Dizer o Direito

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Não cabe oposição em ação de usucapião


Para que possamos entender melhor o tema, é importante fazer uma revisão sobre a ação de usucapião e também a respeito da oposição.

USUCAPIÃO
Conceito
Usucapião é...
- um instituto jurídico por meio do qual a pessoa que fica na posse de um bem (móvel ou imóvel)
- por determinados anos
- agindo como se fosse dono
- adquire a propriedade deste bem ou outros direitos reais a ele relacionados (exs: usufruto, servidão)
- desde que cumpridos os requisitos legais.

Ação de usucapião
O CPC/1973 trazia, em seus arts. 941 a 945, um procedimento especial para a ação de usucapião.
O CPC/2015 não previu procedimento especial para a ação de usucapião, de forma que a usucapião judicial deverá seguir o procedimento comum.

Em uma ação de usucapião, o autor deve pedir a citação de quem? Quem deve ser citado?
• o indivíduo em nome do qual se encontra registrado o imóvel, ou seja, o “proprietário” do imóvel, segundo o cartório de registro de imóveis;
• os proprietários ou possuidores dos imóveis confinantes, ou seja, os vizinhos que fazem fronteira com o imóvel que se almeja na ação. Em se tratando de casa, em geral, são três confinantes: o vizinho da esquerda, o da direita e o vizinho de trás;
• a citação, por edital, de eventuais interessados (art. 259, I, do CPC/2015).

OPOSIÇÃO
Conceito
A oposição consiste em...
- uma ação proposta por um terceiro
- na qual ele pede o mesmo bem ou direito
- que já está sendo discutido em outro processo que está tramitando

Exemplo
Francisco ajuizou ação reivindicatória contra Raimundo afirmando que é proprietário do sítio “Bela Vista”, que está sendo ocupado pelo réu.
Antônio não estava participando deste processo, no entanto, soube informalmente da sua existência.
Antônio entende que ele é o real proprietário do sítio.
Diante disso, Antônio (classificado juridicamente como “terceiro”, por não fazer parte originalmente da ação) poderá apresentar “oposição” alegando que nem Francisco (autor) nem Raimundo (réu) tem direito considerando que o imóvel em discussão pertence a ele.

Em uma frase: “A” e “B” estão disputando o bem “X”. “C” ingressa no processo afirmando que ele é o titular de “X”.

Previsão
A oposição está prevista no art. 682 do CPC/2015:
Art. 682. Quem pretender, no todo ou em parte, a coisa ou o direito sobre que controvertem autor e réu poderá, até ser proferida a sentença, oferecer oposição contra ambos.

Natureza jurídica
No CPC/1973: era uma espécie de intervenção de terceiros.
No CPC/2015: foi tratada como uma ação autônoma.

NÃO CABE OPOSIÇÃO EM AÇÃO DE USUCAPIÃO
Imagine a seguinte situação hipotética:
João ingressou com ação de usucapião de um determinado imóvel, alegando preencher os requisitos legais para a aquisição originária dessa área.
Foram citados:
• Belchior (indivíduo em nome do qual se encontra registrado o imóvel, ou seja, o “proprietário” do imóvel, segundo o cartório de registro de imóveis);
• os proprietários ou possuidores dos imóveis confinantes (“vizinhos”);
• eventuais interessados (citados por edital).

Oposição
No curso do processo, Pedro apresentou oposição (art. 682 do CPC) afirmando que ele é o legítimo proprietário do bem, ainda que seu nome não esteja no registro imobiliário.
Desse modo, Pedro requereu que o pedido de João fosse julgado improcedente.

O pedido de Pedro terá êxito?
NÃO. Isso porque não cabe oposição em ação de usucapião.
O CPC prevê que, na ação de usucapião, deverá ser publicado um edital convocando quaisquer interessados que tenham interesse de impugnar o pedido formulado pelo autor (art. 259, I).

Qual é o meio processual para que o interessado impugne esse pedido do autor da ação de usucapião?
Contestação.
Assim, se Pedro entendeu que ele é quem tinha direito de usucapir o imóvel e que, portanto, o pedido de João deveria ser julgado improcedente, ele deveria ter exercido a sua pretensão por meio de uma contestação (e não por intermédio de oposição).

Falta de interesse processual
A oposição, como vimos, é uma ação judicial. Logo, somente deve ser conhecida se preencher as condições da ação e os pressupostos processuais.
Entre as condições da ação, está o interesse processual (ou interesse de agir).
Se o autor não tinha “necessidade” de ajuizar a ação que foi proposta, isso significa que essa ação não deverá ser conhecida por falta de interesse processual.
Assim, conclui-se que Pedro não tinha interesse processual para oferecer oposição porque a tutela por ele buscada podia ser alcançada pela simples contestação.
O indivíduo não tem necessidade de ingressar com oposição em uma ação de usucapião porque basta que ele apresente uma contestação. Se ele não tem necessidade, significa dizer que, se ajuizar oposição na ação de usucapião, esta oposição não deverá ser admitida por falta de interesse processual.
Essa é também a posição da doutrina:
“(...) cabe indagar se na ação de usucapião é possível que o terceiro se utilize da oposição como forma de demonstrar a existência de pretensão contraditória àquela formulada pelo autor. Posicionamo-nos pela negativa, justamente pela universalidade do juízo do usucapião. A citação nesse procedimento revela um ato complexo, e a manifestação de qualquer terceiro interessado revelara autêntica contestação, com a concretização do procedimento edital (art. 259 do CPC), que não se confunde com a citação por edital. Desta forma, a intervenção do terceiro nasce por força do ato citatório de caráter universal. Sendo ultrapassada a fase para a impugnarão, não poderá o terceiro valer-se da oposição”. (ARAÚJO, Fabio Caldas. Intervenção de terceiros. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 414-415)

Aquele que se opõe ao pedido do autor não ação de usucapião não é terceiro
Além do argumento acima, podemos também enunciar outro para não admitir a oposição: Pedro não pode ser considerado “terceiro” em relação ao direito material discutido na ação de usucapião.
Como a lei exige a convocação de todos os interessados para ingressarem no polo passivo da ação de usucapião, se assim desejarem, isso significa que neste procedimento não há a figura do terceiro.
Ora, se a lei determina a citação por edital de todos os interessados e Pedro ingressa no feito dizendo que é interessado, então ele é parte no processo (e não terceiro).
Só o terceiro pode apresentar oposição. Se o indivíduo é parte, sua manifestação no processo nunca poderá ser feita por meio de oposição.

Em suma:
Não cabe oposição em ação de usucapião.
O indivíduo não tem interesse processual para oferecer oposição na ação de usucapião porque, estando tal ação incluída nos chamados juízos universais (em que são convocados a integrar o polo passivo por meio de edital toda a universalidade de eventuais interessados), sua pretensão poderia ser deduzida por meio de contestação.
Como a lei exige a convocação de todos os interessados para ingressarem no polo passivo da ação de usucapião, se assim desejarem, isso significa que neste procedimento não há a figura do terceiro.
STJ. 3ª Turma. REsp 1726292/CE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 12/02/2019.





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