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terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

É cabível RESE contra decisão que indefere a produção antecipada de prova prevista no art. 366 do CPP



Se o acusado é citado por edital, mesmo assim o processo continua normalmente?
O art. 366 do CPP estabelece que:
- se o acusado for citado por edital e
- não comparecer ao processo nem constituir advogado
- o processo e o curso da prescrição ficarão suspensos.

Se o réu comparecer ao processo ou constituir advogado, o processo e o prazo prescricional voltam a correr normalmente.
O objetivo do art. 366 é garantir que o acusado que não foi pessoalmente citado não seja julgado à revelia.

Produção antecipada de provas urgentes e prisão preventiva
O art. 366 do CPP afirma que se o acusado, citado por edital, não comparecer nem constituir advogado, o juiz poderá determinar:
• a produção antecipada de provas consideradas urgentes e
• decretar a prisão preventiva do acusado se estiverem presentes os requisitos do art. 312 do CPP (o simples fato do acusado não ter sido encontrado não é motivo suficiente para decretar sua prisão preventiva).

Produção antecipada das provas consideradas urgentes:
No caso do art. 366 do CPP, o juiz poderá determinar a produção antecipada de provas consideradas urgentes.
Para que o magistrado realize a colheita antecipada das provas, exige-se que seja demonstrada a real necessidade da medida.
Assim, toda produção antecipada de provas realizada nos termos do art. 366 do CPP está adstrita à sua necessidade concreta, devidamente fundamentada.
Nesse sentido, existe, inclusive, entendimento sumulado do STJ:
Súmula 455-STJ: A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no artigo 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo.

A oitiva de testemunhas pode ser considerada prova urgente para os fins do art. 366 do CPP?
Sim, desde que as circunstâncias do caso revelem a possibilidade concreta de perecimento.
Ex: a testemunha possui idade avançada e se encontra enferma, com possibilidade concreta de morte.

Feitos os devidos esclarecimentos, imagine a seguinte situação hipotética:
João foi denunciado pela prática de homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302 do CTB).
Como estava foragido, foi citado por edital, com a consequente suspensão do processo (art. 366 do CPP).
O Ministério Público pediu a realização de audiência para a produção antecipada de prova (oitiva das testemunhas) afirmando que o decurso do tempo faria com que as pessoas que presenciaram o acidente esquecessem os fatos, de forma que o ideal seria ouvi-las imediatamente.
O juiz indeferiu o pedido afirmando que o mero decurso do tempo não é fundamento suficiente para a antecipação da prova.
O Promotor de Justiça não concordou com a decisão do magistrado e interpôs recurso em sentido estrito.
Ocorre que o Tribunal de Justiça não conheceu do recurso interposto por entender que a presente situação não está abrangida pelo rol do art. 581 do CPP, que é taxativo e não admitiria interpretação extensiva.
Veja o que diz o art. 581 do CPP:
Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença:
I - que não receber a denúncia ou a queixa;
II - que concluir pela incompetência do juízo;
III - que julgar procedentes as exceções, salvo a de suspeição;
IV - que pronunciar o réu;
V - que conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea a fiança, indeferir requerimento de prisão preventiva ou revogá-la, conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em flagrante;
VI - (Revogado pela Lei nº 11.689/2008)
VII - que julgar quebrada a fiança ou perdido o seu valor;
VIII - que decretar a prescrição ou julgar, por outro modo, extinta a punibilidade;
IX - que indeferir o pedido de reconhecimento da prescrição ou de outra causa extintiva da punibilidade;
X - que conceder ou negar a ordem de habeas corpus;
XI - que conceder, negar ou revogar a suspensão condicional da pena;
XII - que conceder, negar ou revogar livramento condicional;
XIII - que anular o processo da instrução criminal, no todo ou em parte;
XIV - que incluir jurado na lista geral ou desta o excluir;
XV - que denegar a apelação ou a julgar deserta;
XVI - que ordenar a suspensão do processo, em virtude de questão prejudicial;
XVII - que decidir sobre a unificação de penas;
XVIII - que decidir o incidente de falsidade;
XIX - que decretar medida de segurança, depois de transitar a sentença em julgado;
XX - que impuser medida de segurança por transgressão de outra;
XXI - que mantiver ou substituir a medida de segurança, nos casos do art. 774;
XXII - que revogar a medida de segurança;
XXIII - que deixar de revogar a medida de segurança, nos casos em que a lei admita a revogação;
XXIV - que converter a multa em detenção ou em prisão simples.

Agiu corretamente o Tribunal de Justiça?
NÃO.
É cabível recurso em sentido estrito para impugnar decisão que indefere produção antecipada de prova, nas hipóteses do art. 366 do CPP.
STJ. 3ª Seção. EREsp 1.630.121-RN, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 28/11/2018 (Info 640).

Realmente, se você observar as hipóteses elencadas no art. 581 do CPP, verá que não existe a previsão de recurso em sentido estrito contra a decisão que indefere o pedido de produção antecipada de provas.

O rol do art. 581 do CPP é exaustivo ou exemplificativo?
Exaustivo. As hipóteses de cabimento do recurso em sentido estrito trazidas no art. 581 do CPP são EXAUSTIVAS (taxativas). No entanto, apesar disso, é admitida a interpretação extensiva dessas hipóteses legais de cabimento.
“O artigo 581 do Código de Processo Penal regula as hipóteses de cabimento do recurso em sentido estrito. Em geral, esse recurso serve para impugnar decisões interlocutórias, no entanto, ele não se iguala ao agravo previsto no Código de Processo Civil, pois sua hipótese de incidência é taxativa. Ademais, em alguns casos, esse recurso também é cabível contra sentenças e decisões administrativas. Em essência, é um recurso que se dirige a impugnar decisões de juiz singular.
Embora seja um rol taxativo, em razão das mudanças da legislação processual penal, não é aceitável a estagnação das hipóteses de cabimento. Ademais, em razão da paridade de armas, não se pode permitir um desequilíbrio entre as partes, de tal forma que a acusação fique privada de um instrumento de impugnação das decisões proferidas por juiz de primeiro grau, considerando que a defesa sempre poderá impetrar ordem de habeas corpus.
De fato, não se admite a ampliação das hipóteses para abranger situação que evidentemente o legislador quis excluir. No entanto, diante de uma omissão involuntária do legislador, a hipótese pode ser suprida por meio de interpretação extensiva.” (Voto da Min. Maria Thereza de Assis Moura no REsp 1550458/SP, Sexta Turma, julgado em 05/04/2016).

Exemplos:
• o inciso I prevê que é cabível o recurso em sentido estrito contra a decisão que “não receber a denúncia ou a queixa”. Por meio de interpretação extensiva, a jurisprudência admite também o RESE contra a decisão que não recebe o aditamento da denúncia ou da queixa.
• não existe previsão de recurso em sentido estrito contra a decisão que concede, nega ou revoga a suspensão condicional do processo (“sursis processual”). Apesar disso, o STJ admite a interposição de RESE nesses casos com base em uma interpretação extensiva do inciso XI (que conceder, negar ou revogar a suspensão condicional da pena).

A decisão que indefere a produção antecipada de prova nas hipóteses do art. 366 do CPP admite RESE com base em qual inciso do art. 581?
Com base no inciso XVI:
Art. 581.  Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença:
(...)
XVI - que ordenar a suspensão do processo, em virtude de questão prejudicial;

A decisão judicial que aplica a regra do art. 366 do CPP é, em sua essência, uma decisão que determina a suspensão do processo e a oitiva antecipada é uma das providências de natureza cautelar decorrentes dessa decisão. Em outras palavras, a produção antecipada é uma providência cautelar decorrente da decisão do juiz que determinou a suspensão do processo. Reveja a redação do art. 366:
Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.

A decisão que defere ou indefere a produção antecipada de provas com base no art. 366 deve ser encarada, para fins de recurso, como sendo uma decisão que “ordena a suspensão do processo” e, além disso, determina se haverá ou não a produção das provas. Logo, enquadra-se no inciso XVI do art. 581 do CPP.



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