Olá amigos do Dizer o Direito,
Foi publicada hoje a Lei nº 13.793/2019, que permite que os
advogados possam visualizar e imprimir processos eletrônicos mesmo sem estarem
funcionando nos autos.
Vamos entender.
Direito de acesso aos autos dos PROCESSOS sem procuração
O Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94) prevê, em seu art. 7º,
XIII, que:
Em regra, é direito do advogado
examinar...
- em qualquer órgão do Poder
Judiciário
- em qualquer órgão do Poder
Legislativo
- ou em qualquer órgão ou entidade da Administração
Pública
- os autos de processos judiciais (cíveis/criminais)
e
- os autos de processos administrativos
- que ainda estejam em andamento
- ou que já tenham sido encerrados
- mesmo sem procuração.
Exceção: se o processo estiver sujeito
a sigilo ou segredo de justiça, o advogado somente poderá ter acesso aos autos se
possuir procuração.
Autos de flagrante e investigações
Esse direito do advogado de acesso aos autos vale também
para o flagrante, o inquérito e outras investigações de qualquer natureza?
SIM, conforme assegura o art. 7º, XIV, da Lei nº 8.906/94:
Art. 7º São direitos do advogado:
(...)
XIV - examinar, em qualquer
instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos
de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento,
ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em
meio físico ou digital; (Redação dada pela Lei nº 13.245/2016)
No caso deste inciso XIV, a situação da procuração é a
mesma:
•
Em regra: o advogado pode ter acesso aos autos dos processos e procedimentos mesmo
que não tenha procuração das partes envolvidas.
•
Exceção: será necessário que o advogado apresente procuração caso os autos
estejam sujeitos a sigilo (art. 7º, § 10, do Estatuto da OAB).
Documentos
relacionados a diligências de investigação em andamento
Algumas
vezes, pode acontecer de estarem sendo realizados determinados tipos de
diligências que, se forem reveladas ao investigado, se tornarão completamente inúteis.
Ex:
o telefone do investigado, com autorização judicial, está interceptado.
Ex2:
o Delegado está organizando uma busca e apreensão na casa do indiciado.
Se
tais informações forem transmitidas ao advogado, a eficácia das diligências
estará frustrada, considerando que o investigado, em tese, não irá falar nada
ao telefone que possa incriminá-lo e retirará de sua casa qualquer documento
que lhe seja prejudicial. Pensando nisso, o legislador autoriza que, nestas
hipóteses, a autoridade responsável pela investigação não junte aos autos os
documentos relacionados com as diligências ainda em andamento. É o que dispõe o
§ 11 do art. 7º do Estatuto da OAB, acrescentado pela Lei nº 13.245/2016:
§ 11. No caso previsto no inciso XIV, a
autoridade competente poderá delimitar o acesso do advogado aos elementos de
prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos,
quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da
finalidade das diligências.
Esse
direito do advogado de ter acesso aos autos existe também nos processos eletrônicos?
SIM. Mesmo antes da Lei nº 13.793/2019, eu penso que isso já
era permitido, considerando que não havia motivo razoável para uma
diferenciação, ou seja, para se permitir o acesso do advogado sem procuração aos
autos de processo físico e vedar no caso de processo eletrônico. A forma dos
autos é indiferente.
Esse aliás, já era o entendimento da maioria dos Tribunais
de Justiça que, em seus sistemas informatizados, permitia que o usuário, na
internet, após se cadastrar como advogado, tivesse acesso a quaisquer processos
não sigilosos, mesmo sem procuração.
O legislador, contudo, optou por deixar isso expresso. Assim,
a Lei nº 13.793/2019 incluiu o § 13 ao art. 7º do Estatuto da OAB prevendo o
seguinte:
Art. 7º (...)
§ 13. O disposto nos incisos XIII e
XIV do caput deste artigo aplica-se integralmente a processos e a procedimentos
eletrônicos, ressalvado o disposto nos §§ 10 e 11 deste artigo.
O § 10 exige procuração caso os autos estejam sujeitos a
sigilo e o § 11 prevê a possibilidade de se proibir o acesso do advogado às diligências
em curso.
Além disso, a Lei nº 13.793/2019 alterou também o
dispositivo mais “polêmico” e que era utilizado por aqueles que sustentavam não
ser possível ao advogado, sem procuração, ter acesso a processos eletrônicos.
Refiro-me ao § 6º do art. 11 da Lei nº 11.419/2006 (Lei do Processo Eletrônico)
que, de fato, era muito mal redigido. Compare a redação anterior com a atual:
Lei nº 11.419/2006
(Lei do Processo Eletrônico)
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Redação anterior
|
Redação atual (dada
pela Lei 13.793/2019)
|
Art. 11 (...)
§ 6º Os documentos digitalizados juntados em processo
eletrônico somente estarão disponíveis para acesso por meio da rede externa
para suas respectivas partes processuais e para o Ministério Público,
respeitado o disposto em lei para as situações de sigilo e de segredo de
justiça.
|
Art. 11 (...)
§ 6º Os documentos digitalizados juntados em processo
eletrônico estarão disponíveis para acesso por meio da rede externa pelas
respectivas partes processuais, pelos advogados, independentemente de
procuração nos autos, pelos membros do Ministério Público e pelos magistrados, sem prejuízo da possibilidade de
visualização nas secretarias dos órgãos julgadores, à exceção daqueles que
tramitarem em segredo de justiça.
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Cadastro e demonstração de interesse
Antes de o advogado, procurador ou membro do MP ter acesso ao
processo eletrônico, o sistema deverá exigir que ele faça um cadastro para que se
prove a condição profissional e como uma forma de controle do acesso aos dados.
Vale ressaltar que esse cadastro não está sujeito à aprovação
discricionária. Ao fazer o cadastro, o profissional comprova a sua condição de advogado,
procurador ou membro do MP e, automaticamente, já terá acesso ao processo
eletrônico, salvo se estiver em segredo de justiça.
É isso que se interpreta do § 7º do art. 11, inserido pela
Lei nº 13.793/2019:
Art. 11 (...)
§ 7º Os sistemas de informações
pertinentes a processos eletrônicos devem possibilitar que advogados,
procuradores e membros do Ministério Público cadastrados, mas não vinculados a
processo previamente identificado, acessem automaticamente todos os atos e
documentos processuais armazenados em meio eletrônico, desde que demonstrado
interesse para fins apenas de registro, salvo nos casos de processos em segredo
de justiça.
O que significa a
expressão “desde que demonstrado interesse para fins apenas de registro”?
A redação não foi muito feliz. Penso, no entanto, que o
objetivo deste trecho foi dizer que os sistemas que gerenciam os processos
eletrônicos (exs: PROJUDI, EPROC, SAJ etc.) devem permitir que advogados,
procuradores e membros do MP cadastrados acessem automaticamente os autos
eletrônicos, mesmo que não estejam vinculados àquele processo, desde que o
profissional demonstre interesse em acessá-lo (clicando no número do processo,
p. ex.), ocasião em que esse acesso ficará salvo no histórico do sistema para
fins de registro, como uma forma de segurança e controle.
Mudança no CPC
O CPC/2015 possui um artigo no qual trata sobre alguns direitos
dos advogados (art. 107).
No inciso I deste artigo, é previsto justamente o acesso aos
autos de quaisquer processos, mesmo sem procuração, repetindo, com outras
palavras, aquilo que já era assegurado pelo art. 7º, XIII, do Estatuto da OAB.
Veja o inciso I do art. 107 do CPC:
Art. 107. O advogado tem direito a:
I - examinar, em cartório de fórum e
secretaria de tribunal, mesmo sem procuração, autos de qualquer processo, independentemente da fase de
tramitação, assegurados a obtenção de cópias e o registro de anotações, salvo
na hipótese de segredo de justiça, nas quais apenas o advogado constituído terá
acesso aos autos;
A Lei nº 13.793/2019, a fim de manter a coerência no sistema
e sendo extremamente cautelosa, também inseriu o § 5º a esse artigo dizendo,
expressamente, que “qualquer processo” inclui “processos eletrônicos”. Confira
o parágrafo incluído:
Art. 107 (...)
§ 5º O disposto no inciso I do caput
deste artigo aplica-se integralmente a processos eletrônicos. (Incluído pela
Lei nº 13.793/2019)
Defensores Públicos
A Lei nº 13.793/2019 falhou ao não incluir expressamente os
Defensores Públicos no § 6º do art. 11 da Lei nº 11.419/2006.
Contudo, os Defensores Públicos, apesar de não serem advogados,
possuem as mesmas prerrogativas funcionais que os advogados, considerando que
os membros da Defensoria Pública precisam dos instrumentos necessários para
oferecer aos necessitados assistência jurídica integral e gratuita (inclusive
quanto à orientação jurídica), nos termos do art. 134 da CF/88.
Assim, mostra-se inconstitucional qualquer ato normativo ou
medida concreta que confira ao Defensor Público menos prerrogativas funcionais
que aos advogados, considerando que isso viola o dever estatal imposto pela Constituição
Federal de fornecer assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados.
Ora, a assistência jurídica não será integral se o necessitado estiver sendo
assistido por um Defensor Público que não goza das mesmas garantias que um
advogado particular.
Vale
ressaltar, como reforço, que o inciso XIV do art. 7º da LC 80/94 prevê
expressamente o direito dos Defensores Públicos de examinar autos de flagrantes,
inquéritos e processos não sendo necessário, em regra, procuração para isso:
Art. 44. São prerrogativas dos membros
da Defensoria Pública da União:
(...)
VIII – examinar, em qualquer repartição
pública, autos de flagrantes, inquéritos e processos, assegurada a obtenção de
cópias e podendo tomar apontamentos;
(...)
XI - representar a parte, em feito
administrativo ou judicial, independentemente de mandato, ressalvados os casos
para os quais a lei exija poderes especiais;
Vigência
A Lei nº 13.793/2019 entrou em vigor na data de sua
publicação (04/01/2019).
Márcio André Lopes Cavalcante
Juiz Federal. Foi Defensor Público, Promotor de Justiça e
Procurador do Estado