Dizer o Direito

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

O que acontece se, no momento do trânsito em julgado, o condenado por improbidade administrativa ocupa cargo diferente daquele que exercia na prática do ato?



Improbidade administrativa
Improbidade administrativa é...
- um ato praticado pelo agente público,
- com ou sem a participação de um particular,
- e que gera enriquecimento ilícito,
- causa prejuízo ao erário ou
- atenta contra os princípios da Administração Pública.

Previsão constitucional
Existem quatro dispositivos na CF/88 que versam sobre o tema: art. 14, § 9º; art. 15, V; art. 37, § 4º; art. 85, V. Deve-se mencionar ainda o art. 97, § 10, III, do ADCT.
Para fins de direito administrativo, a previsão mais importante é a do art. 37, § 4º:
Art. 37 (...)
§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Sanções decorrentes do ato de improbidade administrativa previstas na Lei
A Lei nº 8.429/92 disciplina os aspectos materiais e processuais decorrentes do ato de improbidade administrativa.
Esta Lei prevê, em seu art. 12, que o indivíduo condenado por ato de improbidade administrativa poderá receber as seguintes sanções:
• perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio;
• perda da função pública;
• suspensão dos direitos políticos;
• proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios;
• proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios;
• multa civil;
• ressarcimento integral do dano.

Veja a redação do art. 12:
Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:
I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
IV - na hipótese prevista no art. 10-A, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos e multa civil de até 3 (três) vezes o valor do benefício financeiro ou tributário concedido.

A Lei nº 8.429/92 poderia prever outras sanções além daquelas fixadas no art. 37, § 4º da CF/88?
SIM. O rol de sanções trazido pelo § 4º do art. 37 da CF/88 é exemplificativo. Desse modo, é constitucional a ampliação das sanções realizada pela Lei nº 8.429/92.

Sanções dependem do tipo de ato de improbidade
Vale ressaltar que as sanções aplicadas irão variar de acordo com o tipo de ato de improbidade administrativa que foi praticado.
Assim, por exemplo, se o agente foi condenado pelo art. 9º da Lei de Improbidade, terá seus direitos políticos suspensos pelo prazo de 8 a 10 anos. Por outro lado, se praticou o art. 10 ou art. 10-A da Lei, essa suspensão será de 5 a 8 anos. Por fim, no caso do art. 11, a suspensão será de 3 a 5 anos.

O juiz é obrigado a aplicar todas as sanções previstas para o tipo?
NÃO. Não se exige que todas as sanções sejam aplicadas cumulativamente. É possível a incidência cumulativa ou isolada das sanções. Essa opção dependerá da gravidade do fato e da extensão do dano causado. É a conclusão que se extrai da redação do art. 12:
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:
(...)
Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

Esse é também o entendimento do STJ:
Cada inciso do art. 12 da Lei 8.429/1992 traz uma pluralidade de sanções, que podem ser aplicadas cumulativamente ou não.
STJ. 2ª Turma. REsp 1280973/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 17/12/2013.

Assim, o magistrado não está obrigado a aplicar cumulativamente todas as penas previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92, podendo, mediante adequada fundamentação, fixá-las e dosá-las segundo a natureza, a gravidade e as consequências da infração (STJ. 2ª Turma. REsp 1134461/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 03/08/2010).

Pode o magistrado aplicar um sistema misto de sanções, utilizando-se de mais de um inciso do rol do art. 12 da LIA?
NÃO. Cada inciso do art. 12 da Lei refere-se a uma hipótese de improbidade administrativa, não tendo a lei autorizado que o juiz faça uma combinação de sanções.

O juiz pode aplicar uma sanção abaixo ou acima dos patamares legais? Ex: o art. 12, III, prevê que, no caso do ato de improbidade do art. 11, a suspensão dos direitos políticos é de 3 a 5 anos. Pode o magistrado fixar a suspensão em 1 ano, por exemplo?
NÃO. A sanção deverá obedecer aos parâmetros previstos na lei. Nesse sentido: STJ. 2ª Turma. REsp 1.582.014-CE, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 7/4/2016 (Info 581).

Perda da função pública
Conforme vimos acima, uma das sanções que podem ser cominadas ao sujeito condenado por ato de improbidade administrativa consiste na “perda da função pública”.

Extensão do termo “função pública”
Quando a Lei fala em “função pública”, isso deve ser interpretado de forma bem ampla, abrangendo servidores públicos estatutários, servidores ocupantes de cargo em comissão, empregados públicos, titulares de mandato eletivo etc.

O que acontece se, no momento do trânsito em julgado, o condenado ocupa cargo diferente daquele que exercia na prática do ato?

Se o agente público tiver mudado de cargo, ele poderá perder aquele que atualmente ocupa? Ex: em 2012, João, na época Vereador, praticou um ato de improbidade administrativa; o MP ajuizou ação de improbidade contra ele; em 2018, a sentença transitou em julgado condenando João à perda da função pública; ocorre que João é atualmente Deputado Estadual; ele perderá o cargo de Deputado?
NÃO
Posição da 1ª Turma do STJ
SIM
Posição da 2ª Turma do STJ
e da doutrina majoritária
O condenado só perde a função pública que ele utilizou para a prática do ato de improbidade.
O agente perde a função pública que estiver ocupando no momento do trânsito em julgado, ainda que seja diferente daquela que ocupava no momento da prática do ato de improbidade.
As normas que descrevem infrações administrativas e cominam penalidades constituem matéria de legalidade estrita, não podendo sofrer interpretação extensiva.
Assim, a sanção de perda da função pública prevista no art. 12 da Lei nº 8.429/92 não pode atingir cargo público diverso daquele que serviu de instrumento para a prática da conduta ilícita.
STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1423452/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 01/03/2018.
STJ. 1ª Turma. REsp 1766149/RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 08/11/2018.
A sanção de perda da função pública visa a extirpar da Administração Pública aquele que exibiu inidoneidade (ou inabilitação) moral e desvio ético para o exercício da função pública, abrangendo qualquer atividade que o agente esteja exercendo no momento do trânsito em julgado da condenação.

STJ. 2ª Turma. RMS 32.378/SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 05/05/2015.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.297.021/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 20/11/2013.

É possível aplicar cassação de aposentadoria como sanção por ato de improbidade?

O art. 12 da Lei nº 8.429/92 não prevê a cassação de aposentadoria como sanção. Mesmo assim, é possível a sua imposição? O indivíduo que praticar ato de improbidade administrativa poderá receber, como punição, a cassação de sua aposentadoria?
NÃO
Posição da 1ª Turma do STJ
SIM
Posição da 2ª Turma do STJ
O art. 12 da Lei nº 8.429/92, quando cuida das sanções aplicáveis aos agentes públicos que cometem atos de improbidade administrativa, não prevê a cassação de aposentadoria, mas tão só a perda da função pública.
As normas que descrevem infrações administrativas e cominam penalidades constituem matéria de legalidade estrita, não podendo sofrer interpretação extensiva.
É possível a aplicação da pena de cassação de aposentadoria, ainda que não haja previsão expressa na Lei nº 8.429/92. Isso porque se trata de uma decorrência lógica da perda de cargo público, sanção essa última expressamente prevista no referido texto legal.

STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1643337/MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 19/04/2018.
STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1628455/ES, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 06/03/2018.





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