quinta-feira, 2 de agosto de 2018
Responsabilidade civil do Estado em caso de suicídio de preso - panorama atual
quinta-feira, 2 de agosto de 2018
Se um detento é morto dentro da
unidade prisional, haverá responsabilidade civil do Estado?
SIM. A CF/88 determina que o
Estado se responsabiliza pela integridade física do preso sob sua custódia:
Art. 5º (...) XLIX - é assegurado aos
presos o respeito à integridade física e moral;
Logo, o Poder Público poderá ser
condenado a indenizar pelos danos que o preso venha a sofrer. Esta
responsabilidade é objetiva.
Assim, a morte de detento gera
responsabilidade civil objetiva para o Estado em decorrência da sua omissão
específica em cumprir o dever especial de proteção que lhe é imposto pelo art.
5º, XLIX, da CF/88.
Vale ressaltar, no entanto, que a
responsabilidade civil neste caso, apesar de ser objetiva, é regrada pela
teoria do risco administrativo. Desse modo, o Estado poderá ser dispensado de
indenizar se ficar demonstrado que ele não tinha a efetiva possibilidade de
evitar a ocorrência do dano. Nas exatas palavras do Min. Luiz Fux: "(...)
sendo inviável a atuação estatal para evitar a morte do preso, é imperioso
reconhecer que se rompe o nexo de causalidade entre essa omissão e o dano.
Entendimento em sentido contrário implicaria a adoção da teoria do risco
integral, não acolhida pelo texto constitucional (...)".
Em suma:
• Em regra: o Estado é objetivamente
responsável pela morte de detento. Isso porque houve inobservância de seu dever
específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da CF/88.
• Exceção: o Estado poderá ser
dispensado de indenizar se ele conseguir provar que a morte do detento não
podia ser evitada. Neste caso, rompe-se o nexo de causalidade entre o resultado
morte e a omissão estatal.
O STF fixou esta tese em sede de
repercussão geral:
Em
caso de inobservância de seu dever específico de proteção previsto no art. 5º,
inciso XLIX, da CF/88, o Estado é responsável pela morte de detento.
STF.
Plenário. RE 841526/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30/3/2016 (repercussão
geral) (Info 819).
Veja a ementa do julgado:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO.
ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. A responsabilidade civil estatal,
segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à
teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas
quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral.
2. A omissão do Estado reclama nexo de
causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder
Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o
resultado danoso.
3. É dever do Estado e direito
subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se
os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade
física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal).
4. O dever constitucional de proteção
ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no
sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para
a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo
37, § 6º, da Constituição Federal.
5. Ad impossibilia nemo tenetur, por
isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do
detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o
nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena
de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao
arrepio do texto constitucional.
6. A morte do detento pode ocorrer por
várias causas, como, v. g., homicídio, suicídio, acidente ou morte natural,
sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as
precauções exigíveis.
7. A responsabilidade civil estatal
resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva
da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua
omissão com o resultado danoso.
8. Repercussão geral constitucional
que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de
proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado
é responsável pela morte do detento.
9. In casu, o tribunal a quo assentou
que inocorreu a comprovação do suicídio do detento, nem outra causa capaz de
romper o nexo de causalidade da sua omissão com o óbito ocorrido, restando
escorreita a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal.
10. Recurso extraordinário DESPROVIDO.
STF. Plenário. RE 841526, Rel. Min. Luiz
Fux, julgado em 30/03/2016.
Exemplo:
Imagine que um detento está
doente e precisa de tratamento médico. Ocorre que este não lhe é oferecido de
forma adequada pela administração penitenciária. Há claramente uma violação ao
art. 14 da LEP. Neste caso, se o preso falecer, o Estado deverá ser responsabilizado,
considerando que houve uma omissão específica e o óbito era plenamente
previsível.
Suponha, no entanto, que o preso
estivesse bem e saudável e, sem qualquer sinal anterior, sofre um mal súbito no
coração e cai morto instantaneamente no pátio do presídio. Nesta segunda
hipótese, o Poder Público não deverá ser responsabilizado por essa morte, já
que não houve omissão estatal e este óbito teria acontecido mesmo que o preso
estivesse em liberdade.
Caso uma pessoa que esteja presa cometa
suicídio, o Estado terá o dever de indenizar seus familiares? Em caso positivo,
qual seria o tipo de responsabilidade?
A responsabilidade do Estado é
objetiva.
A responsabilidade civil do Estado pela
morte de detento em delegacia, presídio ou cadeia pública é objetiva. Nesse
sentido: STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1305249/SC, Rel. Min. Og Fernandes, julgado
em 19/09/2017.
Isso significa que o Estado deverá
sempre ser condenado a indenizar os familiares do preso que se suicidou?
NÃO.
Somente haverá a responsabilização do Poder
Público se, no caso concreto, o Estado não cumpriu seu dever específico de
proteção previsto no art. 5º, XLIX, da CF/88.
Como se adota a teoria do risco
administrativo, o Estado poderá provar alguma causa excludente de
responsabilidade. Assim, nem sempre que houver um suicídio, haverá
responsabilidade civil do Poder Público.
O Min. Luiz Fux exemplifica seu
raciocínio com duas situações:
• Se o detento que praticou o
suicídio já vinha apresentando indícios de que poderia agir assim, então, neste
caso, o Estado deverá ser condenado a indenizar seus familiares. Isso porque o
evento era previsível e o Poder Público deveria ter adotado medidas para evitar
que acontecesse.
• Por outro lado, se o preso
nunca havia demonstrado anteriormente que poderia praticar esta conduta, de
forma que o suicídio foi um ato completamente repentino e imprevisível, neste
caso o Estado não será responsabilizado porque não houve qualquer omissão
atribuível ao Poder Público.
Vale ressaltar que é a
Administração Pública que tem o ônus de provar a causa excludente de
responsabilidade.
O acórdão do STF no RE 841526/RS “é
claro ao afirmar que a responsabilização do Estado em caso de morte de detento
somente ocorre quando houver inobservância do dever específico de proteção
previsto no art. 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal. Logo, se o Estado
nada pôde fazer para evitar o sinistro, não há falar em responsabilidade civil
do ente estatal, pois a conclusão em sentido contrário ensejaria a aplicação da
inconstitucional teoria do risco integral.” (Min. Mauro Campbell Marques).
Foi o que decidiu o STJ em um dos
seus mais recentes julgados sobre o tema:
(...) 2. A decisão monocrática deu
provimento ao apelo nobre para reconhecer a responsabilidade civil do ente
estatal pelo suicídio de detento em estabelecimento prisional, sob o argumento
de que esta Corte Superior possui jurisprudência consolidada no sentido de que
seria aplicável a teoria da responsabilização objetiva ao caso.
3. O acórdão da repercussão geral é
claro ao afirmar que a responsabilização objetiva do Estado em caso de morte de
detento somente ocorre quando houver inobservância do dever específico de
proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal.
4. O Tribunal de origem decidiu de
forma fundamentada pela improcedência da pretensão recursal, uma vez que não se
conseguiu comprovar que a morte do detento foi decorrente da omissão do Estado
que não poderia montar vigilância a fim de impedir que ceifasse sua própria
vida, atitude que só a ele competia.
5. Tendo o acórdão recorrido
consignado expressamente que ficou comprovada causa impeditiva da atuação
estatal protetiva do detento, rompeu-se o nexo de causalidade entre a suposta
omissão do Poder Público e o resultado danoso. Com efeito, o Tribunal de origem
assentou que ocorreu a comprovação de suicídio do detento, ficando escorreita a
decisão que afastou a responsabilidade civil do Estado de Santa Catarina.
6. Em juízo de retratação, nos termos
do art. 1.030, inciso II, do CPC/2015, nego provimento ao recurso especial.
STJ. 2ª Turma. REsp 1305259/SC, Rel. Min.
Mauro Campbell Marques, julgado em 08/02/2018.
Agradeço a leitora Carolina
Pereira Freitas pelos debates e pela pergunta que gerou a elaboração deste
post.