Prática de vistoriar as
mercadorias adquiridas pelos consumidores na saída do estabelecimento
Existem alguns supermercados,
normalmente atacadistas, que colocam um funcionário na porta de saída da loja e
que fica responsável por conferir as mercadorias que a pessoa está levando em
comparação com a nota fiscal. O Makro, por exemplo, faz isso. Nos EUA, a rede Costco
também adota esse procedimento.
Assim, após o cliente pagar as
suas compras no caixa, ele ainda tem que apresentar a nota fiscal na saída do
estabelecimento e o funcionário confere se os itens que estão no carrinho de compra
constam na nota.
Posição de alguns Ministérios
Públicos
Normalmente, o procedimento acima
descrito é rápido e não gera nenhum constrangimento ao consumidor, sendo uma
mera conferência.
Apesar disso, existem algumas
ações civis públicas propostas pelo Ministério Público questionando a conduta.
Alegam que se trata de ação intimidatória e desproporcional porque o
comerciante detém meios menos gravosos para exercer vigilância, como é o caso
da instalação de alarmes e câmeras, além da presença de fiscais no interior das
lojas.
Esse entendimento é acolhido pelo
STJ?
Em regra, NÃO. A realização de
vistoria em mercadorias adquiridas pelo consumidor na saída do estabelecimento comercial,
por si só, realizada de forma indistinta e desprovida de caráter acusatório,
não configura conduta abusiva. Nesse sentido:
A prática da conferência indistinta de
mercadorias pelos estabelecimentos comerciais, após a consumação da venda, é em
princípio lícito e tem como base o exercício do direito de vigilância e
proteção ao patrimônio, razão pela qual não constitui, por si só, prática
abusiva.
Se a revista dos bens adquiridos é
realizada em observância aos limites da urbanidade e civilidade, constitui mero
desconforto, a que atualmente a grande maioria dos consumidores se submete, em
nome da segurança.
STJ. 3ª Turma. REsp 1120113/SP, Rel.
Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/02/2011.
Mais recentemente: STJ. 4ª Turma.
AgInt no REsp 1660314/GO, Rel.
Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 07/11/2017.
Lei municipal
Alguns Municípios decidiram, no
entanto, proibir essa prática.
Foi o caso, por exemplo, da
cidade de Campina Grande (PB), que editou uma lei municipal (Lei 4.845/2009)
proibindo a conferência de mercadorias realizada na saída de estabelecimentos
comerciais localizados na cidade.
A Lei prevê que, após o cliente
efetuar o pagamento nas caixas registradoras da empresa instaladas, não é
possível nova conferência na saída. O estabelecimento poderá receber sanções
administrativas em caso de descumprimento da medida.
A constitucionalidade dessa lei
foi questionada sob o argumento de que teria havido invasão de competência da
União. O que decidiu o STF? Essa lei é inconstitucional?
NÃO. O STF decidiu que essa lei é
constitucional.
Competência dos Municípios para
legislar sobre assuntos de interesse local
Compete ao
município legislar sobre assuntos de interesse local, nos termos do art. 30, I,
da CF/88:
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de
interesse local;
Assim, os Municípios podem
legislar sobre proteção ao consumidor, desde que fiquem restritos ao interesse
local. Nesse sentido:
Lei do Município de Campos do Jordão fixou
tempo máximo de espera para atendimento em caixas de supermercado.
A jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal vem reiteradamente afirmando a competência dos municípios para legislar
sobre matéria consumerista quando sobreleva o interesse local, como ocorre no
caso dos autos, em que a necessidade de um melhor atendimento aos consumidores
nos supermercados e hipermercados é aferível em cada localidade, a partir da
observação da realidade local.
STF. 2ª Turma. RE 818550 AgR, Rel.
Min. Dias Toffoli, julgado em 06/10/2017.
Compete ao município legislar sobre
medidas que propiciem segurança, conforto e rapidez aos usuários de serviços
bancários, uma vez que tratam de assuntos de interesse local.
STF. 2ª Turma. ARE 747757 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
julgado em 24/06/2014.
Os Municípios detêm competência para
legislar determinando a instalação de sanitários nas agências bancárias, uma
vez que essa questão é de interesse local e diz respeito às normas de proteção
das relações de consumo, posto que visa o maior conforto dos usuários daquele
serviço, não se confundindo com a atividade-fim das instituições bancárias.
STF. 1ª Turma. RE 266536 AgR, Rel.
Min. Dias Toffoli, julgado em 17/04/2012.
Súmula Vinculante 38-STF: É competente o município para fixar o
horário de funcionamento de estabelecimento comercial.
Súmula 19-STJ: A fixação do horário bancário, para atendimento
ao público, é da competência da União.
Proteção das relações de consumo
A lei atacada está dentro da
competência legislativa municipal, porque diz respeito à proteção das relações
de consumo dos seus munícipes. Ela tem por objetivo evitar o constrangimento
dos particulares e de lhes proporcionar maior conforto, haja vista que impede a
dupla conferência das mercadorias e evita o enfrentamento de várias filas.
Municípios podem legislar sobre
direito do consumidor, desde que em assuntos de interesse local
Os Municípios detêm competência
para legislar sobre assuntos de interesse local, ainda que, de modo reflexo,
tratem de direito comercial ou do consumidor.
Ao se analisar leis municipais
que tratem sobre assuntos de interesse local, o STF tem procurado conferir uma
interpretação constitucional que seja mais favorável à autonomia legislativa
dos municípios, haja vista ter sido essa a intenção do constituinte ao
elevá-los ao status de entes federativos na CF/88.
Essa autonomia revela-se
primordialmente quando o município exerce, de forma plena, sua competência
legislativa em matéria de interesse da municipalidade, como previsto no art.
30, I, da CF/88.
Em outras palavras, uma das
expressões da autonomia municipal é justamente a sua competência para legislar
sobre assuntos de interesse local.
Por isso, toda interpretação que
limite ou mesmo vede a atuação legislativa do Município deve considerar a
primazia do interesse da matéria regulada, de modo a preservar a essencial
autonomia desse ente político no sistema federativo pátrio.
Não houve violação ao art. 22, I,
da CF/88
O STF ressaltou que a referida
lei tratou sobre o bem-estar dos consumidores e, portanto, não houve qualquer relação
com a atividade-fim das empresas, razão pela qual não se pode dizer que a lei
disponha sobre direito civil ou direito comercial. Logo, não houve violação do
art. 22, I, da CF/88.
Interesse local
Não existe um critério objetivo para
definir, de maneira absolutamente segura, em que consiste interesse local e
quando a legislação ultrapassa isso. Assim, deve-se prestigiar a vereança
local, que bem conhece a realidade e as necessidades da comunidade.
Em suma:
É
constitucional lei municipal que proíbe a conferência de mercadorias realizada
na saída de estabelecimentos comerciais localizados na cidade. A Lei prevê que,
após o cliente efetuar o pagamento nas caixas registradoras da empresa
instaladas, não é possível nova conferência na saída.
Os
Municípios detêm competência para legislar sobre assuntos de interesse local
(art. 30, I, da CF/88), ainda que, de modo reflexo, tratem de direito comercial
ou do consumidor.
STF. 2ª Turma. RE 1.052.719 AgR/PB,
Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 25/9/2018 (Info 917).