sábado, 27 de outubro de 2018
A condenação anterior pelo art. 28 da Lei 11.343/2006 (porte de droga para uso próprio) NÃO configura reincidência
sábado, 27 de outubro de 2018
Reincidência
A
definição de reincidência, para o Direito Penal, é encontrada a partir da
conjugação do art. 63 do CP com o art. 7º da Lei de Contravenções Penais.
Com
base nesses dois dispositivos, podemos encontrar as hipóteses em que alguém é
considerado reincidente para o Direito Penal (inspirado no quadro contido no
livro de CUNHA, Rogério Sanches. Manual
de Direito Penal. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 401):
Se a pessoa é condenada definitivamente por
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E depois da condenação definitiva pratica novo(a)
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Qual será a consequência?
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CRIME
(no
Brasil ou exterior)
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CRIME
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REINCIDÊNCIA
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CRIME
(no
Brasil ou exterior)
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CONTRAVENÇÃO
(no
Brasil)
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REINCIDÊNCIA
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CONTRAVENÇÃO
(no
Brasil)
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CONTRAVENÇÃO
(no
Brasil)
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REINCIDÊNCIA
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CONTRAVENÇÃO
(no
Brasil)
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CRIME
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NÃO HÁ
reincidência.
Foi uma
falha da lei.
Mas gera maus antecedentes
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CONTRAVENÇÃO
(no
estrangeiro)
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CRIME
ou CONTRAVENÇÃO
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NÃO HÁ
reincidência
Contravenção
no estrangeiro não serve aqui.
|
A
reincidência é uma agravante da pena
Se
o réu for reincidente sofrerá diversos efeitos negativos no processo penal.
O
principal deles é que, no momento da dosimetria da pena em relação ao segundo
delito, a reincidência será considerada como uma agravante genérica (art. 61,
I, do CP), fazendo com que a pena imposta seja maior do que seria devida caso
ele fosse primário.
Art. 61. São circunstâncias que sempre
agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:
I - a reincidência;
Porte de droga para consumo pessoal
A Lei nº 11.343/2006 prevê o crime de posse/porte de droga
para consumo pessoal nos seguintes termos:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver
em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será
submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das
drogas;
II - prestação de serviços à
comunidade;
III - medida educativa de
comparecimento a programa ou curso educativo.
Tese de que o art. 28 não seria crime
Assim que a Lei de Drogas foi editada, Luis Flávio Gomes
defendeu a tese de que o porte/posse de droga para consumo pessoal havia
deixado de ser crime. Em outras palavras, LFG sustentou que o art. 28 não
traria a definição de crime já que ele não prevê pena privativa de liberdade
nem multa. Logo, estaria “fora” do conceito de crime trazido pela Lei de
Introdução ao Código Penal (DL 3.914/1941):
Art. 1º Considera-se crime a infração
penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer
alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração
penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou
ambas, alternativa ou cumulativamente.
O STF aceitou essa tese?
NÃO. O STF decidiu que o art. 28 da Lei de Drogas, mesmo sem
prever pena privativa de liberdade, continua definindo conduta criminosa.
Assim, não houve uma descriminalização da conduta (abolitio criminis), mas sim
uma despenalização. A despenalização ocorre quando o legislador prevê sanções
alternativas para o crime que não sejam penas privativas de liberdade.
Confira a ementa do julgado no STF:
(...) 1. O art. 1º da LICP - que se limita a
estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um
crime ou de uma contravenção - não obsta a que lei ordinária superveniente
adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado
crime - como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 - pena diversa da privação ou
restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais
passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII).
2. Não se pode, na interpretação da L.
11.343/06, partir de um pressuposto desapreço do legislador pelo "rigor
técnico", que o teria levado inadvertidamente a incluir as infrações
relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado "Dos Crimes e das
Penas", só a ele referentes. (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III,
arts. 27/30).
(...)
4. Soma-se a tudo a previsão, como
regra geral, ao processo de infrações atribuídas ao usuário de drogas, do rito
estabelecido para os crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando até
mesmo a proposta de aplicação imediata da pena de que trata o art. 76 da L.
9.099/95 (art. 48, §§ 1º e 5º), bem como a disciplina da prescrição segundo as
regras do art. 107 e seguintes do C. Penal (L. 11.343, art. 30).
6. Ocorrência, pois, de
"despenalização", entendida como exclusão, para o tipo, das penas
privativas de liberdade.
7. Questão de ordem resolvida no
sentido de que a L. 11.343/06 não implicou abolitio criminis (C.Penal, art.
107). (...)
STF. 1ª Turma. RE 430105 QO, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, julgado em 13/02/2007.
Assim, não há dúvidas de que o art. 28 da Lei de Drogas
possui natureza jurídica de CRIME.
Se uma pessoa é condenada, com trânsito em julgado, pelo delito de
porte de drogas para consumo próprio (art. 28 da Lei nº 11.343/2006) e depois
pratica outro delito, ele será considerado reincidente na dosimetria desse
segundo crime?
NÃO. A condenação por porte de drogas para consumo próprio
(art. 28 da Lei nº 11.343/2006) NÃO gera reincidência.
Mas você não acabou de dizer que o art. 28 da LD é crime...?
Sim. O art. 28 da LD é crime, no entanto, para o STJ, mesmo
sendo crime, não gera reincidência.
Por quê?
O STJ apresenta a seguinte linha de argumentação:
• a condenação anterior por contravenção penal não gera
reincidência, ou seja, um indivíduo condenado por contravenção penal, se praticar
em seguida um crime, quando for julgado, não se aplicará a ele a agravante da
reincidência. Isso porque o art. 63 do Código Penal é expresso ao se referir à
pratica de novo crime ao dispor:
Art. 63. Verifica-se a reincidência quando o agente
comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no
País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. (veja que o agente tem que ter sido condenado
por crime anterior)
• em outras palavras, como vimos na tabela acima, se a
pessoa é condenada definitivamente por CONTRAVENÇÃO e, depois desta condenação,
pratica um CRIME, ao ser julgada por esta segunda infração não sofrerá os
efeitos da reincidência. Se a primeira infração praticada foi uma contravenção,
não há reincidência.
• a contravenção é punida com prisão simples e/ou multa
(art. 5º, do DL 3688/41).
• o art. 28 da LD é punido apenas com “advertência sobre os
efeitos das drogas”, “prestação de serviços à comunidade” e “medida educativa
de comparecimento a programa ou curso educativo”. Em nenhuma hipótese, a
prática do crime do art. 28 da LD poderá gerar condenação que leve à prisão.
• desse modo, comparando a pena das contravenções penais com
a do crime do art. 28 da LD, chega-se à conclusão de que as penas previstas
para as contravenções são mais gravosas (mais duras) do que as sanções
cominadas para o art. 28 da LD.
• diante disso, se as sanções do art. 28 da LD são menos
graves que a das contravenções, não se mostra proporcional considerar que o
art. 28 da LD gera reincidência se a contravenção penal não tem esse efeito
negativo.
• em suma:
- o crime do art. 28 da LD tem sanções menos graves que uma
contravenção;
- a contravenção não gera reincidência;
- logo, é desproporcional que o crime do art. 28 da LD
(sendo menos grave que a contravenção) gere reincidência.
Discussão sobre a constitucionalidade do art. 28 da LD
O STJ utilizou, ainda, um outro argumento: ele afirmou que a
constitucionalidade do art. 28 da Lei de Drogas será decidida em breve pelo STF
no RE 635.659 e que existem alguns Ministros do Supremo que já se manifestaram
dizendo que este tipo penal seria inconstitucional por violar a intimidade e a
vida privada.
É o caso do Relator do RE, Ministro Gilmar Mendes, que votou
pela descriminalização do porte de drogas para consumo próprio consignando que “a
criminalização da posse de drogas para uso pessoal é inconstitucional, por
atingir, em grau máximo e desnecessariamente, o direito ao livre
desenvolvimento da personalidade, em suas várias manifestações, de forma,
portanto, claramente desproporcional.”
Assim, como existe esse questionamento acerca da
proporcionalidade do direito penal para o controle do consumo de drogas, não
deve o art. 28 da Lei nº 11.343/2006 constituir causa geradora de reincidência.
Resumindo:
O
porte de droga para consumo próprio, previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006,
possui natureza jurídica de crime.
O
porte de droga para consumo próprio foi somente despenalizado pela Lei nº
11.343/2006, mas não descriminalizado.
Obs:
despenalizar é a medida que tem por objetivo afastar a pena como
tradicionalmente conhecemos, em especial a privativa de liberdade.
Descriminalizar significa deixar de considerar uma conduta como crime.
Mesmo
sendo crime, o STJ entende que a condenação anterior pelo art. 28 da Lei nº
11.343/2006 (porte de droga para uso próprio) NÃO configura reincidência.
Argumento
principal: se a contravenção penal, que é punível com pena de prisão simples,
não configura reincidência, mostra-se desproporcional utilizar o art. 28 da LD para
fins de reincidência considerando que este delito é punida apenas com “advertência”,
“prestação de serviços à comunidade” e “medida educativa”, ou, seja, sanções
menos graves e nas quais não há qualquer possibilidade de conversão em pena
privativa de liberdade pelo descumprimento.
Há
de se considerar, ainda, que a própria constitucionalidade do art. 28 da LD
está sendo fortemente questionada.
STJ. 5ª Turma. HC 453.437/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da
Fonseca, julgado em 04/10/2018.
STJ. 6ª Turma. REsp 1672654/SP, Rel. Min.
Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 21/08/2018.