Dizer o Direito

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

É cabível indenização por danos morais em caso de demora excessiva para atendimento na fila do banco?




“Lei das filas”
Alguns Municípios brasileiros possuem leis disciplinando um tempo máximo de espera (normalmente, 15 minutos) para que o consumidor seja atendido em bancos, loterias, concessionárias de água, de energia elétrica, supermercados etc. Isso ficou popularmente conhecido como “Lei das Filas”.

Exemplo
Um exemplo é a Lei nº 167/2005, do Município de Manaus (AM). Veja o que ela diz:
Art. 1º Ficam obrigadas as concessionárias de serviços públicos de água, luz e telefone, as agências bancárias, as loterias, os estabelecimentos de crédito, prestadores de serviços de saúde e os supermercados e lojas de departamentos do Município de Manaus, a disponibilizar funcionários suficientes no setor de atendimento ao público, para que o serviço seja feito em prazo hábil, respeitados a dignidade e o tempo do usuário.
(...)
Art. 2º Para os efeitos desta lei, entende-se como tempo hábil para o atendimento o prazo de até:
I - 15 (quinze) minutos em dias normais;
II - 20 (vinte) minutos às vésperas e após os feriados prolongados, exceto aos supermercados que serão de 25 (vinte e cinco) minutos;
III - 25 (vinte e cinco) minutos nos dias de pagamento de funcionários públicos municipais, estaduais e federais, não podendo ultrapassar esse prazo em hipótese alguma, exceto aos supermercados que terão 30 (trinta) minutos.
(...)
Art. 4º Ficam as empresas dispostas no caput do art. 1º obrigadas a fixar relógio em local visível e fornecer bilhetes ou senhas, onde constarão impressos o horário de entrada e o fim de atendimento do cliente.
Art. 5º O descumprimento das disposições contidas nesta Lei acarretará ao infrator a imposição das seguintes sanções:
I - multa de 340 a 1.270 UFMs;
II - multa de 1.271 a 5.000 UFMs na primeira reincidência;
III - suspensão do alvará de funcionamento pelo prazo de quinze dias na segunda reincidência;
IV - cassação do alvará de funcionamento na terceira reincidência.

CONSTITUCIONALIDADE
Essas leis municipais são constitucionais?
SIM. Trata-se de assunto de interesse local, sendo, portanto, de competência dos Municípios segundo o art. 30, I, da CF/88.
Esse é o entendimento do STF:
É pacífica a jurisprudência desta Corte de que os Municípios detêm competência para legislar sobre o tempo máximo de espera por atendimento nas agências bancárias, uma vez que essa questão é de interesse local e diz respeito às normas de proteção das relações de consumo, não se confundindo com a atividade-fim das instituições bancárias.
STF. 1ª Turma. AI 495187 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 30/08/2011.

LEI DAS FILAS E DANOS MORAIS INDIVIDUAIS
O simples fato de uma pessoa ter esperado mais tempo do que é fixado pela “Lei da Fila” é causa suficiente para, obrigatoriamente, gerar indenização por danos morais?
NÃO.
A mera invocação de legislação municipal que estabelece tempo máximo de espera em fila de banco não é suficiente para ensejar o direito à indenização.
Em outras palavras, o simples fato de a pessoa ter esperado por atendimento bancário por tempo superior ao previsto na legislação municipal não enseja indenização por danos morais. Ex: a lei estipulava o máximo de 15 minutos e o consumidor foi atendido em 25 minutos.
No entanto, se a espera por atendimento na fila de banco for excessiva ou associada a outros constrangimentos, pode ser reconhecida como provocadora de sofrimento moral e ensejar condenação por dano moral.
STJ. 3ª Turma. REsp 1662808/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/05/2017.
STJ. 4ª Turma. REsp 1647452/RO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/02/2019.

Ex1: em um caso concreto, o STJ reconheceu que houve dano moral indenizável porque restou provado que a consumidora, no dia do fato, estava com a saúde debilitada e ficou esperando, em pé, durante muito mais tempo do que a lei estabelecia, sem que houvesse um banheiro que ela pudesse utilizar. A indenização foi fixada em R$ 3 mil (STJ. 3ª Turma. REsp 1218497-MT, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 11/9/2012).
Ex2: em outra situação, o STJ reconheceu que houve dano moral na hipótese em que o consumidor ficou aguardando 2h07m para ser atendido na agência bancária. O STJ afirmou que tal período de tempo configura uma espera excessiva, que é causa de danos extrapatrimoniais. A indenização foi fixada em R$ 5 mil (STJ. 3ª Turma. REsp 1662808/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/05/2017).

LEI DAS FILAS E DANO MORAL COLETIVO
Imagine a seguinte situação:
A Lei nº 3.441/2007, do Município de Aracaju (SE), prevê que, em dias normais, o cliente não pode esperar mais do que 15 minutos para ser atendido nas agências bancárias.
Apesar disso, vários clientes reclamam que o Banco “X” não cumpre essa lei e que os consumidores esperam horas para serem atendidos.
Ademais, as agências desse Banco não possuem assentos destinados a idosos, gestantes e pessoas com deficiência.
Por fim, outra irregularidade está no fato de que não há banheiros nas agências para utilização pelos clientes.
Diante desse cenário, a Defensoria Pública ajuizou ação civil pública contra o referido banco pedindo que a instituição bancária seja condenada a:
• cumprir o tempo máximo de atendimento previsto na lei municipal;
• cumprir as exigências estipuladas pelas normas federais para as agências bancárias (assentos especiais para pessoas com dificuldade de locomoção, existência de banheiros etc.); e
• pagar indenização por danos morais coletivos causados pelo não cumprimento reiterado das referidas obrigações.

O pedido formulado pela Defensoria Pública encontra amparo na jurisprudência do STJ?
SIM.
O descumprimento da lei municipal que estabelece parâmetros para a adequada prestação do serviço de atendimento presencial em agências bancárias é capaz de configurar dano moral de natureza coletiva.
A violação aos deveres de qualidade do atendimento presencial, exigindo do consumidor tempo muito superior aos limites fixados pela legislação municipal pertinente afronta valores essenciais da sociedade, sendo conduta grave e intolerável, de forma que se mostra suficiente para a configuração do dano moral coletivo.
A instituição financeira optou por não adequar seu serviço aos padrões de qualidade previstos em lei municipal e federal, impondo à sociedade o desperdício de tempo útil e acarretando violação injusta e intolerável ao interesse social de máximo aproveitamento dos recursos produtivos, o que é suficiente para a configuração do dano moral coletivo.
A condenação em danos morais coletivos cumprirá sua função de sancionar o ofensor, inibir referida prática ilícita e, ainda, de oferecer reparação indireta à sociedade, por meio da repartição social dos lucros obtidos com a prática ilegal com a destinação do valor da compensação ao fundo do art. 13 da Lei nº 7.347/85.
STJ. 2ª Turma. REsp 1402475/SE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 09/05/2017.
STJ. 3ª Turma. REsp 1737412/SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/02/2019.

DANO MORAL COLETIVO
Dano extrapatrimonial era só individual e depois houve uma evolução
No início, os danos extrapatrimoniais relacionavam-se unicamente com a violação de aspectos da personalidade individual.
Contudo, houve uma evolução do sistema da responsabilidade civil e o dano extrapatrimonial passou a também ser admitido com relação a direitos pertencentes à sociedade como um todo. Surge, então, a ideia de dano moral coletivo.
Os danos morais coletivos surgem a partir do momento em que o direito passa a reconhecer que existem determinados bens que são coletivos. Logo, se há uma violação extrapatrimonial a esses bens, podemos falar, então, em danos morais coletivos.
Assim, “na medida em que se reconhecem bens coletivos, há também um dano dessa categoria derivado da lesão desse bem” (LORENZETTI, Ricardo Luís. O Direito e o Desenvolvimento Sustentável - Teoria Geral do Dano Ambiental Moral, in: Revista de Direito Ambiental. nº 28, São Paulo: RT, p. 139-149).

O que é dano moral coletivo?
“O dano moral coletivo é a lesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, a violação de direito transindividual de ordem coletiva, valores de uma sociedade atingidos do ponto de vista jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalo negativo à moral da coletividade, pois o dano é, na verdade, apenas a consequência da lesão à esfera extrapatrimonial de uma pessoa.” (Min. Mauro Campbell Marques).
O dano moral coletivo é o resultado de uma lesão à esfera extrapatrimonial (moral) de determinada comunidade. Ocorre quando o agente pratica uma conduta que agride, de modo totalmente injusto e intolerável, o ordenamento jurídico e os valores éticos fundamentais da sociedade em si considerada, provocando uma repulsa e indignação na consciência coletiva (Min. Ricardo Villas Bôas Cueva).

Categoria autônoma
O dano moral coletivo é uma espécie autônoma de dano que está relacionada à integridade psico-física da coletividade.
Quando se fala em dano moral coletivo a análise não envolve aqueles atributos tradicionais da pessoa humana (dor, sofrimento ou abalo psíquico).
O dano moral coletivo tutela, portanto, uma espécie autônoma e específica de bem jurídico extrapatrimonial, não coincidente com aquela amparada pelos danos morais individuais.

Os danos morais coletivos não correspondem ao somatório das lesões extrapatrimoniais singulares
Em outras palavras, dano moral coletivo não significa a soma de uma série de danos morais individuais.
A ocorrência de inúmeros episódios de danos morais individuais não gera, necessariamente, a constatação de que houve um dano moral coletivo.

Toda vez que são violados direitos dos consumidores haverá dano moral coletivo?
NÃO.
Não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso (dano moral coletivo). É necessário que esse ato ilícito seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade. Deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva STJ. 3ª Turma. REsp 1.221.756/RJ, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 02/02/2012.

Basta que haja violação à lei ou ao contrato para que se caracterize o dano moral coletivo?
NÃO.
Não basta a mera infringência à lei ou ao contrato para a caracterização do dano moral coletivo. É essencial que o ato antijurídico praticado atinja alto grau de reprovabilidade e transborde os lindes do individualismo, afetando, por sua gravidade e repercussão, o círculo primordial de valores sociais.
O dano moral coletivo não pode ser banalizado para evitar o seu desvirtuamento.
STJ. 3ª Turma. REsp 1473846/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/02/2017.

Reparação dos danos morais: individuais X coletivos
Danos morais INDIVIDUAIS
Danos morais COLETIVOS
O objetivo da reparação é promover o retorno do status quo, ou seja, da situação anterior à violação do direito.
O propósito visado não é, primordialmente, o retorno à situação anterior.
Sua finalidade precípua é a de punir o responsável pela lesão e inibir novas práticas ofensivas.
Importante binômio: punir e inibir.
A reparação está limitada individual está limitado pela extensão do dano (art. 944 do CC) e pelo princípio da compensação integral da lesão, razão pela qual a vítima não deve receber quantia inferior ou superior aos danos sofridos.
A reparação tem por objetivo redistribuir o lucro obtido pelo ofensor de forma ilegítima, entregando parte dele à sociedade.
Não se trata, portanto, de uma reparação típica.
O valor obtido com a indenização visa a restituir de forma direta o dano causado à vítima.
Restitui o dano causado de forma apenas indireta, considerando que o ganho obtido com a prática do ilícito é revertida ao fundo de reconstituição dos bens coletivos, previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/85.

Trinômio dos danos morais coletivos
• Punir a conduta (sancionamento exemplar ao ofensor);
• Inibir a reiteração da prática ilícita;
• Evitar o enriquecimento ilícito do agente.


TEMPO MÁXIMO DE ESPERA EM FILA E DANO MORAL COLETIVO
Dano moral coletivo gerado pela perda injusta e intolerável do tempo do consumidor
O tempo útil e seu máximo aproveitamento são interesses coletivos.
Desse modo, a proteção contra a perda do tempo útil do consumidor deve ser realizada não apenas sob o ponto de vista individual, mas também de forma coletiva.

Responsabilidade civil pela perda do tempo
Assim, a doutrina, há alguns anos, vem defendendo a possibilidade de responsabilidade civil pela perda injusta e intolerável do tempo útil. Nesse sentido, podemos citar:
• Marcos Dessaune (Desvio Produtivo do Consumidor – O Prejuízo do Tempo Desperdiçado. São Paulo: RT, 2011).
• Maurílio Casas Maia e Gustavo Borges (Dano temporal: o tempo como valor jurídico. Florianópolis: Empório do Direito, 2018).
• Pablo Stolze (Responsabilidade civil pela perda do tempo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3540, 11 mar. 2013. Disponível em: );
• Vitor Vilela Guglinski (Danos morais pela perda do tempo útil: uma nova modalidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3237, 12 maio 2012. Disponível em: .

A perda do tempo útil do consumidor decorre principalmente pelo fato de os fornecedores estarem, de forma voluntária e reiterada, descumprindo as regras legais com o intuito de otimizar o lucro em prejuízo da qualidade do serviço.
Assim, por exemplo, os bancos contratam poucos funcionários para trabalhem nas agências físicas com o objetivo de otimizar o lucro. Ocorre que isso gera uma enorme queda na eficiência dos serviços, fazendo com que o consumidor demore muito tempo para ser atendido.
Essa conduta dos fornecedores de serviço ofende os deveres anexos ao princípio boa-fé.

Teoria do desvio produtivo do consumidor
No voto e na ementa do REsp 1737412/SE, a Min. Nancy Andrighi mencionou a “Teoria do desvio produtivo do consumidor”. O que vem a ser isso?
Trata-se de uma teoria desenvolvida por Marcos Dessaune, autor do livro Desvio Produtivo do Consumidor – O Prejuízo do Tempo Desperdiçado. São Paulo: RT, 2011).
Segundo o autor,
“o desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências — de uma atividade necessária ou por ele preferida — para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável”.

Logo, o consumidor deverá ser indenizado por este tempo perdido.

Por que o STJ tem sido mais “rigoroso” para condenar em caso de danos morais individuais do que na hipótese de danos morais coletivos?
Sob o prisma individual, o STJ adota o entendimento de que “a mera invocação de legislação municipal que estabelece tempo máximo de espera em fila de banco não é suficiente para ensejar o direito à indenização”, sendo, para tanto, necessária a prova de alguma “intercorrência que pudesse abalar a honra do autor ou causar-lhe situação de dor, sofrimento ou humilhação” (AgRg no AREsp 357.188/MG, Quarta Turma, DJe 09/05/2018).
Já no caso de dano moral coletivo, não é necessária a demonstração efetiva dessa “intercorrência”.
Isso se dá porque, conforme já explicado, a indenização, no caso de danos morais individuais, baseia-se na previsão do art. 944 do CC, no princípio da reparação integral do dano e na vedação ao enriquecimento ilícito do consumidor. Assim, exige-se efetivamente a prova de uma situação efetivamente danosa.
No fundo, o que se percebe é uma preocupação do STJ com a proliferação de ações individuais de reparação nestes casos que poderiam gerar o fenômeno conhecido como “indústria” do dano moral.


quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Não cabe oposição em ação de usucapião


Para que possamos entender melhor o tema, é importante fazer uma revisão sobre a ação de usucapião e também a respeito da oposição.

USUCAPIÃO
Conceito
Usucapião é...
- um instituto jurídico por meio do qual a pessoa que fica na posse de um bem (móvel ou imóvel)
- por determinados anos
- agindo como se fosse dono
- adquire a propriedade deste bem ou outros direitos reais a ele relacionados (exs: usufruto, servidão)
- desde que cumpridos os requisitos legais.

Ação de usucapião
O CPC/1973 trazia, em seus arts. 941 a 945, um procedimento especial para a ação de usucapião.
O CPC/2015 não previu procedimento especial para a ação de usucapião, de forma que a usucapião judicial deverá seguir o procedimento comum.

Em uma ação de usucapião, o autor deve pedir a citação de quem? Quem deve ser citado?
• o indivíduo em nome do qual se encontra registrado o imóvel, ou seja, o “proprietário” do imóvel, segundo o cartório de registro de imóveis;
• os proprietários ou possuidores dos imóveis confinantes, ou seja, os vizinhos que fazem fronteira com o imóvel que se almeja na ação. Em se tratando de casa, em geral, são três confinantes: o vizinho da esquerda, o da direita e o vizinho de trás;
• a citação, por edital, de eventuais interessados (art. 259, I, do CPC/2015).

OPOSIÇÃO
Conceito
A oposição consiste em...
- uma ação proposta por um terceiro
- na qual ele pede o mesmo bem ou direito
- que já está sendo discutido em outro processo que está tramitando

Exemplo
Francisco ajuizou ação reivindicatória contra Raimundo afirmando que é proprietário do sítio “Bela Vista”, que está sendo ocupado pelo réu.
Antônio não estava participando deste processo, no entanto, soube informalmente da sua existência.
Antônio entende que ele é o real proprietário do sítio.
Diante disso, Antônio (classificado juridicamente como “terceiro”, por não fazer parte originalmente da ação) poderá apresentar “oposição” alegando que nem Francisco (autor) nem Raimundo (réu) tem direito considerando que o imóvel em discussão pertence a ele.

Em uma frase: “A” e “B” estão disputando o bem “X”. “C” ingressa no processo afirmando que ele é o titular de “X”.

Previsão
A oposição está prevista no art. 682 do CPC/2015:
Art. 682. Quem pretender, no todo ou em parte, a coisa ou o direito sobre que controvertem autor e réu poderá, até ser proferida a sentença, oferecer oposição contra ambos.

Natureza jurídica
No CPC/1973: era uma espécie de intervenção de terceiros.
No CPC/2015: foi tratada como uma ação autônoma.

NÃO CABE OPOSIÇÃO EM AÇÃO DE USUCAPIÃO
Imagine a seguinte situação hipotética:
João ingressou com ação de usucapião de um determinado imóvel, alegando preencher os requisitos legais para a aquisição originária dessa área.
Foram citados:
• Belchior (indivíduo em nome do qual se encontra registrado o imóvel, ou seja, o “proprietário” do imóvel, segundo o cartório de registro de imóveis);
• os proprietários ou possuidores dos imóveis confinantes (“vizinhos”);
• eventuais interessados (citados por edital).

Oposição
No curso do processo, Pedro apresentou oposição (art. 682 do CPC) afirmando que ele é o legítimo proprietário do bem, ainda que seu nome não esteja no registro imobiliário.
Desse modo, Pedro requereu que o pedido de João fosse julgado improcedente.

O pedido de Pedro terá êxito?
NÃO. Isso porque não cabe oposição em ação de usucapião.
O CPC prevê que, na ação de usucapião, deverá ser publicado um edital convocando quaisquer interessados que tenham interesse de impugnar o pedido formulado pelo autor (art. 259, I).

Qual é o meio processual para que o interessado impugne esse pedido do autor da ação de usucapião?
Contestação.
Assim, se Pedro entendeu que ele é quem tinha direito de usucapir o imóvel e que, portanto, o pedido de João deveria ser julgado improcedente, ele deveria ter exercido a sua pretensão por meio de uma contestação (e não por intermédio de oposição).

Falta de interesse processual
A oposição, como vimos, é uma ação judicial. Logo, somente deve ser conhecida se preencher as condições da ação e os pressupostos processuais.
Entre as condições da ação, está o interesse processual (ou interesse de agir).
Se o autor não tinha “necessidade” de ajuizar a ação que foi proposta, isso significa que essa ação não deverá ser conhecida por falta de interesse processual.
Assim, conclui-se que Pedro não tinha interesse processual para oferecer oposição porque a tutela por ele buscada podia ser alcançada pela simples contestação.
O indivíduo não tem necessidade de ingressar com oposição em uma ação de usucapião porque basta que ele apresente uma contestação. Se ele não tem necessidade, significa dizer que, se ajuizar oposição na ação de usucapião, esta oposição não deverá ser admitida por falta de interesse processual.
Essa é também a posição da doutrina:
“(...) cabe indagar se na ação de usucapião é possível que o terceiro se utilize da oposição como forma de demonstrar a existência de pretensão contraditória àquela formulada pelo autor. Posicionamo-nos pela negativa, justamente pela universalidade do juízo do usucapião. A citação nesse procedimento revela um ato complexo, e a manifestação de qualquer terceiro interessado revelara autêntica contestação, com a concretização do procedimento edital (art. 259 do CPC), que não se confunde com a citação por edital. Desta forma, a intervenção do terceiro nasce por força do ato citatório de caráter universal. Sendo ultrapassada a fase para a impugnarão, não poderá o terceiro valer-se da oposição”. (ARAÚJO, Fabio Caldas. Intervenção de terceiros. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 414-415)

Aquele que se opõe ao pedido do autor não ação de usucapião não é terceiro
Além do argumento acima, podemos também enunciar outro para não admitir a oposição: Pedro não pode ser considerado “terceiro” em relação ao direito material discutido na ação de usucapião.
Como a lei exige a convocação de todos os interessados para ingressarem no polo passivo da ação de usucapião, se assim desejarem, isso significa que neste procedimento não há a figura do terceiro.
Ora, se a lei determina a citação por edital de todos os interessados e Pedro ingressa no feito dizendo que é interessado, então ele é parte no processo (e não terceiro).
Só o terceiro pode apresentar oposição. Se o indivíduo é parte, sua manifestação no processo nunca poderá ser feita por meio de oposição.

Em suma:
Não cabe oposição em ação de usucapião.
O indivíduo não tem interesse processual para oferecer oposição na ação de usucapião porque, estando tal ação incluída nos chamados juízos universais (em que são convocados a integrar o polo passivo por meio de edital toda a universalidade de eventuais interessados), sua pretensão poderia ser deduzida por meio de contestação.
Como a lei exige a convocação de todos os interessados para ingressarem no polo passivo da ação de usucapião, se assim desejarem, isso significa que neste procedimento não há a figura do terceiro.
STJ. 3ª Turma. REsp 1726292/CE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 12/02/2019.





terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Para ocorrer indenização por danos morais em função do encontro de corpo estranho em alimento industrializado, é necessária a sua ingestão?



CASO 1 (COMEU O OBJETO ESTRANHO)
Imagine a seguinte situação hipotética:
João comprou um bolinho industrializado de morango no supermercado.
Ele retirou o bolinho da embalagem e deu a primeira mordida, momento em que sentiu um gosto estranho e percebeu que havia comido metade de um inseto que estava dentro do produto.
Diante disso, ele ingressou com ação de indenização por danos morais contra a fabricante do produto em litisconsórcio com o supermercado.
João terá direito de ser indenizado por danos morais. Isso porque a jurisprudência do STJ está consolidada no sentido de que há dano moral na hipótese em que o produto alimentício é consumido, ainda que parcialmente, em condições impróprias, especialmente quando apresenta situação de insalubridade oferecedora de risco à saúde ou à incolumidade física.

A fabricante do bombom poderá se isentar de indenizar o consumidor alegando que a culpa pela existência do objeto estranho foi do supermercado que não acondicionou corretamente o produto, o submetendo a calor excessivo?
NÃO. O consumidor pode cobrar a indenização de todos os que fazem parte da cadeia produtivo. Posteriormente, o fabricante poderá ingressar com ação de regresso contra o supermercado, se for o caso, cobrando aquilo que pagou ao consumidor. Sobre o tema:
Em se tratando de relação de consumo, são solidariamente responsáveis todos da cadeia produtiva, nada impedindo que a parte que comprovar não ter a culpa possa exercer ação de regresso para ser reembolsado do valor da indenização.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1095795/MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 22/03/2018.

CASO 2 (NÃO CHEGOU A COMER O OBJETO ESTRANHO)
Imagine agora uma situação diferente:
Maria comprou um bombom de chocolate no supermercado.
Ao retirar o chocolate da embalagem, Maria percebeu que havia larvas na superfície do bombom.
Diante disso, ajuizou ação de indenização por danos morais contra a fabricante do produto em litisconsórcio com o supermercado.
As rés alegaram, dentre outros argumentos, que não houve dano moral, considerando que Maria não engoliu o corpo estranho. Logo, do evento não advieram consequências significativas.

Para ocorrer a indenização por danos morais em função do encontro de corpo estranho em alimento industrializado, é necessária a sua ingestão? Para configurar dano moral é necessário que o consumidor ENGULA o objeto estranho presente no alimento?
A jurisprudência é dividida, havendo duas correntes sobre o tema:
SIM
NÃO
Só haverá condenação por danos morais se o consumidor engolir o objeto estranho
Haverá danos morais ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo
Ausente a ingestão do produto considerado impróprio para o consumo em virtude da presença de corpo estranho, não se configura o dano moral indenizável.
Não há dano moral na hipótese de aquisição de gênero alimentício com corpo estranho no interior da embalagem se não ocorre a ingestão do produto considerado impróprio para consumo, visto que referida situação não configura desrespeito à dignidade da pessoa humana, desprezo à saúde pública ou mesmo descaso para com a segurança alimentar.
A ausência de ingestão de produto impróprio para o consumo configura, em regra, hipótese de mero dissabor vivenciado pelo consumidor, o que afasta eventual pretensão indenizatória decorrente de alegado dano moral.

A aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo o consumidor a risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana.
O simples ato de “levar à boca” o alimento industrializado com corpo estranho gera dano moral in re ipsa, independentemente de sua ingestão.
A disponibilização de produto considerado impróprio para consumo em virtude da presença de objeto estranho no seu interior afeta a segurança que rege as relações consumeristas na medida que expõe o consumidor a risco de lesão à sua saúde e segurança e, portanto, dá direito à compensação por dano moral.
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1597890/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, j. em 27/09/2016.
STJ. 4ª Turma. AgRg no AREsp 489.030/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 16/04/2015.
STJ. 3ª Turma. REsp 1644405/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/11/2017.
STJ. 3ª Turma. REsp 1744321/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/02/2019.

Obs: neste caso do bombom com larva, a 3ª Turma do STJ condenou os réus a pagarem R$ 10 mil de indenização à consumidora (REsp 1744321/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/02/2019).




segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Se houver a afetação do tema, os recursos especiais que estiverem tramitando no STJ e que tratem sobre o mesmo tema irão ser devolvidos para o TJ ou TRF e ali ficarão suspensos aguardando a definição da tese



Multiplicidade de recursos extraordinários e especiais tratando sobre o mesmo tema
O legislador percebeu que havia no STF e no STJ milhares de recursos que tratavam sobre os mesmos temas jurídicos.
Diante disso, a fim de otimizar a análise desses recursos, a Lei nº 11.672/2008 acrescentou os arts. 543-B e 543-C ao CPC 1973, prevendo uma espécie de “julgamento por amostragem” dos recursos extraordinários e recursos especiais que tiverem sido interpostos com fundamento em idêntica controvérsia ou questão de direito.
O CPC/2015, em linhas gerais, manteve uma regulamentação bem parecida, sendo o tema agora tratado nos arts. 1.036 a 1.041.

Procedimento de julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos
Em primeiro lugar, o Presidente ou Vice-Presidente do tribunal de origem (TJ ou TRF) irá identificar e separar todos os recursos interpostos que tratem sobre o mesmo assunto.
Exemplo: reunir os recursos especiais nos quais se discuta se o prazo prescricional das ações contra a Fazenda Pública é de três ou cinco anos.

Remessa de dois ou mais para o STJ ou STF
Desses recursos, o Presidente do tribunal selecionará 2 ou mais que representem bem a controvérsia discutida e os encaminhará ao STJ ou STF (conforme seja Resp ou RE).
Serão escolhidos os que contiverem maior diversidade de fundamentos no acórdão e de argumentos no recurso especial. Nesse sentido:
Art. 1.036 (...)
§ 1º O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na região, conforme o caso.

Demais recursos ficam sobrestados na origem
Os demais recursos especiais e extraordinários que tratem sobre a mesma matéria e que não foram remetidos como paradigma (modelo) ficarão suspensos no tribunal de origem até que o STJ/STF se pronuncie sobre o tema central.

Ministro do STJ ou STF poderá escolher outros recursos representativos diferentes daqueles enviados pelo TJ/TRF
A escolha feita pelo presidente ou vice-presidente do TJ ou TRF não vinculará o relator no tribunal superior, que poderá selecionar outros recursos representativos da controvérsia (art. 1.036, § 4º).
O Ministro relator do STJ ou STF também poderá selecionar 2 ou mais recursos representativos da controvérsia para julgamento da questão de direito independentemente da iniciativa do presidente ou do vice-presidente do tribunal de origem.

Afetação
Se o Ministro do STJ ou do STF ao receber o recurso representativo de controvérsia, perceber que a matéria nele tratada realmente possui um interesse geral e se repete em inúmeros outros casos, ele irá proferir decisão determinando a afetação daquele tema para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos. Veja o que diz o art. 1.037 do CPC/2015:
Art. 1.036.  Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.
(...)
Art. 1.037. Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior, constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036, proferirá decisão de afetação (...).

Confira também a previsão do Regimento Interno do STJ:
Art. 256-I. O recurso especial representativo da controvérsia apto, bem como o recurso especial distribuído cuja multiplicidade de processos com idêntica questão de direito seja reconhecida pelo relator, nos termos do art. 1.037 do Código de Processo Civil, será submetido pela Seção ou pela Corte Especial, conforme o caso, ao rito dos recursos repetitivos para julgamento, observadas as regras previstas no Capítulo II-B do Título IX da Parte I do Regimento Interno.

Suspensão dos processos que tratem sobre o tema
Nesta decisão de afetação, o Ministro irá determinar “a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional” (art. 1.037, II).
Ex: o Ministro Relator no STJ recebe um recurso repetitivo discutindo qual a norma aplicável para fins de cálculo da renda mensal inicial na previdência complementar. Ele percebe que esse mesmo tema está sendo discutido em centenas de outros processos que já estão no STJ e nos Tribunais de Justiça. Diante disso, ele irá:
• proferir uma decisão determinando a afetação desse tema (o que significa isso: vamos discutir com profundidade o assunto e definir uma tese);
• determinar que, enquanto não se define esse tema afetado, os demais processos deverão ficar sobrestados (suspensos).

Por que é necessária essa suspensão?
Porque seria improdutivo que tais processos continuassem tramitando antes de uma definição segura sobre o tema.
Depois que o STJ/STF julgar o recurso especial/extraordinário afetado, a tese que for definida irá ser aplicada a todos os recursos que ficaram suspensos.
Logo, é mais produtivo aguardar com o processo suspenso e já aplicar no processo a tese fixada.

Recursos que estavam no TJ/TRF aguardando juízo de admissibilidade ficam suspensos
Quando o STF/STJ afetar determinado tema, os recursos especiais e extraordinários que tratam sobre o assunto e que ainda estavam nos Tribunais de origem (TJ/TRF) aguardando para serem enviados ficarão suspensos e nem irão subir para o STJ/STF. Não há dúvida quanto a isso.

E os processos que já estavam no STJ? Se houver a afetação do tema, os recursos especiais que já estavam tramitando no STJ e que tratam sobre o mesmo tema irão “descer” para o TJ ou TRF e ficarão sobrestados aguardando a definição da tese? Ex: o Ministro Relator do Resp “X”, que trata sobre o tema “ABC” afetou este recurso para ser julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos; no STJ há Resp “Y” tratando sobre esse mesmo assunto; este Resp “Y” também ficará sobrestado?

Como era no CPC/1973: NÃO
Como é atualmente (CPC/2015): SIM
O STJ entendia que a regra processual de suspensão dos recursos para esperar a definição da tese do recurso repetitivo se aplicava apenas aos Tribunais de segunda instância. Isso significa que não havia necessidade de sobrestamento dos recursos que já estavam no STJ.
Em outras palavras, se o recurso especial já estivesse no STJ, ele poderia ser julgado normalmente mesmo que o tema nele discutido estivesse afetado para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos.
A jurisprudência atual do STJ aplica o art. 256-L, do RISTJ, em consonância com o art. 1.037 do CPC/2015, que determina a devolução dos autos à origem por meio de decisão fundamentada, nos casos de existência de processo representativo de controvérsia sobre a mesma matéria.
Em outras palavras, mesmo que o recurso especial já esteja no STJ, ele ficará suspenso se o tema nele discutido estiver afetado sob o rito dos recursos repetitivos.
Está superado o entendimento segundo o qual o sobrestamento só se aplicaria nas instâncias ordinárias, enquanto no STJ os recursos poderiam seguir tramitando.
STJ. Corte Especial. AgInt nos EREsp 1511921/SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 14/12/2016.
STJ. Corte Especial. EAREsp 380.796/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 15/08/2018.

Veja a redação do art. 256-L do Regimento Interno do STJ que foi alterado em 2016 para se adequar ao CPC/2015:
Art. 256-L. Publicada a decisão de afetação, os demais recursos especiais em tramitação no STJ fundados em idêntica questão de direito:
I - se já distribuídos, serão devolvidos ao Tribunal de origem, para nele permanecerem suspensos, por meio de decisão fundamentada do relator;
II - se ainda não distribuídos, serão devolvidos ao Tribunal de origem por decisão fundamentada do Presidente do STJ.
(dispositivo incluído pela Emenda Regimental n. 24/2016)

Em homenagem aos princípios processuais da economia e da efetividade, é melhor se determinar o sobrestamento do recurso especial e sua devolução ao Tribunal de origem até que se tenha a definição da tese no recurso repetitivo. Isso porque, ao ser decidida a tese, o próprio Tribunal de origem irá decidir o Resp, aplicando uma das soluções previstas no art. 1.040 do CPC/2015:
Art. 1.040.  Publicado o acórdão paradigma:
I - o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior;
II - o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior;
III - os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior;
IV - se os recursos versarem sobre questão relativa a prestação de serviço público objeto de concessão, permissão ou autorização, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada.

Em suma:
Se houver a afetação do tema, os recursos especiais que estiverem tramitando no STJ e que tratem sobre o mesmo tema irão ser devolvidos para o TJ ou TRF e ali ficarão suspensos aguardando a definição da tese.
A jurisprudência atual do STJ aplica o art. 256-L, do RISTJ, em consonância com o art. 1.037 do CPC/2015, que determina a devolução dos autos à origem por meio de decisão fundamentada, nos casos de existência de processo representativo de controvérsia sobre a mesma matéria.
STJ. Corte Especial. EAREsp 380796/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 15/08/2018.




terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

É cabível RESE contra decisão que indefere a produção antecipada de prova prevista no art. 366 do CPP



Se o acusado é citado por edital, mesmo assim o processo continua normalmente?
O art. 366 do CPP estabelece que:
- se o acusado for citado por edital e
- não comparecer ao processo nem constituir advogado
- o processo e o curso da prescrição ficarão suspensos.

Se o réu comparecer ao processo ou constituir advogado, o processo e o prazo prescricional voltam a correr normalmente.
O objetivo do art. 366 é garantir que o acusado que não foi pessoalmente citado não seja julgado à revelia.

Produção antecipada de provas urgentes e prisão preventiva
O art. 366 do CPP afirma que se o acusado, citado por edital, não comparecer nem constituir advogado, o juiz poderá determinar:
• a produção antecipada de provas consideradas urgentes e
• decretar a prisão preventiva do acusado se estiverem presentes os requisitos do art. 312 do CPP (o simples fato do acusado não ter sido encontrado não é motivo suficiente para decretar sua prisão preventiva).

Produção antecipada das provas consideradas urgentes:
No caso do art. 366 do CPP, o juiz poderá determinar a produção antecipada de provas consideradas urgentes.
Para que o magistrado realize a colheita antecipada das provas, exige-se que seja demonstrada a real necessidade da medida.
Assim, toda produção antecipada de provas realizada nos termos do art. 366 do CPP está adstrita à sua necessidade concreta, devidamente fundamentada.
Nesse sentido, existe, inclusive, entendimento sumulado do STJ:
Súmula 455-STJ: A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no artigo 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo.

A oitiva de testemunhas pode ser considerada prova urgente para os fins do art. 366 do CPP?
Sim, desde que as circunstâncias do caso revelem a possibilidade concreta de perecimento.
Ex: a testemunha possui idade avançada e se encontra enferma, com possibilidade concreta de morte.

Feitos os devidos esclarecimentos, imagine a seguinte situação hipotética:
João foi denunciado pela prática de homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302 do CTB).
Como estava foragido, foi citado por edital, com a consequente suspensão do processo (art. 366 do CPP).
O Ministério Público pediu a realização de audiência para a produção antecipada de prova (oitiva das testemunhas) afirmando que o decurso do tempo faria com que as pessoas que presenciaram o acidente esquecessem os fatos, de forma que o ideal seria ouvi-las imediatamente.
O juiz indeferiu o pedido afirmando que o mero decurso do tempo não é fundamento suficiente para a antecipação da prova.
O Promotor de Justiça não concordou com a decisão do magistrado e interpôs recurso em sentido estrito.
Ocorre que o Tribunal de Justiça não conheceu do recurso interposto por entender que a presente situação não está abrangida pelo rol do art. 581 do CPP, que é taxativo e não admitiria interpretação extensiva.
Veja o que diz o art. 581 do CPP:
Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença:
I - que não receber a denúncia ou a queixa;
II - que concluir pela incompetência do juízo;
III - que julgar procedentes as exceções, salvo a de suspeição;
IV - que pronunciar o réu;
V - que conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea a fiança, indeferir requerimento de prisão preventiva ou revogá-la, conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em flagrante;
VI - (Revogado pela Lei nº 11.689/2008)
VII - que julgar quebrada a fiança ou perdido o seu valor;
VIII - que decretar a prescrição ou julgar, por outro modo, extinta a punibilidade;
IX - que indeferir o pedido de reconhecimento da prescrição ou de outra causa extintiva da punibilidade;
X - que conceder ou negar a ordem de habeas corpus;
XI - que conceder, negar ou revogar a suspensão condicional da pena;
XII - que conceder, negar ou revogar livramento condicional;
XIII - que anular o processo da instrução criminal, no todo ou em parte;
XIV - que incluir jurado na lista geral ou desta o excluir;
XV - que denegar a apelação ou a julgar deserta;
XVI - que ordenar a suspensão do processo, em virtude de questão prejudicial;
XVII - que decidir sobre a unificação de penas;
XVIII - que decidir o incidente de falsidade;
XIX - que decretar medida de segurança, depois de transitar a sentença em julgado;
XX - que impuser medida de segurança por transgressão de outra;
XXI - que mantiver ou substituir a medida de segurança, nos casos do art. 774;
XXII - que revogar a medida de segurança;
XXIII - que deixar de revogar a medida de segurança, nos casos em que a lei admita a revogação;
XXIV - que converter a multa em detenção ou em prisão simples.

Agiu corretamente o Tribunal de Justiça?
NÃO.
É cabível recurso em sentido estrito para impugnar decisão que indefere produção antecipada de prova, nas hipóteses do art. 366 do CPP.
STJ. 3ª Seção. EREsp 1.630.121-RN, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 28/11/2018 (Info 640).

Realmente, se você observar as hipóteses elencadas no art. 581 do CPP, verá que não existe a previsão de recurso em sentido estrito contra a decisão que indefere o pedido de produção antecipada de provas.

O rol do art. 581 do CPP é exaustivo ou exemplificativo?
Exaustivo. As hipóteses de cabimento do recurso em sentido estrito trazidas no art. 581 do CPP são EXAUSTIVAS (taxativas). No entanto, apesar disso, é admitida a interpretação extensiva dessas hipóteses legais de cabimento.
“O artigo 581 do Código de Processo Penal regula as hipóteses de cabimento do recurso em sentido estrito. Em geral, esse recurso serve para impugnar decisões interlocutórias, no entanto, ele não se iguala ao agravo previsto no Código de Processo Civil, pois sua hipótese de incidência é taxativa. Ademais, em alguns casos, esse recurso também é cabível contra sentenças e decisões administrativas. Em essência, é um recurso que se dirige a impugnar decisões de juiz singular.
Embora seja um rol taxativo, em razão das mudanças da legislação processual penal, não é aceitável a estagnação das hipóteses de cabimento. Ademais, em razão da paridade de armas, não se pode permitir um desequilíbrio entre as partes, de tal forma que a acusação fique privada de um instrumento de impugnação das decisões proferidas por juiz de primeiro grau, considerando que a defesa sempre poderá impetrar ordem de habeas corpus.
De fato, não se admite a ampliação das hipóteses para abranger situação que evidentemente o legislador quis excluir. No entanto, diante de uma omissão involuntária do legislador, a hipótese pode ser suprida por meio de interpretação extensiva.” (Voto da Min. Maria Thereza de Assis Moura no REsp 1550458/SP, Sexta Turma, julgado em 05/04/2016).

Exemplos:
• o inciso I prevê que é cabível o recurso em sentido estrito contra a decisão que “não receber a denúncia ou a queixa”. Por meio de interpretação extensiva, a jurisprudência admite também o RESE contra a decisão que não recebe o aditamento da denúncia ou da queixa.
• não existe previsão de recurso em sentido estrito contra a decisão que concede, nega ou revoga a suspensão condicional do processo (“sursis processual”). Apesar disso, o STJ admite a interposição de RESE nesses casos com base em uma interpretação extensiva do inciso XI (que conceder, negar ou revogar a suspensão condicional da pena).

A decisão que indefere a produção antecipada de prova nas hipóteses do art. 366 do CPP admite RESE com base em qual inciso do art. 581?
Com base no inciso XVI:
Art. 581.  Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença:
(...)
XVI - que ordenar a suspensão do processo, em virtude de questão prejudicial;

A decisão judicial que aplica a regra do art. 366 do CPP é, em sua essência, uma decisão que determina a suspensão do processo e a oitiva antecipada é uma das providências de natureza cautelar decorrentes dessa decisão. Em outras palavras, a produção antecipada é uma providência cautelar decorrente da decisão do juiz que determinou a suspensão do processo. Reveja a redação do art. 366:
Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.

A decisão que defere ou indefere a produção antecipada de provas com base no art. 366 deve ser encarada, para fins de recurso, como sendo uma decisão que “ordena a suspensão do processo” e, além disso, determina se haverá ou não a produção das provas. Logo, enquadra-se no inciso XVI do art. 581 do CPP.



segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

INFORMATIVO Comentado 929 STF


Olá amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível o INFORMATIVO Comentado 929 STF.

Confira abaixo o índice. Bons estudos.


ÍNDICE DO INFORMATIVO 929 DO STF

Direito Constitucional
DIREITOS SOCIAIS
Não há vedação para a fixação de piso salarial em múltiplos do salário mínimo, desde que inexistam reajustes automáticos.

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Não se aplica ao processo objetivo de controle abstrato de constitucionalidade a norma que concede prazo em dobro à Fazenda Pública

COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS
É constitucional lei estadual que obriga as empresas prestadoras de serviço no Estado a fornecerem previamente ao consumidor a identificação do profissional que fará o atendimento na sua residência.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
STF mantém punição aplicada pelo CNJ à juíza envolvida no caso de prisão de adolescente em cela masculina no Pará.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Não é possível o fracionamento da execução dos honorários advocatícios decorrentes de uma única ação proposta contra a Fazenda Pública por vários litisconsortes ativos facultativos.








Dizer o Direito!