O que é “homeschooling”?
O homeschooling consiste na prática por meio da qual os pais ou
responsáveis pela criança ou adolescente assumem a obrigação pela sua escolarização
formal e deixam de delegá-la às instituições oficiais de ensino.
Assim, em vez de a criança ou do adolescente
estudar em uma escola, estudará em sua própria casa, sendo os ensinamentos
ministrados pelos pais ou por pessoas por eles escolhidas.
Sinônimos
O homeschooling é uma palavra de origem inglesa e a sua tradução
seria algo como “educação em casa”, “ensino doméstico” ou “ensino domiciliar”.
No entanto, se aprofundarmos mais
o estudo sobre o tema, veremos que o homeschooling
é uma das espécies de ensino domiciliar.
“Homeschooling” no mundo
O homeschooling é permitido em vários países do mundo, como, por
exemplo, nos Estados Unidos, Canadá, Portugal, França, Itália, Bélgica, Áustria, Noruega,
Austrália, Nova Zelândia, Rússia.
Em geral, tais países exigem que
o aluno que está em homeschooling
faça uma prova anual para avaliação de seu nível escolar.
Por outro lado, o ensino
domiciliar é expressamente proibido em países como a Alemanha e a Suécia.
Por que alguns pais preferem o “homeschooling”?
Existem vários motivos pelos
quais os pais ou responsáveis optam pelo ensino domiciliar. Podemos listar
alguns mais comuns:
• medo de que os filhos se
envolvam com alguns “riscos” do ambiente escolar, tais como violência,
exposição a drogas, bullying etc;
• os pais possuem rígidos valores
religiosos, morais ou ideológicos e entendem que não há escolas disponíveis que
possam transmitir esses mesmos valores para seus filhos;
• os pais entendem que os métodos
de ensino formais são ultrapassados ou inadequados;
• os pais desejam que seus filhos
aprendam em um ritmo mais rápido do que aquele oferecido com a grade escolar
tradicional;
• os pais se mudam constantemente
e desejam ter uma maior flexibilidade, evitando mudanças constantes de colégios.
Polêmica
O homeschooling gera intensos debates.
Seus defensores sustentam que o
Estado não deve se imiscuir na decisão de como os pais irão educar seus filhos.
Em outras palavras, a forma como os filhos serão educados deve ser uma decisão
dos pais, não havendo motivo para ingerência estatal.
Os partidários do homeschooling
invocam dois importantes documentos internacionais como fundamento normativo
para esta prática:
Declaração Universal dos Direitos
Humanos
Artigo 26°
(...)
3. Aos pais pertence a prioridade do
direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos
Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (“Pacto de São José da Costa Rica”)
Artigo 12. Liberdade de consciência e de religião
(...)
4. Os pais, e quando for o caso os
tutores, têm direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa
e moral que esteja acorde com suas próprias convicções.
Por outro lado, aqueles que
criticam o modelo afirmam que o homeschooling
pode trazer danos psicológicos às crianças e adolescentes, especialmente em
virtude da falta de socialização com outras pessoas da mesma idade.
Espécies de ensino domiciliar
Frequentemente, a palavra
homeschooling é utilizada como sendo sinônima de ensino domiciliar. No entanto,
o Min. Alexandre de Moraes, no julgamento do RE 888815/RS, afirma que existem
quatro espécies principais de ensino domiciliar:
a) a desescolarização radical;
b) a desescolarização moderada;
c) o ensino domiciliar puro;
d) o homeschooling (ensino domiciliar utilitarista ou por conveniência
circunstancial).
Assim, o homeschooling não se confunde com a desescolarização (chamada de unschooling).
No homeschooling a criança ou adolescente aprende na sua casa as
matérias que os demais estudam na escola. Isso é feito por causa de um dos
objetivos acima explicados ou por uma conveniência circunstancial dos pais ou
do aluno.
Por outro lado, o unschooling, também chamado de “desescolarização”,
é a escolha feita pelos pais no sentido de que o filho não deve receber
qualquer tipo de escolarização a fim de permitir que ele decida, no futuro, o
próprio destino.
Conforme
explica Manoel Morais de O. Neto Alexandre:
“Não devemos
confundir o objeto do presente estudo com o fenômeno do unschooling, que nega a instituição escolar e coloca a própria
criança como agente diretivo do aprendizado, escolhendo o que estudar, quando
estudar e até mesmo se quer estudar. O homeschooling,
por sua vez, não nega os currículos escolares e, na sua vertente majoritária,
deseja que as crianças e adolescentes possam receber educação em casa, mas em
parceria com as instituições do Estado, tanto na autorização do processo,
quanto na avaliação do aprendizado.” (Disponível em http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/estudos-e-notas-tecnicas/publicacoes-da-consultoria-legislativa/areas-da-conle/tema11/2016-14308_quem-tem-medo-de-homeschooling_manoel-morais)
O ensino domiciliar é permitido
no Brasil?
Atualmente, não.
Mas a CF/88 proíbe o ensino
domiciliar?
O Ministro Alexandre de Moraes
explicou que a CF/88 veda três das quatro espécies mais conhecidas do ensino
domiciliar: a desescolarização radical, a moderada e o ensino domiciliar puro.
Isso porque elas afastam completamente o Estado do seu dever de participar da
educação.
De outra banda, a CF/88 não
proíbe o homeschooling, ou seja, o
ensino domiciliar utilitarista ou por conveniência circunstancial. Essa
modalidade pode ser estabelecida pelo Congresso Nacional.
CF/88 não proíbe, de forma
absoluta, o “homeschooling”
Não existe, na CF/88, uma vedação
absoluta ao ensino domiciliar.
A CF/88, apesar de não prever
expressamente, não proíbe o ensino domiciliar.
Ao se analisar os dispositivos da
Constituição Federal que tratam sobre a família, criança, adolescente e jovem
(arts. 226, 227 e 229) em conjunto com os que cuidam da educação (arts. 205,
206 e 208) não se encontra uma proibição dessa forma de educação.
Mas, então, por que o
“homeschooling” atualmente não é permitido?
Porque falta a edição de uma lei
que o regulamente.
O STF decidiu
que o ensino domiciliar somente pode ser implementado no Brasil após uma regulamentação
por meio de lei na qual sejam previstos mecanismos de avaliação e fiscalização,
devendo essa lei respeitar os mandamentos constitucionais, especialmente o art.
208, § 3º, da CF/88:
Art. 208 (...)
§ 3º Compete ao Poder Público recensear
os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos
pais ou responsáveis, pela frequência à escola.
Nesse sentido, é necessário que a
lei que venha a regulamentar o ensino domiciliar prescreva, dentre outros
pontos, o que será essa “frequência”.
Desse modo, para o STF, o homeschooling (o ensino domiciliar
utilitarista ou por conveniência circunstancial), atualmente, não é permitido por
falta de regulamentação legal. No entanto, como a CF/88 não o proíbe, é
possível que o Congresso Nacional edite uma lei disciplinando o tema, respeitados
os dispositivos constitucionais relacionados com a educação.
Requisitos exigidos pela CF/88
para o ensino
A Constituição estabelece
princípios, preceitos e regras aplicáveis ao ensino. Isso vale para o Estado e
para a família.
Assim, independentemente do
ensino a ser trilhado, a CF/88 exige alguns requisitos inafastáveis:
a) a necessidade de ensino básico
obrigatório entre quatro e dezessete anos (art. 208, I);
b) a existência de núcleo mínimo
curricular (art. 210);
c) a observância de convivência
familiar e comunitária (art. 227);
Em suma, o STF decidiu que:
Não
é possível, atualmente, o ensino domiciliar (homeschooling) como meio lícito de cumprimento, pela família, do
dever de prover educação.
Não
há, na CF/88, uma vedação absoluta ao ensino domiciliar. A CF/88, apesar de não
o prever expressamente, não proíbe o ensino domiciliar.
No
entanto, o ensino domiciliar não pode ser atualmente exercido porque não há legislação
que regulamente os preceitos e as regras aplicáveis a essa modalidade de
ensino.
Assim,
o ensino domiciliar somente pode ser implementado no Brasil após uma
regulamentação por meio de lei na qual sejam previstos mecanismos de avaliação
e fiscalização, devendo essa lei respeitar os mandamentos constitucionais que
tratam sobre educação.
STF. Plenário. RE 888815/RS, rel.
orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado
em 12/9/2018 (repercussão geral) (Info 915).
E se, atualmente, os pais
adotarem o “homeschooling”, o que pode acontecer?
Tais pais ou
responsáveis poderão ser responsabilizados civil e até mesmo criminalmente.
Isso porque o ordenamento jurídico, atualmente, obriga que os pais matriculem
seus filhos menores nas escolas de educação formal. Veja:
Código Civil
Art. 1.634. Compete a ambos os pais,
qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar,
que consiste em, quanto aos filhos:
I – dirigir-lhes a criação e a educação;
Lei nº 8.096/90 (ECA)
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de
sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no
interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações
judiciais.
(...)
Art. 55. Os pais ou responsável têm a
obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino.
(...)
Art. 56. Os dirigentes de
estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos
de:
II - reiteração de faltas
injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares;
(...)
Art. 129. São medidas aplicáveis aos
pais ou responsável:
V - obrigação de matricular o filho ou
pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar;
(...)
Art. 249. Descumprir, dolosa ou
culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou
guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar:
Pena - multa de três a vinte salários
de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e
Bases da Educação)
Art. 6º É dever dos pais ou
responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4
(quatro) anos de idade.
Como o homeschooling atualmente não é permitido,
há quem defenda que os pais que o praticam cometem o crime de abandono
intelectual, tipificado no art. 246 do Código Penal:
Abandono intelectual
Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de
prover à instrução primária de filho em idade escolar:
Pena - detenção, de quinze dias a um
mês, ou multa.
Para Damásio de Jesus, não há
crime: Educação domiciliar constitui crime? Jornal
Carta Forense, 1º abr. 2010. Por outro lado, Cleber Masson entende que o homeschooling, enquanto não houver
disciplina legal sobre o assunto, configura o delito do art. 246 do CP (Direito Penal. São Paulo: Método, 2018,
p. 215).