Dizer o Direito

sábado, 11 de agosto de 2018

Contrato eletrônico de mútuo com assinatura digital é título executivo extrajudicial



Imagine a seguinte situação hipotética:
João vai até a agência bancária, conversa com o gerente e tome emprestado R$ 20 mil.
Para tomar o dinheiro emprestado, contudo, João teve que assinar um contrato de mútuo comprometendo-se a devolver o dinheiro em 6 meses, acrescido de juros e correção monetária.
Esse contrato foi assinado por João e por duas testemunhas.

Caso João não pague o empréstimo, esse contrato poderá ser executado? O contrato de mútuo constitui-se em título executivo extrajudicial?
SIM. O contrato de mútuo, desde que assinado pelo devedor e por 2 testemunhas, constitui-se em título executivo extrajudicial. É o que prevê o art. 784, III, do CPC/2015:
Art. 784.  São títulos executivos extrajudiciais:
(...)
III - o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas;

Algumas informações sobre o papel dessas 2 testemunhas?
• A assinatura das 2 testemunhas é considerada como “requisito extrínseco à substância do ato”.
• Seu objetivo é o de aferir a existência e a validade do negócio jurídico. O intuito foi o de permitir que, se houvesse alguma alegação de nulidade do negócio, as testemunhas pudessem ser ouvidas para certificar a existência ou não de vício na formação do instrumento, a ocorrência e a veracidade do ato, com isenção e sem preconceitos.
• Vale ressaltar que as pessoas que assinam são “testemunhas instrumentárias”, ou seja, elas apenas expressam a regularidade formal do instrumento particular, mas não precisam saber a respeito do conteúdo do negócio jurídico.
• Em razão disso, a ausência de alguma testemunha ou a sua incapacidade, por si só, não ensejam a invalidade do contrato ou do documento, mas apenas a inviabilidade do título para fins de execução, pela ausência de formalidade exigida em lei.
• Assim, em regra, não havendo a assinatura das 2 testemunhas, o contrato continua sendo válido, mas não poderá ser considerado como título executivo extrajudicial.
• Algumas vezes a parte alega algum “problema” com a assinatura da testemunha, mas não aponta nenhum vício de consentimento ou falsidade documental. Só alega algum “vício” da testemunha. Ex: a testemunha do contrato foi o advogado de uma das partes contratantes. Isso não pode considerando que a testemunha deverá ser alguém desinteressado no contrato. No entanto, se a parte alega apenas isso, mas não questiona a validade do ajuste, este contrato continua sendo título executivo extrajudicial (STJ. 4ª Turma. REsp 1453949/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 13/06/2017).
• Da mesma forma, ainda que não se consiga ler direito o nome das testemunhas no contrato, isso é considerado mera irregularidade e não retira a força executiva do título, salvo se houver alguma alegação de nulidade (STJ. 3ª Turma. AgRg no AREsp 609.407/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 26/05/2015).

Sem a assinatura das 2 testemunhas é possível que o contrato seja considerado título executivo extrajudicial?
• Em regra, para que o instrumento particular sirva como título executivo, é necessário que seja assinado por 2 testemunhas.
• Excepcionalmente, mesmo sem essas duas assinaturas é possível que o contrato continue sendo título executivo se houver outras provas que comprovem a avença.
STJ. 4ª Turma. AgRg no AREsp 800.028/RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 02/02/2016.

As testemunhas precisam presenciar as partes assinando o contrato? Todo mundo tem que assinar no mesmo momento?
NÃO.

Apenas a título de curiosidade: contrato de locação não precisa das 2 testemunhas
O contrato de locação não precisa estar assinado por 2 testemunhas para servir como título executivo extrajudicial.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 970.755/RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 21/03/2017.

E se esse contrato for eletrônico? Ex: Pedro celebra contrato de mútuo com uma instituição financeira; ocorre que o negócio é todo feito por meio de uma página na internet; não há papel; e a assinatura de mutuário também é digital. Esse contrato pode ser considerado título executivo extrajudicial?
SIM.
O contrato eletrônico de mútuo com assinatura digital pode ser considerado título executivo extrajudicial.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.495.920-DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 15/05/2018 (Info 627).

Mas sendo o contrato eletrônico, como fica a exigência da assinatura de 2 testemunhas?
O contrato eletrônico, em face de suas particularidades, por regra, tendo em conta a sua celebração à distância e eletronicamente, não trará a indicação de testemunhas. Isso, contudo, não afasta a sua executividade, desde que haja outros meios de se comprovar a sua existência e validade. Um exemplo disso é o contrato eletrônico com assinatura digital certificada por autoridade certificadora.
Assim, se o contrato eletrônico tiver sido submetido a uma certificação eletrônica, utilizando-se a assinatura digital devidamente aferida por autoridade certificadora, mostra-se desnecessária a assinatura das testemunhas.
Vamos entender com calma.

Assinatura digital
Para que o contrato eletrônico possa ser considerado como título executivo, ele precisa ter sido celebrado com assinatura digital cuja autenticidade possa ser aferida.
Existe uma “lei”, ou melhor dizendo, uma medida provisória que vigora com prazo indeterminado (art. 2º da EC 32/2001) e que regulamenta como deve ser essa assinatura digital.
Trata-se da MP 2.200-2/2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). Veja o que diz o seu art. 1º:
Art. 1º Fica instituída a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras.

Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.
§ 1º As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários (...)

No Brasil, a infraestrutura de chaves públicas é de responsabilidade de uma autarquia federal, o ITI - Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, ligado à Presidência da República.
Assim, para que o contrato possa ser considerado um documento em forma eletrônica (contrato eletrônico), ele deve ter a sua validade jurídica atestada por meio da assinatura digital, na forma da MP 2.200-2/2001.

Chave pública
Segundo o glossário da ICP-Brasil, assinatura digital é o “código anexado ou logicamente associado a uma mensagem eletrônica que permite de forma única e exclusiva a comprovação da autoria de um determinado conjunto de dados (um arquivo, um e-mail ou uma transação). A assinatura digital comprova que a pessoa criou ou concorda com um documento assinado digitalmente, como a assinatura de próprio punho comprova a autoria de um documento escrito. A verificação da origem do dado é feita com a chave pública do remetente.”
Desse modo, a verificação da autenticidade da assinatura digital é realizada mediante um sistema denominado “chave pública”.
A chave pública adota um padrão de criptografia assimétrico por meio do qual o usuário assina digitalmente o documento e uma autoridade certificadora atesta (confirma) a identidade do signatário. Apenas para você entender, é como se essa autoridade certificadora fizesse o papel de um “cartório” (tabelionato de notas), mas tudo on line e em fração de segundos.

Autoridade Certificadora
A Autoridade Certificadora é uma entidade que emite, renova ou revoga certificados digitais.

Assinatura eletrônica é o mesmo que assinatura digital?
Não. A relação é de gênero e espécie.
A assinatura digital é uma das espécies de assinatura eletrônica.
Assinatura digital é aquela que utiliza um certificado digital, geralmente um token, que foi certificado por uma autoridade certificadora.
Exemplo de assinatura eletrônica que não é assinatura digital: o indivíduo assina o documento em um tablet ou celular que tenha tela touchscreen.




Dizer o Direito!