Em
que consiste o dólar-cabo?
Existe
muita gente que possui dinheiro de origem ilícita e, como uma forma de proteger
estas quantias ou de gastar “tranquilamente” este numerário, decide mandar tais
valores para fora do país.
Ocorre
que, como são quantias obtidas ilegalmente, a pessoa não poderá mandar este
dinheiro por meio das instituições autorizadas pelo Banco Central, já que
ficaria provado que ela possui mais recursos do que declarou ao imposto de
renda.
Tais
pessoas procuram, então, formas de remeter os recursos para o exterior por
meios não oficiais.
Um
desses meios é chamado de “dólar-cabo”. Existem algumas variações, porém o tipo
mais comum de dólar-cabo consiste no seguinte: o corrupto procura um doleiro no
Brasil e entrega a este determinada quantia em moeda nacional (ex: pouco mais
de 3 milhões de reais) pedindo que este envie para outro país (ex: Miami/EUA).
O doleiro entra em contato com um parceiro seu no exterior (outro “doleiro”) e
este abre uma conta ou uma empresa em nome do corrupto ou de um “laranja” e lá
deposita o equivalente em dólar (ex: 1 milhão de dólares). Vale ressaltar que
estes doleiros não estavam autorizados a fazer esta transação e nem a
comunicaram ao Banco Central.
Mendroni, com muito mais elegância,
explica o tema nos seguintes termos:
“Exemplificando: A, residente no
Brasil, quer depositar o equivalente a US$ 100 mil em sua conta em um banco em
Nova York. Contacta o doleiro brasileiro, que aciona o intermediador residente
nos EUA. Este providencia o depósito dos US$ 100 mil, de lá mesmo dos EUA, na
conta de A. Em compensação, aquele intermediador norte-americano conhece um
residente nos EUA que quer depositar os mesmos US$ 100 mil (convertidos em
reais) no Brasil. Então o doleiro brasileiro providencia o depósito do valor,
em reais, equivalente aos US$ 100 mil depositados em Nova York, na conta
designada pelo intermediador norte-americano. O dinheiro não viajou. Não houve
transferência do dinheiro Brasil aos EUA e nem dos EUA para o Brasil, operou um
sistema de compensações, onde os depósitos ocorreram dentro dos EUA e dentro do
Brasil, pelos valores equivalentes, conforme as orientações dos clientes.
Trata-se de sistema que impossibilita ou dificulta o rastreamento dos
depósitos, pela própria razão da inexistência de transferências por parte do
interessado.” (MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime
de Lavagem de Dinheiro. 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2015, p. 207).
Em
suma, dólar-cabo consiste na prática de negociar dólar no mercado paralelo para
depósito em instituição no exterior (www.bcb.gov.br/glossario).
Se
a pessoa fosse fazer a remessa de forma correta, deveria procurar uma
instituição autorizada e o envio das quantias seria realizado mediante
transferência bancária.
A
prática de dólar-cabo é crime?
SIM. A prática de dólar-cabo configura
o crime de evasão de dividas, previsto no art. 22, parágrafo único, 1ª parte,
da Lei nº 7.492/86 (Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro):
Art. 22.
Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de
divisas do País:
Pena -
Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Parágrafo
único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título,
promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior,
ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.
E
o dólar-cabo invertido? Em que consiste o “dólar-cabo invertido”?
Como
o próprio nome sugere, trata-se da operação que faz o caminho inverso do dólar-cabo
tradicional.
Assim,
o “dólar-cabo invertido” (também chamado de “dólar-cabo inverso”) consiste em
efetuar operação de câmbio não autorizada com o fim de promover a internalização
de capital estrangeiro.
Nas palavras do Min. Gilmar Mendes:
“O dólar-cabo se caracteriza por uma
operação de câmbio informal, na qual a parte entrega valores ao ‘doleiro’ no
Brasil e recebe o correspondente em outro país. No dólar-cabo invertido, a
parte entrega valores ao doleiro no exterior e recebe reais no Brasil.” (STF.
2ª Turma. HC 157.604/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4/9/2018).
Funciona,
em regra, assim: o indivíduo possui dinheiro ilícito no exterior. Ele deseja
trazer essa quantia para o Brasil a fim de gastar aqui. No entanto, como o
dinheiro tem origem ilícita, ele não pode fazer essa movimentação pelos canais
oficiais. Diante disso, ele aciona um doleiro no exterior e fala o seguinte: eu
tenho 1 milhão de dólares aí e quero enviar para o Brasil. O doleiro recebe a
quantia lá e aciona seu parceiro de negócios no Brasil dizendo o seguinte: recebi
aqui 1 milhão de dólares do indivíduo “X”. Você pode entregar para ele aí no
Brasil o equivalente a esse dinheiro em reais (ex: pouco mais de 3 poucos
milhões de reais). É como se os doleiros funcionassem como um “sistema
bancário” paralelo (não oficial).
Em
geral, o dólar-cabo invertido é utilizado para trazer de volta ao Brasil uma
quantia que foi mandada para o exterior por meio do dólar-cabo “tradicional”.
No
caso concreto apreciado, havia dinheiro da organização criminosa no Paraguai e
no Uruguai. Antônio (doleiro) recebia esse dinheiro em dólares no exterior e determinava
que seu comparsa, em Porto Alegre, entregasse o equivalente em reais para os
membros da organização criminosa no Brasil.
As
operações totalizaram aproximadamente 5 milhões de dólares, de 2011 a 2014.
Vimos
acima que o dólar-cabo “tradicional” configura o crime do art. 22 da Lei nº
7.492/86. E o dólar-cabo invertido? É possível enquadrar estar conduta no mesmo
tipo penal?
NÃO. A conduta não se amolda a esse tipo
penal. Veja o que disse o Min. Gilmar Mendes:
“A operação de dólar-cabo invertido,
que consistiria em efetuar operação de câmbio não autorizada com o fim de
promover a internalização de capital estrangeiro, não se enquadra na evasão de
divisas, na forma do caput do art. 22.
Além disso, não há que se cogitar de
seu enquadramento no tipo do parágrafo único do art. 22, uma vez que não
podemos presumir que a internalização decorra de valores depositados no
exterior e não declarados à autoridade financeira no Brasil.
Ainda, cabe lembrar que, o crime de
“manter depósitos não declarados” no exterior só se perfectibiliza se o
dinheiro estivesse depositado no exterior na virada do ano e não fosse
declarado ao Banco Central no ano seguinte, e nada disso consta do decreto de
prisão.” (STF. 2ª Turma. HC 157.604/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em
4/9/2018)
Vale
ressaltar, no entanto, que, a depender do caso concreto, esta conduta pode
configurar lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98).