Olá amigos do Dizer o Direito,
Foi publicada ontem mais uma novidade legislativa.
Trata-se da Lei nº 13.796/2019, que altera a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para tratar sobre escusa de
consciência em caso de atividades escolares em dia de guarda religiosa.
NOÇÕES GERAIS SOBRE
ESCUSA DE CONSCIÊNCIA
Escusa de consciência
Escusa de consciência é o direito que a pessoa possui de se
recusar a cumprir determinada obrigação ou a praticar certo ato por ser ele
contrário às suas crenças religiosas ou à sua convicção filosófica ou política.
Trata-se de um direito fundamental assegurado pelo art. 5º,
VIII, da CF/88.
Vale ressaltar, no entanto, que a CF determina que, se o
indivíduo se recusar a cumprir a obrigação legal imposta, ele deverá, em
contrapartida, realizar uma prestação alternativa fixada em lei.
Caso se recuse a cumprir a obrigação originária e também a
alternativa, o indivíduo poderá ter seus direitos políticos suspensos, nos
termos do art. 15, IV, da CF/88:
Veja a redação do texto constitucional:
Art. 5º (...)
VIII - ninguém será privado de
direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política,
salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e
recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
Art. 15. É vedada a cassação de
direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
(...)
IV - recusa de cumprir obrigação a
todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;
A escusa de consciência é também chamada de “objeção de
consciência” ou “alegação de imperativo de consciência”.
Exemplo típico: participar de guerra
O exemplo mais comum de alegação de imperativo de
consciência é o alistamento militar.
Imagine que determinado indivíduo, por convicções filosóficas,
mostre-se contrário ao serviço militar. Neste caso, a CF/88 prevê que ele ficar
dispensado de praticar atividades essencialmente militares (ex: treino de tiro,
simulação de batalhas etc.), mas terá que cumprir o serviço alternativo. Trata-se
da redação do art. 143, § 1º da CF/88:
Art. 143. O serviço militar é
obrigatório nos termos da lei.
§ 1º Às Forças Armadas compete, na
forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após
alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o
decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se
eximirem de atividades de caráter essencialmente militar.
(...)
No caso do serviço militar obrigatório, o serviço
alternativo é disciplinado pela Lei nº 8.239/91:
Art. 3º (...)
§ 1º Ao Estado-Maior das Forças
Armadas compete, na forma da lei e em coordenação com os Ministérios Militares,
atribuir Serviço Alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem
imperativo de consciência decorrente de crença religiosa ou de convicção
filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter
essencialmente militar.
§ 2º Entende-se por Serviço
Alternativo o exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial,
filantrópico ou mesmo produtivo, em substituição às atividades de caráter
essencialmente militar.
(...)
Outro exemplo: participação como jurado
Em regra, a participação como jurado, no Tribunal do Júri, é
obrigatória (art. 436 do CPP).
É possível, no entanto, que a pessoa sorteada alegue que a
função de jurado contraria sua convicção religiosa, filosófica ou política. Em
outras palavras, ela invoca a escusa de consciência. Neste caso, ela poderá ser
dispensada do serviço do júri, mas terá o dever de prestar um serviço alternativo.
É o que determina o art. 438 do CPP:
Art. 438. A recusa ao serviço do júri
fundada em convicção religiosa, filosófica ou política importará no dever de
prestar serviço alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos,
enquanto não prestar o serviço imposto.
§ 1º Entende-se por serviço
alternativo o exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial,
filantrópico ou mesmo produtivo, no Poder Judiciário, na Defensoria Pública, no
Ministério Público ou em entidade conveniada para esses fins.
§ 2º O juiz fixará o serviço
alternativo atendendo aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
NOVO ART. 7º-A DA LDB
Lei nº 13.796/2019 garante expressamente outra hipótese de escusa de
consciência
A Lei nº 13.796/2019 acrescentou na Lei nº 9.394/96 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional) o art. 7º-A prevendo a possibilidade
de alteração das datas de provas e de aulas caso estejam marcadas em “dias de guarda
religiosa”.
Vamos detalhar o dispositivo inserido.
Em linhas gerais, o que estabelece o novo art. 7º-A:
- O aluno de instituição de ensino pública ou privada,
- de qualquer nível (ou seja, mesmo ensino superior),
- possui o direito de
- se ausentar de aula ou mesmo de prova
- caso essa aula ou prova esteja marcada em um dia no qual,
- segundo os preceitos da religião desse aluno,
- ele não puder exercer tais atividades,
- ou seja, se a atividade estiver designada para um “dia de guarda
religiosa”.
O exemplo mais comum é o da Igreja Adventista do Sétimo Dia.
Segundo a crença religiosa propugnada por esta congregação, o sábado é “dia de
guarda religiosa”, de forma que os membros da Igreja não podem estudar aos
sábados. O sábado é dedicado a orações.
Requerimento
Para ter direito de se ausentar, o aluno deverá,
previamente, fazer um requerimento motivado, ou seja, explicando as razões
pelas quais, com base na sua liberdade de consciência e de crença, ele não
poderá comparecer.
Prestação alternativa
O aluno terá direito de se ausentar. No entanto, em
compensação, terá que cumprir uma das seguintes prestações alternativas:
1) fazer a prova ou assistir à aula de reposição, em uma data
alternativa.
Obs: a Lei impõe que essa prova ou aula alternativa deverá
ser realizada no turno de estudo do aluno ou em outro horário agendado com sua
anuência expressa.
2) fazer um trabalho escrito ou outra modalidade de
atividade de pesquisa, com tema, objetivo e data de entrega definidos pela
instituição de ensino.
Três observações sobre essa prestação alternativa:
• Cabe à instituição de ensino definir qual a prestação alternativa
deverá ser cumprida pelo aluno.
• A prestação alternativa deverá observar os parâmetros
curriculares e o plano de aula do dia da ausência do aluno.
• O cumprimento da prestação alternativa substituirá a
obrigação original para todos os efeitos, regularizando o registro de
frequência do aluno.
A instituição poderá exigir alguma cobrança extra para essa atividade
alternativa? Ex: uma “taxa” de segunda chamada?
NÃO. A prestação alternativa deverá ser oferecida sem custos
para o aluno.
Colégios Militares estão excluídos desta obrigatoriedade
O disposto no art. 7º-A da LDB não se aplica ao ensino militar.
Vigência
A Lei nº 13.797/2019 entra em vigor 60 dias após a sua
publicação oficial, ou seja, no dia 05/03/2019.
Vale ressaltar, no entanto, que as instituições de ensino terão
um prazo de 2 anos, ou seja, até o dia 05/03/2021, para implementar
progressivamente as providências e adaptações necessárias para a aplicação
deste novo art. 7º-A.
Veja abaixo a íntegra do art. 7º-A da LDB, inserido pela Lei nº 13.796/2019:
Art. 7º-A Ao aluno regularmente
matriculado em instituição de ensino pública ou privada, de qualquer nível, é
assegurado, no exercício da liberdade de consciência e de crença, o direito de,
mediante prévio e motivado requerimento, ausentar-se de prova ou de aula
marcada para dia em que, segundo os preceitos de sua religião, seja vedado o
exercício de tais atividades, devendo-se-lhe atribuir, a critério da
instituição e sem custos para o aluno, uma das seguintes prestações
alternativas, nos termos do inciso VIII do caput do art. 5º da Constituição
Federal:
I - prova ou aula de reposição,
conforme o caso, a ser realizada em data alternativa, no turno de estudo do
aluno ou em outro horário agendado com sua anuência expressa;
II - trabalho escrito ou outra
modalidade de atividade de pesquisa, com tema, objetivo e data de entrega
definidos pela instituição de ensino.
§ 1º A prestação alternativa deverá
observar os parâmetros curriculares e o plano de aula do dia da ausência do
aluno.
§ 2º O cumprimento das formas de
prestação alternativa de que trata este artigo substituirá a obrigação original
para todos os efeitos, inclusive regularização do registro de frequência.
§ 3º As instituições de ensino
implementarão progressivamente, no prazo de 2 (dois) anos, as providências e
adaptações necessárias à adequação de seu funcionamento às medidas previstas
neste artigo.
§ 4º O disposto neste artigo não se
aplica ao ensino militar a que se refere o art. 83 desta Lei.
Decisão do STF em sentido contrário
O STF possui uma decisão antiga (do fim de 2009), na qual o Tribunal
negou o pedido de jovens judeus que pretendiam obrigar a União a marcar uma
data alternativa para a realização das provas do ENEM a fim de que não coincidisse
com o “Shabat”, período sagrado da religião judaica.
Vale ressaltar que o tema foi apreciado em sede de suspensão
de tutela antecipada, não tendo sido feito um debate aprofundado sobre esse
direito, de forma que não se pode dizer que se trata da “posição” do STF. Veja
trecho da ementa:
(...) 2. Pedido de restabelecimento
dos efeitos da decisão do Tribunal a quo que possibilitaria a participação de
estudantes judeus no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em data alternativa
ao Shabat.
3. Alegação de inobservância ao
direito fundamental de liberdade religiosa e ao direito à educação.
4. Medida acautelatória que configura
grave lesão à ordem jurídico-administrativa.
5. Em mero juízo de delibação, pode-se
afirmar que a designação de data alternativa para a realização dos exames não
se revela em sintonia com o princípio da isonomia, convolando-se em privilégio
para um determinado grupo religioso. (...)
STF. Plenário. STA 389 AgR, Rel. Min. Gilmar
Mendes (Presidente), julgado em 03/12/2009.