade do art. 1.520 do CC, somente
havia uma hipótese na qual era permitido o casamento de pessoa menor de 16 anos
(abaixo da idade núbil): em caso de gravidez.
Regra: somente é possível o casamento da pessoa
maior de 16 anos (idade núbil)
Existem exceções? Há situações nas quais é permitido
o casamento de menor de 16 anos?
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Até a Lei 11.106/2005
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A partir da Lei 11.106 até a Lei 13.811/2019
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ATUALMENTE
(a partir da Lei 13.811/2019)
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Havia duas exceções:
• para evitar imposição ou
cumprimento de pena criminal;
• em caso de gravidez.
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Havia uma exceção:
Em caso de gravidez.
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Não há nenhuma exceção.
Menor de 16 anos não pode
casar em hipótese alguma.
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Casamento infantil
A Lei nº 13.811/2019, em sua
ementa, falou em “casamento infantil”. Veja:
“Confere nova redação ao art.
1.520 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para suprimir
as exceções legais permissivas do casamento infantil.”
Vale ressaltar que essa expressão (casamento infantil) não é
comum no Direito Civil. Na verdade, desconheço qualquer autor de Direito de
Família que a tenha utilizado em suas obras.
Mas, afinal de contas, o que é o “casamento infantil”?
Casamento infantil (“Child marriage”), segundo definição da
UNICEF, é o casamento envolvendo pessoa menor de 18 anos de idade (https://www.unicef.org/protection/child-marriage).
A explicação para isso se dá pelo fato de que, no âmbito
internacional, criança é toda pessoa menor de 18 anos. É o que prevê, por
exemplo, o artigo 1º da Convenção sobre os Direitos da Criança (Decreto nº
99.710/90).
Esta, contudo, não foi a definição adotada pelo ordenamento
jurídico brasileiro.
Segundo a Lei nº 13.811/2019, casamento infantil é aquele envolvendo
indivíduo menor de 16 anos, ou seja, pessoa abaixo da idade núbil fixada pelo
Código Civil.
A Lei nº 13.811/2019 proibiu qualquer possibilidade de
casamento infantil.
O que acontece se, mesmo depois da Lei nº 13.811/2019, for realizado
casamento de pessoa menor de 16 anos? O casamento envolvendo pessoa que não
tenha a idade núbil é nulo ou anulável?
Este casamento será anulável,
nos termos do art. 1.550, I, do CC:
Art. 1.550. É anulável o casamento:
I - de quem não completou a idade
mínima para casar;
A anulação do casamento dos menores de dezesseis anos poderá
ser requerida:
I - pelo próprio cônjuge menor;
II - por seus representantes legais;
III - por seus ascendentes.
Hipóteses nas quais não haverá a anulação
É muito difícil, na prática, que uma pessoa que não tenha a
idade núbil (menor de 16 anos) consiga casar. Isso porque essa situação seria
facilmente detectada na fase de habilitação e o Oficial do Registro Civil faria
a oposição (art. 1.529).
No entanto, imaginemos que houve uma falha geral e esse
casamento foi realizado mesmo havendo essa vedação legal.
O casamento será anulável, conforme vimos acima. O Código
prevê, no entanto, duas hipóteses nas quais o casamento infantil será mantido:
1) Quando o cônjuge menor,
depois de atingir a idade núbil, confirmar seu casamento:
Art. 1.553. O menor que não atingiu a
idade núbil poderá, depois de completá-la, confirmar seu casamento, com a
autorização de seus representantes legais, se necessária, ou com suprimento
judicial.
2) Se do casamento resultou
gravidez:
Art. 1.551. Não se anulará, por motivo
de idade, o casamento de que resultou gravidez.
Vigência
A Lei nº 13.811/2019 entrou em vigor no dia 13/03/2019, data
de sua publicação.
Márcio André Lopes
Cavalcante
Juiz Federal. Foi Defensor Público, Promotor de Justiça e Procurador
do Estado