Dizer o Direito

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

É cabível indenização por danos morais em caso de demora excessiva para atendimento na fila do banco?




“Lei das filas”
Alguns Municípios brasileiros possuem leis disciplinando um tempo máximo de espera (normalmente, 15 minutos) para que o consumidor seja atendido em bancos, loterias, concessionárias de água, de energia elétrica, supermercados etc. Isso ficou popularmente conhecido como “Lei das Filas”.

Exemplo
Um exemplo é a Lei nº 167/2005, do Município de Manaus (AM). Veja o que ela diz:
Art. 1º Ficam obrigadas as concessionárias de serviços públicos de água, luz e telefone, as agências bancárias, as loterias, os estabelecimentos de crédito, prestadores de serviços de saúde e os supermercados e lojas de departamentos do Município de Manaus, a disponibilizar funcionários suficientes no setor de atendimento ao público, para que o serviço seja feito em prazo hábil, respeitados a dignidade e o tempo do usuário.
(...)
Art. 2º Para os efeitos desta lei, entende-se como tempo hábil para o atendimento o prazo de até:
I - 15 (quinze) minutos em dias normais;
II - 20 (vinte) minutos às vésperas e após os feriados prolongados, exceto aos supermercados que serão de 25 (vinte e cinco) minutos;
III - 25 (vinte e cinco) minutos nos dias de pagamento de funcionários públicos municipais, estaduais e federais, não podendo ultrapassar esse prazo em hipótese alguma, exceto aos supermercados que terão 30 (trinta) minutos.
(...)
Art. 4º Ficam as empresas dispostas no caput do art. 1º obrigadas a fixar relógio em local visível e fornecer bilhetes ou senhas, onde constarão impressos o horário de entrada e o fim de atendimento do cliente.
Art. 5º O descumprimento das disposições contidas nesta Lei acarretará ao infrator a imposição das seguintes sanções:
I - multa de 340 a 1.270 UFMs;
II - multa de 1.271 a 5.000 UFMs na primeira reincidência;
III - suspensão do alvará de funcionamento pelo prazo de quinze dias na segunda reincidência;
IV - cassação do alvará de funcionamento na terceira reincidência.

CONSTITUCIONALIDADE
Essas leis municipais são constitucionais?
SIM. Trata-se de assunto de interesse local, sendo, portanto, de competência dos Municípios segundo o art. 30, I, da CF/88.
Esse é o entendimento do STF:
É pacífica a jurisprudência desta Corte de que os Municípios detêm competência para legislar sobre o tempo máximo de espera por atendimento nas agências bancárias, uma vez que essa questão é de interesse local e diz respeito às normas de proteção das relações de consumo, não se confundindo com a atividade-fim das instituições bancárias.
STF. 1ª Turma. AI 495187 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 30/08/2011.

LEI DAS FILAS E DANOS MORAIS INDIVIDUAIS
O simples fato de uma pessoa ter esperado mais tempo do que é fixado pela “Lei da Fila” é causa suficiente para, obrigatoriamente, gerar indenização por danos morais?
NÃO.
A mera invocação de legislação municipal que estabelece tempo máximo de espera em fila de banco não é suficiente para ensejar o direito à indenização.
Em outras palavras, o simples fato de a pessoa ter esperado por atendimento bancário por tempo superior ao previsto na legislação municipal não enseja indenização por danos morais. Ex: a lei estipulava o máximo de 15 minutos e o consumidor foi atendido em 25 minutos.
No entanto, se a espera por atendimento na fila de banco for excessiva ou associada a outros constrangimentos, pode ser reconhecida como provocadora de sofrimento moral e ensejar condenação por dano moral.
STJ. 3ª Turma. REsp 1662808/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/05/2017.
STJ. 4ª Turma. REsp 1647452/RO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/02/2019.

Ex1: em um caso concreto, o STJ reconheceu que houve dano moral indenizável porque restou provado que a consumidora, no dia do fato, estava com a saúde debilitada e ficou esperando, em pé, durante muito mais tempo do que a lei estabelecia, sem que houvesse um banheiro que ela pudesse utilizar. A indenização foi fixada em R$ 3 mil (STJ. 3ª Turma. REsp 1218497-MT, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 11/9/2012).
Ex2: em outra situação, o STJ reconheceu que houve dano moral na hipótese em que o consumidor ficou aguardando 2h07m para ser atendido na agência bancária. O STJ afirmou que tal período de tempo configura uma espera excessiva, que é causa de danos extrapatrimoniais. A indenização foi fixada em R$ 5 mil (STJ. 3ª Turma. REsp 1662808/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/05/2017).

LEI DAS FILAS E DANO MORAL COLETIVO
Imagine a seguinte situação:
A Lei nº 3.441/2007, do Município de Aracaju (SE), prevê que, em dias normais, o cliente não pode esperar mais do que 15 minutos para ser atendido nas agências bancárias.
Apesar disso, vários clientes reclamam que o Banco “X” não cumpre essa lei e que os consumidores esperam horas para serem atendidos.
Ademais, as agências desse Banco não possuem assentos destinados a idosos, gestantes e pessoas com deficiência.
Por fim, outra irregularidade está no fato de que não há banheiros nas agências para utilização pelos clientes.
Diante desse cenário, a Defensoria Pública ajuizou ação civil pública contra o referido banco pedindo que a instituição bancária seja condenada a:
• cumprir o tempo máximo de atendimento previsto na lei municipal;
• cumprir as exigências estipuladas pelas normas federais para as agências bancárias (assentos especiais para pessoas com dificuldade de locomoção, existência de banheiros etc.); e
• pagar indenização por danos morais coletivos causados pelo não cumprimento reiterado das referidas obrigações.

O pedido formulado pela Defensoria Pública encontra amparo na jurisprudência do STJ?
SIM.
O descumprimento da lei municipal que estabelece parâmetros para a adequada prestação do serviço de atendimento presencial em agências bancárias é capaz de configurar dano moral de natureza coletiva.
A violação aos deveres de qualidade do atendimento presencial, exigindo do consumidor tempo muito superior aos limites fixados pela legislação municipal pertinente afronta valores essenciais da sociedade, sendo conduta grave e intolerável, de forma que se mostra suficiente para a configuração do dano moral coletivo.
A instituição financeira optou por não adequar seu serviço aos padrões de qualidade previstos em lei municipal e federal, impondo à sociedade o desperdício de tempo útil e acarretando violação injusta e intolerável ao interesse social de máximo aproveitamento dos recursos produtivos, o que é suficiente para a configuração do dano moral coletivo.
A condenação em danos morais coletivos cumprirá sua função de sancionar o ofensor, inibir referida prática ilícita e, ainda, de oferecer reparação indireta à sociedade, por meio da repartição social dos lucros obtidos com a prática ilegal com a destinação do valor da compensação ao fundo do art. 13 da Lei nº 7.347/85.
STJ. 2ª Turma. REsp 1402475/SE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 09/05/2017.
STJ. 3ª Turma. REsp 1737412/SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/02/2019.

DANO MORAL COLETIVO
Dano extrapatrimonial era só individual e depois houve uma evolução
No início, os danos extrapatrimoniais relacionavam-se unicamente com a violação de aspectos da personalidade individual.
Contudo, houve uma evolução do sistema da responsabilidade civil e o dano extrapatrimonial passou a também ser admitido com relação a direitos pertencentes à sociedade como um todo. Surge, então, a ideia de dano moral coletivo.
Os danos morais coletivos surgem a partir do momento em que o direito passa a reconhecer que existem determinados bens que são coletivos. Logo, se há uma violação extrapatrimonial a esses bens, podemos falar, então, em danos morais coletivos.
Assim, “na medida em que se reconhecem bens coletivos, há também um dano dessa categoria derivado da lesão desse bem” (LORENZETTI, Ricardo Luís. O Direito e o Desenvolvimento Sustentável - Teoria Geral do Dano Ambiental Moral, in: Revista de Direito Ambiental. nº 28, São Paulo: RT, p. 139-149).

O que é dano moral coletivo?
“O dano moral coletivo é a lesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, a violação de direito transindividual de ordem coletiva, valores de uma sociedade atingidos do ponto de vista jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalo negativo à moral da coletividade, pois o dano é, na verdade, apenas a consequência da lesão à esfera extrapatrimonial de uma pessoa.” (Min. Mauro Campbell Marques).
O dano moral coletivo é o resultado de uma lesão à esfera extrapatrimonial (moral) de determinada comunidade. Ocorre quando o agente pratica uma conduta que agride, de modo totalmente injusto e intolerável, o ordenamento jurídico e os valores éticos fundamentais da sociedade em si considerada, provocando uma repulsa e indignação na consciência coletiva (Min. Ricardo Villas Bôas Cueva).

Categoria autônoma
O dano moral coletivo é uma espécie autônoma de dano que está relacionada à integridade psico-física da coletividade.
Quando se fala em dano moral coletivo a análise não envolve aqueles atributos tradicionais da pessoa humana (dor, sofrimento ou abalo psíquico).
O dano moral coletivo tutela, portanto, uma espécie autônoma e específica de bem jurídico extrapatrimonial, não coincidente com aquela amparada pelos danos morais individuais.

Os danos morais coletivos não correspondem ao somatório das lesões extrapatrimoniais singulares
Em outras palavras, dano moral coletivo não significa a soma de uma série de danos morais individuais.
A ocorrência de inúmeros episódios de danos morais individuais não gera, necessariamente, a constatação de que houve um dano moral coletivo.

Toda vez que são violados direitos dos consumidores haverá dano moral coletivo?
NÃO.
Não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso (dano moral coletivo). É necessário que esse ato ilícito seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade. Deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva STJ. 3ª Turma. REsp 1.221.756/RJ, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 02/02/2012.

Basta que haja violação à lei ou ao contrato para que se caracterize o dano moral coletivo?
NÃO.
Não basta a mera infringência à lei ou ao contrato para a caracterização do dano moral coletivo. É essencial que o ato antijurídico praticado atinja alto grau de reprovabilidade e transborde os lindes do individualismo, afetando, por sua gravidade e repercussão, o círculo primordial de valores sociais.
O dano moral coletivo não pode ser banalizado para evitar o seu desvirtuamento.
STJ. 3ª Turma. REsp 1473846/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/02/2017.

Reparação dos danos morais: individuais X coletivos
Danos morais INDIVIDUAIS
Danos morais COLETIVOS
O objetivo da reparação é promover o retorno do status quo, ou seja, da situação anterior à violação do direito.
O propósito visado não é, primordialmente, o retorno à situação anterior.
Sua finalidade precípua é a de punir o responsável pela lesão e inibir novas práticas ofensivas.
Importante binômio: punir e inibir.
A reparação está limitada individual está limitado pela extensão do dano (art. 944 do CC) e pelo princípio da compensação integral da lesão, razão pela qual a vítima não deve receber quantia inferior ou superior aos danos sofridos.
A reparação tem por objetivo redistribuir o lucro obtido pelo ofensor de forma ilegítima, entregando parte dele à sociedade.
Não se trata, portanto, de uma reparação típica.
O valor obtido com a indenização visa a restituir de forma direta o dano causado à vítima.
Restitui o dano causado de forma apenas indireta, considerando que o ganho obtido com a prática do ilícito é revertida ao fundo de reconstituição dos bens coletivos, previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/85.

Trinômio dos danos morais coletivos
• Punir a conduta (sancionamento exemplar ao ofensor);
• Inibir a reiteração da prática ilícita;
• Evitar o enriquecimento ilícito do agente.


TEMPO MÁXIMO DE ESPERA EM FILA E DANO MORAL COLETIVO
Dano moral coletivo gerado pela perda injusta e intolerável do tempo do consumidor
O tempo útil e seu máximo aproveitamento são interesses coletivos.
Desse modo, a proteção contra a perda do tempo útil do consumidor deve ser realizada não apenas sob o ponto de vista individual, mas também de forma coletiva.

Responsabilidade civil pela perda do tempo
Assim, a doutrina, há alguns anos, vem defendendo a possibilidade de responsabilidade civil pela perda injusta e intolerável do tempo útil. Nesse sentido, podemos citar:
• Marcos Dessaune (Desvio Produtivo do Consumidor – O Prejuízo do Tempo Desperdiçado. São Paulo: RT, 2011).
• Maurílio Casas Maia e Gustavo Borges (Dano temporal: o tempo como valor jurídico. Florianópolis: Empório do Direito, 2018).
• Pablo Stolze (Responsabilidade civil pela perda do tempo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3540, 11 mar. 2013. Disponível em: );
• Vitor Vilela Guglinski (Danos morais pela perda do tempo útil: uma nova modalidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3237, 12 maio 2012. Disponível em: .

A perda do tempo útil do consumidor decorre principalmente pelo fato de os fornecedores estarem, de forma voluntária e reiterada, descumprindo as regras legais com o intuito de otimizar o lucro em prejuízo da qualidade do serviço.
Assim, por exemplo, os bancos contratam poucos funcionários para trabalhem nas agências físicas com o objetivo de otimizar o lucro. Ocorre que isso gera uma enorme queda na eficiência dos serviços, fazendo com que o consumidor demore muito tempo para ser atendido.
Essa conduta dos fornecedores de serviço ofende os deveres anexos ao princípio boa-fé.

Teoria do desvio produtivo do consumidor
No voto e na ementa do REsp 1737412/SE, a Min. Nancy Andrighi mencionou a “Teoria do desvio produtivo do consumidor”. O que vem a ser isso?
Trata-se de uma teoria desenvolvida por Marcos Dessaune, autor do livro Desvio Produtivo do Consumidor – O Prejuízo do Tempo Desperdiçado. São Paulo: RT, 2011).
Segundo o autor,
“o desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências — de uma atividade necessária ou por ele preferida — para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável”.

Logo, o consumidor deverá ser indenizado por este tempo perdido.

Por que o STJ tem sido mais “rigoroso” para condenar em caso de danos morais individuais do que na hipótese de danos morais coletivos?
Sob o prisma individual, o STJ adota o entendimento de que “a mera invocação de legislação municipal que estabelece tempo máximo de espera em fila de banco não é suficiente para ensejar o direito à indenização”, sendo, para tanto, necessária a prova de alguma “intercorrência que pudesse abalar a honra do autor ou causar-lhe situação de dor, sofrimento ou humilhação” (AgRg no AREsp 357.188/MG, Quarta Turma, DJe 09/05/2018).
Já no caso de dano moral coletivo, não é necessária a demonstração efetiva dessa “intercorrência”.
Isso se dá porque, conforme já explicado, a indenização, no caso de danos morais individuais, baseia-se na previsão do art. 944 do CC, no princípio da reparação integral do dano e na vedação ao enriquecimento ilícito do consumidor. Assim, exige-se efetivamente a prova de uma situação efetivamente danosa.
No fundo, o que se percebe é uma preocupação do STJ com a proliferação de ações individuais de reparação nestes casos que poderiam gerar o fenômeno conhecido como “indústria” do dano moral.


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