Imagine
a seguinte situação hipotética:
João
vai até a agência bancária, conversa com o gerente e tome emprestado R$ 20 mil.
Para
tomar o dinheiro emprestado, contudo, João teve que assinar um contrato de
mútuo comprometendo-se a devolver o dinheiro em 6 meses, acrescido de juros e
correção monetária.
Esse
contrato foi assinado por João e por duas testemunhas.
Caso
João não pague o empréstimo, esse contrato poderá ser executado? O contrato de
mútuo constitui-se em título executivo extrajudicial?
SIM. O contrato de mútuo, desde que
assinado pelo devedor e por 2 testemunhas, constitui-se em título executivo
extrajudicial. É o que prevê o art. 784, III, do CPC/2015:
Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
(...)
III - o documento particular assinado
pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas;
Algumas
informações sobre o papel dessas 2 testemunhas?
• A
assinatura das 2 testemunhas é considerada como “requisito extrínseco à
substância do ato”.
• Seu
objetivo é o de aferir a existência e a
validade do negócio jurídico. O intuito foi o de permitir que, se
houvesse alguma alegação de nulidade do negócio, as testemunhas pudessem ser
ouvidas para certificar a existência ou não de vício na formação do
instrumento, a ocorrência e a veracidade do ato, com isenção e sem preconceitos.
• Vale
ressaltar que as pessoas que assinam são “testemunhas
instrumentárias”, ou seja, elas apenas expressam a regularidade formal
do instrumento particular, mas não precisam saber a respeito do conteúdo do
negócio jurídico.
• Em
razão disso, a ausência de alguma testemunha ou a sua incapacidade, por si só,
não ensejam a invalidade do contrato ou do documento, mas apenas a
inviabilidade do título para fins de execução, pela ausência de formalidade
exigida em lei.
• Assim,
em regra, não havendo a assinatura das 2 testemunhas, o contrato continua sendo
válido, mas não poderá ser considerado como título executivo extrajudicial.
• Algumas
vezes a parte alega algum “problema” com a assinatura da testemunha, mas não
aponta nenhum vício de consentimento ou falsidade documental. Só alega algum “vício”
da testemunha. Ex: a testemunha do contrato foi o advogado de uma das partes contratantes.
Isso não pode considerando que a testemunha deverá ser alguém desinteressado no
contrato. No entanto, se a parte alega apenas isso, mas não questiona a
validade do ajuste, este contrato continua sendo título executivo extrajudicial
(STJ. 4ª Turma. REsp 1453949/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
13/06/2017).
• Da
mesma forma, ainda que não se consiga ler direito o nome das testemunhas no
contrato, isso é considerado mera irregularidade e não retira a força executiva
do título, salvo se houver alguma alegação de nulidade (STJ. 3ª Turma. AgRg no
AREsp 609.407/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 26/05/2015).
Sem
a assinatura das 2 testemunhas é possível que o contrato seja considerado título
executivo extrajudicial?
•
Em regra, para que o instrumento particular sirva como título executivo, é necessário
que seja assinado por 2 testemunhas.
•
Excepcionalmente, mesmo sem essas duas assinaturas é possível que o contrato continue
sendo título executivo se houver outras provas que comprovem a avença.
STJ.
4ª Turma. AgRg no AREsp 800.028/RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em
02/02/2016.
As
testemunhas precisam presenciar as partes assinando o contrato? Todo mundo tem
que assinar no mesmo momento?
NÃO.
Apenas
a título de curiosidade: contrato de locação não precisa das 2 testemunhas
O
contrato de locação não precisa estar assinado por 2 testemunhas para servir
como título executivo extrajudicial.
STJ.
4ª Turma. AgInt no AREsp 970.755/RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado
em 21/03/2017.
E
se esse contrato for eletrônico? Ex: Pedro celebra contrato de mútuo com uma
instituição financeira; ocorre que o negócio é todo feito por meio de uma
página na internet; não há papel; e a assinatura de mutuário também é digital. Esse
contrato pode ser considerado título executivo extrajudicial?
SIM.
O
contrato eletrônico de mútuo com assinatura digital pode ser considerado título
executivo extrajudicial.
STJ. 3ª Turma.
REsp 1.495.920-DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 15/05/2018
(Info 627).
Mas
sendo o contrato eletrônico, como fica a exigência da assinatura de 2
testemunhas?
O
contrato eletrônico, em face de suas particularidades, por regra, tendo em
conta a sua celebração à distância e eletronicamente, não trará a indicação de
testemunhas. Isso, contudo, não afasta a sua executividade, desde que haja
outros meios de se comprovar a sua existência e validade. Um exemplo disso é o
contrato eletrônico com assinatura digital certificada por autoridade
certificadora.
Assim,
se o contrato eletrônico tiver sido submetido a uma certificação eletrônica,
utilizando-se a assinatura digital devidamente aferida por autoridade
certificadora, mostra-se desnecessária a assinatura das testemunhas.
Vamos
entender com calma.
Assinatura
digital
Para
que o contrato eletrônico possa ser considerado como título executivo, ele
precisa ter sido celebrado com assinatura digital cuja autenticidade possa ser
aferida.
Existe
uma “lei”, ou melhor dizendo, uma medida provisória que vigora com prazo
indeterminado (art. 2º da EC 32/2001) e que regulamenta como deve ser essa
assinatura digital.
Trata-se da MP 2.200-2/2001, que
instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). Veja o
que diz o seu art. 1º:
Art. 1º Fica instituída a
Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, para garantir a
autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das
aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a
realização de transações eletrônicas seguras.
Art. 10. Consideram-se documentos
públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos
de que trata esta Medida Provisória.
§ 1º As declarações constantes dos
documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de
certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação
aos signatários (...)
No
Brasil, a infraestrutura de chaves públicas é de responsabilidade de uma autarquia
federal, o ITI - Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, ligado à
Presidência da República.
Assim,
para que o contrato possa ser considerado um documento em forma eletrônica
(contrato eletrônico), ele deve ter a sua validade jurídica atestada por meio
da assinatura digital, na forma da MP 2.200-2/2001.
Chave
pública
Segundo
o glossário da ICP-Brasil, assinatura digital é o “código anexado ou
logicamente associado a uma mensagem eletrônica que permite de forma única e
exclusiva a comprovação da autoria de um determinado conjunto de dados (um
arquivo, um e-mail ou uma transação). A assinatura digital comprova que a
pessoa criou ou concorda com um documento assinado digitalmente, como a
assinatura de próprio punho comprova a autoria de um documento escrito. A
verificação da origem do dado é feita com a chave pública do remetente.”
Desse
modo, a verificação da autenticidade da assinatura digital é realizada mediante
um sistema denominado “chave pública”.
A
chave pública adota um padrão de criptografia assimétrico por meio do qual o
usuário assina digitalmente o documento e uma autoridade certificadora atesta
(confirma) a identidade do signatário. Apenas para você entender, é como se
essa autoridade certificadora fizesse o papel de um “cartório” (tabelionato de
notas), mas tudo on line e em fração
de segundos.
Autoridade
Certificadora
A
Autoridade Certificadora é uma entidade que emite, renova ou revoga
certificados digitais.
Assinatura
eletrônica é o mesmo que assinatura digital?
Não.
A relação é de gênero e espécie.
A
assinatura digital é uma das espécies de assinatura eletrônica.
Assinatura
digital é aquela que utiliza um certificado digital, geralmente um token, que
foi certificado por uma autoridade certificadora.
Exemplo
de assinatura eletrônica que não é assinatura digital: o indivíduo assina o
documento em um tablet ou celular que tenha tela touchscreen.