Imagine a seguinte situação hipotética:
O juiz proferiu sentença condenando João a pagar determinada
quantia.
Trata-se de processo físico (não eletrônico).
João protocolizou uma apelação contra a sentença.
Ocorre que, em vez de dar entrada no original, João
apresentou uma cópia do recurso.
Isso significa que a assinatura que estava no recurso não
era original, mas sim uma xérox.
O que acontecerá neste caso?
A falta de assinatura original no recurso apresentado é considerado
um vício sanável.
Logo, o recorrente deve ser intimado para, em um prazo
razoável, suprir o defeito relativo à falta de assinatura no recurso.
Se o recorrente não cumprir a determinação no prazo, aí sim
o recurso não será conhecido.
Desse modo, antes do não
conhecimento, deve ser data a oportunidade ao recorrente de sanar o vício. É o
que prevê o art. 76 do CPC/2015 (art. 13 do CPC/1973):
CPC/2015
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CPC/1973
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Art. 76. Verificada a incapacidade processual ou a
irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e
designará prazo razoável para que seja sanado o vício.
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Art. 13. Verificando a incapacidade processual ou a
irregularidade da representação das partes, o juiz, suspendendo o processo,
marcará prazo razoável para ser sanado o defeito.
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§ 1º Descumprida a determinação, caso o processo esteja na
instância originária:
I - o processo será extinto, se a providência couber ao
autor;
II - o réu será considerado revel, se a providência lhe
couber;
III - o terceiro será considerado revel ou excluído do
processo, dependendo do polo em que se encontre.
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Não sendo cumprido o despacho dentro do prazo, se a
providência couber:
I - ao autor, o juiz decretará a nulidade do processo;
II - ao réu, reputar-se-á revel;
III - ao terceiro, será excluído do processo.
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§ 2º Descumprida a determinação em fase recursal perante
tribunal de justiça, tribunal regional federal ou tribunal superior, o
relator:
I - não conhecerá do recurso, se a providência couber ao
recorrente;
II - determinará o desentranhamento das contrarrazões, se
a providência couber ao recorrido.
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Não havia previsão semelhante.
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Em suma:
A
falta de assinatura nos recursos interpostos nas instâncias ordinárias
configura vício sanável, devendo ser concedido prazo razoável para o suprimento
dessa irregularidade.
STJ. 3ª Turma. REsp 1746047/PA, Rel.
Min. Moura Ribeiro, julgado em 21/08/2018.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp
980.664/MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 23/5/2017.
O julgado acima fala em instância “ordinária”. E na instância “extraordinária”
(STJ/STF)? Se João tivesse feito isso ao interpor um recurso especial, como
ficaria a questão? Seria possível aplicar o mesmo raciocínio e, antes de não
conhecer o Resp, exigir a intimação do recorrente para suprir o vício?
Aplica-se a mesma regra para o caso de recursos interpostos nos Tribunais
Superiores?
• Na vigência do CPC/1973: NÃO
O STJ possuía o entendimento pacífico de que não se aplicava
o art. 13 do CPC/1973 no caso de recurso especial. Veja:
Não se afigura aplicável a providência
do art. 13 do CPC/1973, uma vez que o vício de representação é considerado
insanável na instância extraordinária.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp
1033330/PE, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 10/10/2017.
• Na vigência do CPC/2015: SIM
O art. 76 do CPC/2015, que veio
substituir o art. 13 do CPC/1973, deve ser aplicado para o recurso especial.
Isso porque existe um comando expresso nesse sentido no § 2º do art. 76:
Art. 76 (...)
§ 2º Descumprida a
determinação em fase recursal perante tribunal de justiça, tribunal
regional federal ou tribunal superior, o relator:
I - não conhecerá do recurso, se a
providência couber ao recorrente;
II - determinará o desentranhamento das
contrarrazões, se a providência couber ao recorrido.
Além disso, podemos também
invocar o art. 932, parágrafo único, do CPC/2015:
Art. 932 (...)
Parágrafo único. Antes de considerar
inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao
recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.
Desse modo, atualmente, o Ministro detectar situação de
incapacidade processual ou irregularidade da representação, ele deverá intimar
a parte para, em um prazo de 5 dias, sanar o vício.
Se o vício não for sanado, aí sim, ele poderá:
• não conhecer do recurso (se a providência couber ao
recorrente);
• determinar o desentranhamento das contrarrazões (se a
providência couber ao recorrido).
Advogado sem procuração nos autos
Exemplo comum da situação acima explicada: o advogado que
assinou o recurso especial não tem procuração nos autos nem substabelecimento.
Isso é comum porque algumas vezes a parte contrata novo escritório apenas para
o recurso especial/extraordinário.
Diante dessa lacuna, o que acontece?
O Ministro deverá intimar a parte para regularizar a
representação processual.
• Se a parte corrigir o vício, segue a análise do recurso.
• Se a parte não o fizer, o recurso não será conhecido.
Veja um exemplo concreto:
Desse modo, podemos assim resumir o entendimento atual:
Não
é possível conhecer do recurso especial subscrito por advogado sem procuração
nos autos caso a parte, depois de intimada para regularizar sua representação
processual, nos termos do art. 932, parágrafo único, do CPC/2015, deixa
transcorrer in albis o prazo
concedido para o saneamento do vício, nos termos do art. 76, § 2º, I, do
CPC/2015.
Isso
significa que detectado o vício na representação processual, mesmo que se trate
de recurso especial, deverá ser dado um prazo de 5 dias para que a parte
regularize a situação. Somente se a parte não regularizar, o recurso não será
conhecido.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp
1219271/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 23/08/2018.
Vale ressaltar que o STF também está aplicando o art. 932,
parágrafo único, do CPC/2015 e determinando a parte para regularizar a representação
em caso de ausência de procuração.
Alguns de vocês podem estar lembrando e se perguntando a respeito da
Súmula 115 do STJ. Como ela fica diante deste cenário?
A Súmula 115 do STJ preconiza o seguinte:
Súmula 115-STJ: Na instância especial é
inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos.
Na vigência do CPC/1973, O STJ tinha um entendimento muito
rigoroso na aplicação desta súmula. Assim, se o advogado que assinou o recurso
especial não tinha procuração nem substabelecimento nos autos, o Ministro não
conhecida do recurso, sem dar qualquer oportunidade de a parte regularizar a
situação.
Repetindo: se o recurso especial foi subscrito por advogado
sem poderes para atuar nos autos, o Ministro não dava uma segunda chance para a
parte. O recurso simplesmente não era conhecido, aplicando-se a Súmula 115 do
STJ.
Prevalecia o posicionamento no sentido de que a
representação processual da parte recorrente deve estar perfeitamente
demonstrada no momento da interposição do recurso especial, não sendo possível
sua posterior regularização. Veja julgado que espelha essa conclusão:
Nos termos da jurisprudência consolidada
sob a égide do anterior diploma adjetivo, consideram-se inexistentes os
recursos dirigidos à instância superior, desacompanhados do respectivo
instrumento de procuração, à luz do disposto na Súmula 115 do STJ. Vício não sanável
por juntada posterior de mandato ou substabelecimento, uma vez inaplicável o
disposto no artigo 13 do CPC/73 (vigente à época da interposição do reclamo) na
instância extraordinária.
STJ. 4ª Turma. AgInt nos EDcl no AREsp n.
183.869/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 6/3/2018.
E agora, com o CPC/2015, como fica a Súmula 115 do STJ?
Assim que o CPC/2015 foi editado, a doutrina amplamente
majoritária afirmou que o enunciado estaria superado. Nesse sentido foi
aprovado o Enunciado nº 83 do Fórum Permanente de Processualistas Civis.
Eu também defendi isso em meu
livro de Súmulas.
O STJ, no entanto, teve uma
solução mais interessante para o tema. O STJ afirmou o seguinte: a súmula 115
do STJ permanece válida, no entanto, agora, mesmo que o recurso tenha sido
interposto por advogado sem procuração nos autos, o Ministro, antes de
considerá-lo inexistente, deverá intimar a parte para apresentar a procuração,
nos termos do art. 932, parágrafo único.
Em outras palavras, não é
preciso cancelar a súmula, mas tão somente interpretá-la de acordo com o art.
76 c/c art. 932, parágrafo único.
Assim, a súmula 116 do STJ
deve agora ser interpretada da seguinte maneira:
“Na instância especial é
inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos”, desde
que a parte, devidamente intimada para regularizar a representação, não o faça
no prazo de 5 dias.
Nesse sentido:
Intimada a regularizar a sua representação
processual, nos termos do art. 932, parágrafo único, do CPC vigente, a parte
que deixa de proceder à juntada no prazo de 5 (cinco) dias, faz incidir ao caso
a Súmula 115/STJ.
STJ. 3ª Turma. AgInt no AgInt no AREsp
1053466/MS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 07/08/2018.