Conselhos de Fiscalização Profissional
Os Conselhos de Fiscalização Profissional (exs: CREA, CRM, COREN,
CRO, CRC etc.) são classificados juridicamente como “autarquias federais”.
Por
serem autarquias federais, os Conselhos Profissionais têm o dever de prestar
contas ao Tribunal de Contas da União (art. 71, II, CF/88).
A OAB também é considerada uma autarquia federal?
NÃO. Em 2006, ao julgar a ADI 3026/DF, proposta contra o Estatuto
da Advocacia (Lei nº 8.904/94), o STF afirmou expressamente que a OAB:
• Não é uma entidade da Administração
indireta da União;
• Não é uma autarquia federal;
• Não pode ser tida como congênere dos
demais órgãos de fiscalização profissional, ou seja, não pode ser considerada
como um mero conselho profissional. Isso porque a OAB, além das finalidades
corporativas (relacionadas com os advogados), possui também finalidades
institucionais (ex: defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado
democrático de direito, os direitos humanos etc.).
Assim, o STF, naquele julgado, decidiu que a OAB seria um “serviço
público independente”, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas
existentes no direito brasileiro. Veja os principais trechos da ementa do
acórdão:
(...) 2.
Não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à
Administração Pública Direta e Indireta.
3. A OAB
não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço
público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas
existentes no direito brasileiro.
4. A OAB
não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido
como "autarquias especiais" para pretender-se afirmar equivocada
independência das hoje chamadas "agências".
5. Por não
consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a
controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa
não-vinculação é formal e materialmente necessária.
6. A OAB
ocupa-se de atividades atinentes aos advogados, que exercem função
constitucionalmente privilegiada, na medida em que são indispensáveis à
administração da Justiça [artigo 133 da CB/88]. É entidade cuja finalidade é
afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados. Não há ordem de
relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público.
7. A Ordem
dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência,
não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização
profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas.
Possui finalidade institucional. (...)
STF.
Plenário. ADI 3026, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 08/06/2006.
Isso foi reafirmado recentemente pelo STF:
(...) A OAB não é uma entidade da
Administração Indireta, tal como as autarquias, porquanto não se sujeita a
controle hierárquico ou ministerial da Administração Pública, nem a qualquer
das suas partes está vinculada. ADI 3.026, de relatoria do Ministro Eros Grau,
DJ 29.09.2006. (...)
STF. Plenário. RE 405267, Rel. Min.
Edson Fachin, julgado em 06/09/2018.
Em razão disso, até agora prevalecia o entendimento de que
as contas da OAB não estavam sujeitas à prestação de contas ao TCU.
Havia uma decisão do Plenário do TCU dispensando a OAB dessa
prestação de contas: Acórdão 1.765/2003-TCU-Plenário.
Argumentos da OAB
A OAB invoca três argumentos para evitar a submissão de suas
contas ao TCU:
1) existiriam duas decisões judiciais transitadas em julgado
nas quais teria sido reconhecido que a OAB não teria que se submeter ao TCU:
• RMS 797, do antigo Tribunal Federal de Recursos (TFR);
• ADI 3.026/DF, do STF.
2) a OAB não é autarquia típica, não integra a administração
pública, não se submete ao controle da administração, nem a qualquer de suas
partes está vinculada, sendo serviço essencial à justiça, o qual necessita de
autonomia e independência.
3) os recursos geridos pela OAB não têm natureza tributária.
Mudança de entendimento do TCU
Alterando o seu entendimento anterior, o TCU decidiu ontem
(07/11/2018) que as contas da OAB devem também ser analisadas e
julgadas pelo Tribunal (Processo TC 015.720/2018-7).
Principais argumentos do TCU apresentados pelo Min. Bruno Dantas:
1)
NÃO HÁ COISA JULGADA QUE IMPEÇA A REAPRECIAÇÃO DO TEMA
Decisão administrativa do TCU
Inicialmente, o TCU afirmou o seguinte: a “coisa julgada”,
protegida pelo art. 5º, XXXVI, da CF/88, é um atributo das decisões judiciais. Isso significa que a decisão administrativa do TCU no
sentido de que a OAB não está sujeita à prestação de contas pode sim ser
revista pelo próprio TCU.
Assim, é natural que o TCU revisite temas apreciados no
passado, especialmente relacionados ao limite de sua competência, a qual
depende da compreensão de cada época a respeito de categorias jurídicas.
RMS 797
O Recurso em Mandado de Segurança 797 do extinto Tribunal
Federal de Recursos, invocado pela OAB, foi julgado em 1951, na vigência da
Constituição Federal de 1946.
O principal fundamento para essa decisão do RMS 797 foi a de
que as anuidades cobradas pela OAB não tinham natureza tributária. Logo, não
sendo tributos, não haveria razão para o TCU fiscalizar tais recursos.
Ocorre que, no decorrer de todos esses anos, houve uma
profunda mudança no arcabouço jurídico que fundamentou essa decisão, especialmente
com a promulgação da Constituição de 1988.
A CF/88 ampliou sensivelmente a competência do Tribunal de
Contas da União, robusteceu os instrumentos de controle, potencializou o dever
de transparência das instituições, e definiu, com maior rigor, a natureza
tributária de determinadas receitas.
Além disso, a Constituição de 1988 definiu que as
contribuições compulsórias cobradas pelos conselhos profissionais são “contribuições
de interesse das categorias profissionais” (art. 149), ou seja, possuem
natureza jurídica de tributo.
Assim, se levarmos em conta essa mudança e cotejarmos com a ratio decidendi do RMS 767, chegaremos à
conclusão que um dos fundamentos essenciais do RMS 797 foi alterado, qual seja,
o de que as contribuições por ela colhidas dos seus inscritos não constituem
tributo.
ADI 3026/DF
A ADI 3.026/DF não tratou do dever de prestar contas da OAB
perante o TCU.
O pedido da ADI ajuizada pelo Procurador Geral da República foi
para declarar a inconstitucionalidade do trecho final do §1º do art. 79 da Lei nº
8.906/94 e, com isso, declarar que a OAB deveria sim fazer concurso público
para o provimento de seus cargos.
Esse era o objeto da ADI, que foi julgada improcedente. Ou
seja, o que o STF decidiu e fez coisa julgada foi unicamente que OAB não
precisa fazer concurso público.
Toda a fundamentação construída na citada ação foi dirigida
ao pedido. Logo, os argumentos utilizados na ADI 3.026/DF não podem ser
transportados para um outro tema absolutamente distinto, qual seja, a discussão
se a OAB deve ou não prestar contas ao TCU.
2) DA INSERÇÃO DA OAB COMO
ENTIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA
O Decreto-lei 200/1967, o qual foi recepcionado pela CF/1988, assim
define Administração Federal:
Art. 4º A Administração Federal
compreende:
I - A Administração Direta, que se
constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da
República e dos Ministérios;
II - A Administração Indireta, que
compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica
própria:
a) Autarquias;
b) Empresas Públicas;
c) Sociedades de Economia Mista.
d) fundações públicas.
Mais adiante, em seu art. 5º, I,
o DL 200/1967 conceitua autarquia:
Art. 5º Para os fins desta lei,
considera-se:
I - Autarquia - o serviço autônomo,
criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para
executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu
melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.
Para o TCU, a OAB preenche todos os requisitos descritos na
lei para se enquadrar como autarquia, ou seja, consiste em:
• serviço autônomo
• criado por lei
• com personalidade jurídica
• patrimônio e receita próprio
• para executar atividades típicas da Administração Pública,
que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e
financeira descentralizada.
A característica de serviço
autônomo, com personalidade jurídica, está expressamente descrita no art. 44 da
Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB). Confira:
Art. 44. A Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma
federativa, tem por finalidade:
(...)
O Ministro Bruno Dantas apontou
que
“(...) a OAB desempenha atividade
típica da Administração Pública. A atividade de fiscalização é, por essência,
uma atividade de Estado, pois interfere diretamente na liberdade individual. É
reflexo do poder soberano da sociedade em relação ao indivíduo que, por esse
motivo, só pode ser exercido pelo Estado, de forma direta (Administração Pública
Direta) ou indireta (Administração Pública Indireta).”
E o art. 44, § 1º do Estatuto da OAB?
O art. 44, § 1º da Lei nº 8.906/94 prevê que “a OAB não
mantém com órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou
hierárquico”.
A interpretação no sentido de que a OAB é uma autarquia não
viola esse art. 44, § 1º. Isso porque esse dispositivo legal serve apenas para
afirmar que a OAB é uma entidade autônoma e independente, não estando
subordinada a qualquer órgão da administração pública.
É só isso que o dispositivo quer dizer.
Ocorre que essa ausência de subordinação ou vínculo não
significa dizer que a OAB não está sujeita ao controle do TCU. Ela não mantém
subordinação, mas deve prestar contas.
O TCU não exerce, em hipótese alguma, nem o poder hierárquico,
nem o poder funcional, sobre seus jurisdicionados.
O que o TCU faz é apenas o controle externo da legalidade,
da legitimidade e da economicidade dos recursos públicos que qualquer pessoa
física ou jurídica receba.
Imaginar de forma diversa, seria o mesmo que dizer que
órgãos da Justiça, como o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de
Justiça, ou os órgão e entidades essenciais à Justiça, como o Ministério
Público ou a Defensoria Pública, estariam vinculados hierarquicamente ou funcionalmente
ao TCU por estarem sujeitos ao seu controle.
3) DA NATUREZA PÚBLICA DOS
RECURSOS GERIDOS PELA OAB
Os recursos geridos pela OAB são recursos públicos?
O TCU entendeu que sim.
O fundamento principal foi o art. 149 da CF/88.
Para o TCU, as anuidades cobradas pela OAB são classificadas
como contribuições de fiscalização profissional (art. 149 da CF/88).
Logo, possuem natureza de tributo.
Veja o que diz o art. 149:
Art. 149. Compete exclusivamente à
União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de
interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua
atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150,
I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às
contribuições a que alude o dispositivo.
É importante frisar que o art. 149 está inserido no Título
VI da CF, que trata “Da Tributação e do Orçamento" e sob o Capítulo I, que
estabelece normas sobre o "Sistema Tributário Nacional”.
Assim, sob a óptica da própria Constituição Federal, as
contribuições de interesse das categorias profissionais constituem tributo.
A compulsoriedade das contribuições dos advogados inscritos
na OAB reforça a natureza tributária dos recursos.
Em suma, o TCU entendeu que:
• A OAB possui natureza jurídica de autarquia.
• Os recursos que a OAB administra são recursos públicos
considerando que as anuidades são contribuições enquadradas no art. 149 da
CF/88 sendo, portanto, consideradas como tributos.
• Sendo uma autarquia que gerencia recursos públicos, a OAB se
submete à jurisdição do Tribunal de Contas do TCU e, portanto, deve ser
incluída como unidade prestadora de contas.
• Em outras palavras, a OAB tem o dever de prestar contas ao
TCU.
Processo TC 015.720/2018-7
Modulação dos efeitos
Como vimos no início, o antigo entendimento do TCU era no
sentido de que a OAB não precisa prestar contas (Acórdão
1.765/2003-TCU-Plenário).
Desse modo, houve uma mudança de posição.
Diante disso, o TCU decidiu fazer uma espécie de modulação
dos efeitos a fim de que a OAB tenha tempo para se organizar para apresentar
essa prestação de contas.
Conforme afirmou o Ministro Raimundo Carreiro:
“Como se sabe, a inserção de uma
unidade jurisdicionada na sistemática de apresentação de relatórios de gestão e
de prestações de contas adotada por este Tribunal requer diversas adaptações
organizacionais, com alocação e treinamento de pessoal, padronização de
rotinas, desenvolvimento ou adaptação de sistemas informatizados e outros
procedimentos cuja implementação – de natureza complexa – demanda esforços
operacionais e, por conseguinte, uma cota razoável de tempo.
Essa necessidade de prazo
razoável se justifica com muito mais razão quando ponderamos a complexidade da
estrutura da OAB, com unidades seccionais fincadas em todos os Estados e no
Distrito Federal, subdivididas em centenas de subseções, a disciplinar a
atuação de mais de um milhão de advogados no País.”
Assim, o TCU decidiu que o novo entendimento fixado deverá
ser implementado somente a partir de 2020. Em outras palavras, quando for em
2021, a OAB deverá fazer a prestação de contas ao TCU dos recursos que recebeu
em 2020.
Resposta da OAB
O Presidente nacional da OAB,
Claudio Lamachia, divulgou nota afirmando que “a decisão do TCU não possui
validade constitucional”. Confira a íntegra:
“A decisão administrativa do
Tribunal de Contas da União não se sobrepõe ao julgamento do Supremo Tribunal
Federal. Na ADI 3026/DF, o plenário do STF afirmou que a Ordem dos Advogados do
Brasil não integra a administração pública nem se sujeita ao controle dela, não
estando, portanto, obrigada a ser submetida ao TCU.
A OAB concorda com a posição do
Ministério Público junto ao TCU, para quem uma eventual decisão do órgão de
contas no sentido de rever a matéria significa o descumprimento do julgado do
STF.
A OAB, que não é órgão público,
já investe recursos próprios em auditoria, controle e fiscalização, sendo
juridicamente incompatível gastar recursos públicos, hoje tão escassos, para
essa finalidade. A decisão do TCU não
cassa decisão do STF, logo não possui validade constitucional.”
Isso significa que certamente a OAB irá questionar a decisão
do TCU no STF.
Prognóstico no STF
É difícil fazer um prognóstico de como o STF irá decidir o
tema. No entanto, uma análise é certa: o STF não considera a OAB como sendo uma
autarquia. Para o STF, a OAB não integra a Administração Pública. Isso é
praticamente pacífico no Tribunal e foi agora recentemente reafirmado:
(...) A OAB não é uma entidade da
Administração Indireta, tal como as autarquias, porquanto não se sujeita a
controle hierárquico ou ministerial da Administração Pública, nem a qualquer
das suas partes está vinculada. ADI 3.026, de relatoria do Ministro Eros Grau,
DJ 29.09.2006. (...)
STF. Plenário. RE 405267, Rel. Min.
Edson Fachin, julgado em 06/09/2018.
Desse modo, entendo ser improvável que o STF mude de posição
quanto à natureza jurídica da OAB.
Por outro lado, o STF poderá validar o entendimento do TCU
com base em outro fundamento: a natureza pública dos recursos geridos pela OAB.
Esse é um argumento, a meu sentir, que pode ser acolhido pelo Supremo.
Assim, o STF poderá, em tese,
afirmar o seguinte: a OAB não é uma autarquia, não integra a Administração
Pública, no entanto, a despeito disso, deverá prestar contas ao TCU em virtude
de arrecadar, gerenciar e utilizar recursos públicos (anuidades), nos termos do
art. 70, parágrafo único da CF/88:
Art. 70 (...)
Parágrafo único. Prestará contas
qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade,
guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos
quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza
pecuniária.
É impossível, contudo, como já dito, fazer previsões
concretas. Será necessário aguardar o pronunciamento definitivo do STF.
Atenção. Esse acórdão do TCU foi suspenso, liminarmente, por uma decisão monocrática da Min. Rosa Weber em mandado de segurança impetrado pela OAB
(...) Diante do exposto, defiro a liminar pleiteada para suspender a eficácia do Acórdão nº 2573/2018, proferido no âmbito do Processo Administrativo 015.720/2018-7, de modo a desobrigar a OAB a prestar contas e a se submeter à fiscalização do TCU até julgamento final do presente writ, ou deliberação posterior em sentido contrário.
STF. Decisão monocrática. MS 36376 MC, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 07/06/2019.