Colégios
Militares
Como
é do conhecimento de todos, existem, em diversas partes do país, colégios
mantidos e gerenciados pelo Exército Brasileiro. Tais escolas são chamadas de “Colégios
Militares”.
Vale
ressaltar que os Colégios Militares atendem não apenas os filhos ou parentes de
militares, mas também civis.
Regulamentação
dos Colégios Militares
Os
Colégios Militares são regidos por duas normas principais:
•
Lei nº 9.786/99, que dispõe sobre o Ensino no Exército Brasileiro;
•
Portaria 42, de 6/2/2008, do Comandante do Exército, que aprova o Regulamento
dos Colégios Militares.
O
aluno do Colégio Militar paga alguma coisa para estudar lá?
SIM.
Há o pagamento de mensalidades e de alguns outros valores extras. Vale
ressaltar que os “alunos carentes” que comprovarem essa condição ficam
dispensados de fazer essa retribuição financeira.
Esses pagamentos são chamados de
“contribuições”, sendo disciplinados pelos arts. 82 e 83 da Portaria 42/2008 do
Comandante do Exército:
Art. 82.
As contribuições a que estão sujeitos os alunos são as seguintes:
I - doze
quotas mensais escolares (QME) destinadas a prover despesas gerais do ensino;
II - uma
quota de implantação, no valor de cinquenta por cento da QME, destinada a
prover as diversas despesas para inserir o novo aluno, mesmo em caso de
transferência dentro do SCMB;
III -
indenização de despesas extraordinárias, realizadas pelos alunos.
(...)
§ 2º O valor da quota mensal escolar de que trata o presente artigo é
estabelecido pelo Chefe do DEP.
(...)
Art. 83. É
assegurada a dispensa de contribuição da QME, exclusivamente, aos alunos
carentes, assim considerados mediante comprovação em sindicância instaurada
pelo próprio CM, observadas as seguintes prescrições relativas a essa isenção:
I - deve
ser requerida, anualmente, pelo responsável; e
II - pode
ser concedida, em valor integral ou parcial, durante todo o ano letivo ou parte
dele.
(...)
Existe
algum fundamento legal que autorize o Comandante do Exército a editar esta
portaria prevendo a cobrança desses valores?
SIM. O Comandante do Exército utiliza como
fundamento os arts. 1º, 17 e 20 da Lei nº 9.786/99:
Art. 1º É
instituído o Sistema de Ensino do Exército, de
características próprias, com a finalidade de qualificar recursos
humanos para a ocupação de cargos e para o desempenho de funções previstas, na
paz e na guerra, em sua organização.
(...)
Art. 17.
Ao Ministro de Estado do Exército compete:
(...)
III -
especificar e implementar a estrutura do Sistema de Ensino do Exército;
(...)
VI -
regular a matrícula nos cursos e nos estabelecimentos de ensino;
(...)
Art. 20.
Os recursos financeiros para as atividades de ensino no Exército Brasileiro são
orçamentários e extra-orçamentários, sendo
estes obtidos mediante contribuições, subvenções, empréstimos,
indenizações e outros meios.
O
Exército Brasileiro entende que os Colégios Militares do Exército são
instituições militares com características
próprias (conforme prevê o art. 1º da Lei nº 9.786/99) e, por isso,
diferentes do sistema educacional brasileiro comum. Em razão disso, com amparo nos
arts. 1º e 20 da Lei nº 9.786/99, seria possível a cobrança de mensalidade dos
alunos.
ADI
O
Procurador-Geral da República não concordou com essa cobrança de valores dos
alunos dos colégios militares e ajuizou uma ADI contra os arts. 1º e 20 da Lei
nº 9.786/99 e contra os arts. 82 e 83 da Portaria 42/2008 do Comandante do
Exército.
O autor alegou que essa cobrança violaria,
dentre outros dispositivos, o art. 206, IV e o art. 208, § 1º, ambos da CF/88,
que determinam que o ensino público no Brasil seja gratuito (princípio da
gratuidade do ensino em estabelecimentos oficiais):
Art. 206. O ensino será
ministrado com base nos seguintes princípios:
IV - gratuidade do ensino
público em estabelecimentos oficiais;
Art. 208
(...)
§ 1º O
acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
Além disso, o PGR afirmou que esse
valor exigido dos alunos seria uma espécie de tributo e que não poderia ter
sido criado por meio de Portaria, tendo assim havido ofensa ao princípio da
legalidade tributária previsto no art. 150, I, da CF/88:
Art. 150.
Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir
ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
Diante
disso, o PGR pediu para o STF:
a)
dar interpretação conforme a Constituição ao art. 1º da Lei nº 9.786/99, para o
fim de entender que a expressão “de características próprias”, contida no art.
1º, não significa que os Colégios Militares estejam dispensados de cumprir as regras
aplicáveis a todo o sistema público de ensino brasileiro, incluída a gratuidade
do ensino em estabelecimentos oficiais. Em outras palavras, mesmo tendo
características próprias, deve-se interpretar que os Colégios Militares devem
ser gratuitos;
b)
dar interpretação conforme a Constituição ao art. 20 da Lei nº 9.786/99, para o
fim de considerar que é proibida a cobrança de contribuição compulsória dos
alunos matriculados nos Colégios Militares;
c)
declarar a inconstitucionalidade, por arrastamento, dos arts. 82 e 83 da
Portaria 42/2008.
O
STF concordou com os argumentos do PGR? A ação foi julgada procedente?
NÃO.
O Plenário do STF julgou improcedente a ADI proposta.
Instituições
educacionais sui generis
Os
Colégios Militares apresentam peculiaridades que fazem com que elas sejam
instituições diferentes dos estabelecimentos oficiais de ensino, por razões
éticas, fiscais, legais e institucionais.
Podem
assim ser qualificados como instituições educacionais sui generis (peculiares).
Diferenças
pedagógicas
O
ensino militar tem como pressuposto a capacitação de pessoas para o exercício
das funções institucionais das Forças Armadas da República. O objetivo final é
preparar quadros que possam servir às Forças Armadas. Isso “representa
importante discrímen pedagógico, o qual reverbera em toda estrutura
educacional”.
Diferenças
fiscais e orçamentárias
Quando
às particularidades fiscais, deve-se esclarecer que o custeio da atividade
educacional militar provém do orçamento do Ministério da Defesa e de contribuições
dos usuários do serviço público, e não das ações orçamentárias do Ministério da
Educação. Trata-se assim de um programa de ensino do Ministério da Defesa, e
não do Ministério da Educação, que continua com seus projetos de ensino geral e
gratuito.
“Essas
escolas militares não se sujeitam à gratuidade uma vez que não se encontram os
colégios militares inseridos no sistema da rede pública de ensino e não
participam daquela distribuição de recursos públicos destinados à educação.”
(Min. Ricardo Lewandowski).
Diferenças
quanto ao regime jurídico
Quanto
à legalidade, o sistema de ensino militar apresenta regime jurídico diverso dos
estabelecimentos públicos pertencentes ao sistema regular de ensino, sendo,
inclusive, regime por lei própria (Lei nº 9.786/99).
Diferenças
do ponto de vista institucional
Do
ponto de vista institucional, os Colégios Militares apresentam-se como organizações militares que funcionam como
estabelecimentos de ensino de educação básica, subordinada hierarquicamente ao
Exército brasileiro, por isso chefiadas por Coronéis do Exército e com corpo
docente formado prioritariamente por oficiais do Exército.
Não
há ofensa ao princípio da gratuidade
A
quota mensal escolar exigida nos Colégios Militares não representa ofensa à
regra constitucional de gratuidade do ensino público, uma vez que não há
violação concreta ou potencial ao núcleo de intangibilidade do direito
fundamental à educação.
Em
outras palavras, tais colégios são uma fração pequena e peculiar das
instituições de ensino existentes no país e a existência de cobrança por parte
deles não traz nenhum risco à garantia do direito fundamento à educação que
continua sendo prestada pelas instituições em geral.
“O
ensino básico obrigatório e gratuito remanesce disponível a toda a população
brasileira de forma gratuita para o estudante” (Min. Fachin).
Portaria
42/2008 é válida
A
Portaria 42/2008, que aprova o regulamento dos Colégios Militares, foi editada
à luz da própria Constituição Federal e da Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional), sendo, portanto, válida.
Valor
cobrado não é tributo; logo, não há violação ao princípio da legalidade
tributária
A
quota mensal escolar cobrada dos alunos para o custeio das atividades do
Sistema Colégio Militar do Brasil não possui natureza tributária. Não se trata
de tributo porque o ingresso no Sistema de Ensino do Exército é facultativo e
baseado em critérios meritocráticos.
Assim,
o vínculo jurídico do aluno com a instituição possui natureza contratual, de
forma que o valor pago por ele não é tributo.
Vale a pena relembrar que o conceito de
tributo, previsto no art. 3º do CTN, exige compulsoriedade e, portanto, exclui
de sua abrangência os valores pagos a título de contrato (ajuste de vontades):
Art. 3º
Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se
possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e
cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Em
suma:
Não
viola a Constituição Federal a cobrança de contribuição obrigatória dos alunos
matriculados nos Colégios Militares do Exército Brasileiro.
Os
Colégios Militares apresentam peculiaridades que fazem com que elas sejam
instituições diferentes dos estabelecimentos oficiais de ensino, por razões éticas,
fiscais, legais e institucionais.
Podem
assim ser qualificados como instituições educacionais sui generis.
A
quota mensal escolar exigida nos Colégios Militares não representa ofensa à
regra constitucional de gratuidade do ensino público, uma vez que não há
violação ao núcleo de intangibilidade do direito fundamental à educação.
Por
fim, deve-se esclarecer que esse valor cobrado dos alunos para o custeio das
atividades do Sistema Colégio Militar do Brasil não possui natureza tributária
(não é tributo). Logo, é válida a sua instituição por meio de atos infralegais.
Logo,
são válidos os arts. 82 e 83 da Portaria 42/2008 do Comandante do Exército que
disciplinam essa cobrança.
STF. Plenário. ADI 5082/DF, Rel. Min.
Edson Fachin, julgado em 24/10/2018 (Info 921).
Uma
última pergunta: existem alguns colégios militares da Polícia Militar, ou seja,
colégios estaduais mantidos e organizados pela Polícia Militar. É válida a
cobrança de mensalidade ou de outros valores por parte desses colégios?
O
STF não enfrentou este tema nesta ADI 5082/DF. Os Ministérios Públicos, em
âmbito estadual, questionam essa cobrança alegando que ela violaria o princípio
da gratuidade. Veremos como os Tribunais irão interpretar o tema agora com essa
decisão do STF. Será necessário analisar o caso concreto para saber se esses
colégios da Polícia Militar gozam das mesmas características dos Colégios
Militares, inclusive quanto à questão orçamentária.