Dizer o Direito

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Não é possível, atualmente, o homeschooling no Brasil



                                                                        
O que é “homeschooling”?
O homeschooling consiste na prática por meio da qual os pais ou responsáveis pela criança ou adolescente assumem a obrigação pela sua escolarização formal e deixam de delegá-la às instituições oficiais de ensino.
Assim, em vez de a criança ou do adolescente estudar em uma escola, estudará em sua própria casa, sendo os ensinamentos ministrados pelos pais ou por pessoas por eles escolhidas.

Sinônimos
O homeschooling é uma palavra de origem inglesa e a sua tradução seria algo como “educação em casa”, “ensino doméstico” ou “ensino domiciliar”.
No entanto, se aprofundarmos mais o estudo sobre o tema, veremos que o homeschooling é uma das espécies de ensino domiciliar.

“Homeschooling” no mundo
O homeschooling é permitido em vários países do mundo, como, por exemplo, nos Estados Unidos, Canadá, Portugal, França, Itália, Bélgica, Áustria, Noruega, Austrália, Nova Zelândia, Rússia.
Em geral, tais países exigem que o aluno que está em homeschooling faça uma prova anual para avaliação de seu nível escolar.
Por outro lado, o ensino domiciliar é expressamente proibido em países como a Alemanha e a Suécia.

Por que alguns pais preferem o “homeschooling”?
Existem vários motivos pelos quais os pais ou responsáveis optam pelo ensino domiciliar. Podemos listar alguns mais comuns:
• medo de que os filhos se envolvam com alguns “riscos” do ambiente escolar, tais como violência, exposição a drogas, bullying etc;
• os pais possuem rígidos valores religiosos, morais ou ideológicos e entendem que não há escolas disponíveis que possam transmitir esses mesmos valores para seus filhos;
• os pais entendem que os métodos de ensino formais são ultrapassados ou inadequados;
• os pais desejam que seus filhos aprendam em um ritmo mais rápido do que aquele oferecido com a grade escolar tradicional;
• os pais se mudam constantemente e desejam ter uma maior flexibilidade, evitando mudanças constantes de colégios.

Polêmica
O homeschooling gera intensos debates.
Seus defensores sustentam que o Estado não deve se imiscuir na decisão de como os pais irão educar seus filhos. Em outras palavras, a forma como os filhos serão educados deve ser uma decisão dos pais, não havendo motivo para ingerência estatal.
Os partidários do homeschooling invocam dois importantes documentos internacionais como fundamento normativo para esta prática:
Declaração Universal dos Direitos Humanos
Artigo 26°
(...)
3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos

Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“Pacto de São José da Costa Rica”)
Artigo 12.  Liberdade de consciência e de religião
(...)
4. Os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja acorde com suas próprias convicções.

Por outro lado, aqueles que criticam o modelo afirmam que o homeschooling pode trazer danos psicológicos às crianças e adolescentes, especialmente em virtude da falta de socialização com outras pessoas da mesma idade.

Espécies de ensino domiciliar
Frequentemente, a palavra homeschooling é utilizada como sendo sinônima de ensino domiciliar. No entanto, o Min. Alexandre de Moraes, no julgamento do RE 888815/RS, afirma que existem quatro espécies principais de ensino domiciliar:
a) a desescolarização radical;
b) a desescolarização moderada;
c) o ensino domiciliar puro;
d) o homeschooling (ensino domiciliar utilitarista ou por conveniência circunstancial).

Assim, o homeschooling não se confunde com a desescolarização (chamada de unschooling).
No homeschooling a criança ou adolescente aprende na sua casa as matérias que os demais estudam na escola. Isso é feito por causa de um dos objetivos acima explicados ou por uma conveniência circunstancial dos pais ou do aluno.
Por outro lado, o unschooling, também chamado de “desescolarização”, é a escolha feita pelos pais no sentido de que o filho não deve receber qualquer tipo de escolarização a fim de permitir que ele decida, no futuro, o próprio destino.
Conforme explica Manoel Morais de O. Neto Alexandre:
“Não devemos confundir o objeto do presente estudo com o fenômeno do unschooling, que nega a instituição escolar e coloca a própria criança como agente diretivo do aprendizado, escolhendo o que estudar, quando estudar e até mesmo se quer estudar. O homeschooling, por sua vez, não nega os currículos escolares e, na sua vertente majoritária, deseja que as crianças e adolescentes possam receber educação em casa, mas em parceria com as instituições do Estado, tanto na autorização do processo, quanto na avaliação do aprendizado.” (Disponível em http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/estudos-e-notas-tecnicas/publicacoes-da-consultoria-legislativa/areas-da-conle/tema11/2016-14308_quem-tem-medo-de-homeschooling_manoel-morais)

O ensino domiciliar é permitido no Brasil?
Atualmente, não.

Mas a CF/88 proíbe o ensino domiciliar?
O Ministro Alexandre de Moraes explicou que a CF/88 veda três das quatro espécies mais conhecidas do ensino domiciliar: a desescolarização radical, a moderada e o ensino domiciliar puro. Isso porque elas afastam completamente o Estado do seu dever de participar da educação.
De outra banda, a CF/88 não proíbe o homeschooling, ou seja, o ensino domiciliar utilitarista ou por conveniência circunstancial. Essa modalidade pode ser estabelecida pelo Congresso Nacional.

CF/88 não proíbe, de forma absoluta, o “homeschooling”
Não existe, na CF/88, uma vedação absoluta ao ensino domiciliar.
A CF/88, apesar de não prever expressamente, não proíbe o ensino domiciliar.
Ao se analisar os dispositivos da Constituição Federal que tratam sobre a família, criança, adolescente e jovem (arts. 226, 227 e 229) em conjunto com os que cuidam da educação (arts. 205, 206 e 208) não se encontra uma proibição dessa forma de educação.

Mas, então, por que o “homeschooling” atualmente não é permitido?
Porque falta a edição de uma lei que o regulamente.
O STF decidiu que o ensino domiciliar somente pode ser implementado no Brasil após uma regulamentação por meio de lei na qual sejam previstos mecanismos de avaliação e fiscalização, devendo essa lei respeitar os mandamentos constitucionais, especialmente o art. 208, § 3º, da CF/88:
Art. 208 (...)
§ 3º Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola.

Nesse sentido, é necessário que a lei que venha a regulamentar o ensino domiciliar prescreva, dentre outros pontos, o que será essa “frequência”.
Desse modo, para o STF, o homeschooling (o ensino domiciliar utilitarista ou por conveniência circunstancial), atualmente, não é permitido por falta de regulamentação legal. No entanto, como a CF/88 não o proíbe, é possível que o Congresso Nacional edite uma lei disciplinando o tema, respeitados os dispositivos constitucionais relacionados com a educação.

Requisitos exigidos pela CF/88 para o ensino
A Constituição estabelece princípios, preceitos e regras aplicáveis ao ensino. Isso vale para o Estado e para a família.
Assim, independentemente do ensino a ser trilhado, a CF/88 exige alguns requisitos inafastáveis:
a) a necessidade de ensino básico obrigatório entre quatro e dezessete anos (art. 208, I);
b) a existência de núcleo mínimo curricular (art. 210);
c) a observância de convivência familiar e comunitária (art. 227);

Em suma, o STF decidiu que:
Não é possível, atualmente, o ensino domiciliar (homeschooling) como meio lícito de cumprimento, pela família, do dever de prover educação.
Não há, na CF/88, uma vedação absoluta ao ensino domiciliar. A CF/88, apesar de não o prever expressamente, não proíbe o ensino domiciliar.
No entanto, o ensino domiciliar não pode ser atualmente exercido porque não há legislação que regulamente os preceitos e as regras aplicáveis a essa modalidade de ensino.
Assim, o ensino domiciliar somente pode ser implementado no Brasil após uma regulamentação por meio de lei na qual sejam previstos mecanismos de avaliação e fiscalização, devendo essa lei respeitar os mandamentos constitucionais que tratam sobre educação.
STF. Plenário. RE 888815/RS, rel. orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 12/9/2018 (repercussão geral) (Info 915).

E se, atualmente, os pais adotarem o “homeschooling”, o que pode acontecer?
Tais pais ou responsáveis poderão ser responsabilizados civil e até mesmo criminalmente. Isso porque o ordenamento jurídico, atualmente, obriga que os pais matriculem seus filhos menores nas escolas de educação formal. Veja:
Código Civil
Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:
I – dirigir-lhes a criação e a educação;

Lei nº 8.096/90 (ECA)
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
(...)
Art. 55. Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino.
(...)
Art. 56. Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de:
II - reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares;
(...)
Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:
V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar;
(...)
Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar:
Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação)
Art. 6º É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4 (quatro) anos de idade.

Como o homeschooling atualmente não é permitido, há quem defenda que os pais que o praticam cometem o crime de abandono intelectual, tipificado no art. 246 do Código Penal:
Abandono intelectual
Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.

Para Damásio de Jesus, não há crime: Educação domiciliar constitui crime? Jornal Carta Forense, 1º abr. 2010. Por outro lado, Cleber Masson entende que o homeschooling, enquanto não houver disciplina legal sobre o assunto, configura o delito do art. 246 do CP (Direito Penal. São Paulo: Método, 2018, p. 215).


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