NOÇÕES
GERAIS SOBRE BEM DE FAMÍLIA
Espécies
de bem de família
No
Brasil, atualmente, existem duas espécies de bem de família:
a)
bem de
família convencional ou voluntário (arts. 1711 a 1722 do Código Civil);
b)
bem de
família legal
(Lei nº 8.009/90).
Bem
de família legal
O bem de família legal consiste no imóvel residencial
próprio do casal, ou da entidade familiar.
Considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal
ou pela entidade familiar para moradia permanente.
Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor
de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre
o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no
Registro de Imóveis e na forma do Código Civil (bem de família convencional).
Proteção
conferida ao bem de família legal
O
bem de família legal é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de
dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída
pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele
residam, salvo nas hipóteses previstas na Lei nº 8.009/90.
Se
alguém está sendo executado e é penhorado seu bem de família, qual é o momento
processual para que alegue a impenhorabilidade?
O
devedor deverá arguir a impenhorabilidade do bem de família no primeiro
instante em que falar nos autos após a penhora.
Se
o devedor não alegar a impenhorabilidade do bem de família no momento oportuno,
haverá preclusão?
NÃO.
A impenhorabilidade do bem de família é matéria de ordem pública, dela podendo
conhecer o juízo a qualquer momento, antes da arrematação do imóvel, desde que
haja prova nos autos. Logo, mesmo que o devedor não tenha arguido a
impenhorabilidade no momento oportuno, é possível sua alegação desde que antes
da arrematação do imóvel (STJ. 4ª Turma. REsp 981.532-RJ, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 7/8/2012).
EXCEÇÃO
DO INCISO V DO ART. 3º DA LEI DO BEM DE FAMÍLIA
O
art. 3º da Lei nº 8.009/90 traz as hipóteses em que o bem de família legal pode
ser penhorado.
Veja o que diz o inciso V:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível
em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou
de outra natureza, salvo se movido:
(...)
V - para execução de hipoteca sobre o
imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
Como
vimos acima, em regra, o bem de família não pode ser penhorado (art. 1º da Lei
nº 8.009/90).
Esse
inciso V diz, contudo, que o bem de família pode ser penhorado se o imóvel foi
oferecido em hipoteca como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.
A
hipoteca é uma espécie de direito real de garantia, disciplinada nos arts.
1.473 a 1.505 do Código Civil. Se a parte que deu o bem em hipoteca não cumprir
a sua obrigação, o credor poderá executar a hipoteca, hipótese na qual o imóvel
dado em garantia será alienado e o valor obtido utilizado para pagar o débito.
Assim,
em regra, é possível a penhora do imóvel que tiver sido oferecido como garantia
real pelo casal ou pela entidade familiar.
O
STJ, contudo, ao interpretar esse inciso, faz a seguinte distinção:
1) Se o imóvel foi dado em garantia
de uma dívida que beneficiou o casal ou entidade familiar:
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2) Se o imóvel foi dado em garantia de uma dívida que
beneficiou um terceiro:
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Este
bem poderá ser penhorado.
A
situação se enquadra no inciso V do art. 3º.
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Este
bem NÃO poderá ser penhorado.
A
situação NÃO se enquadra no inciso V do art. 3º.
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Ex: Antônio
toma um empréstimo junto ao banco (contrato de mútuo) a fim de pagar a
faculdade de sua filha. Ele oferece o seu apartamento em hipoteca como
garantia da dívida. Se Antônio deixar de pagar as prestações, o banco poderá
executar a hipoteca, ou seja, vender o apartamento e utilizar o dinheiro para
quitar o saldo devedor.
Trata-se
de situação que se enquadra no inciso V do art. 3º (é uma exceção à proteção
do bem de família).
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Ex:
João toma um empréstimo junto ao banco a fim de pagar tratamento médico de
seu filho. Ele precisava dar uma garantia real para o caso de não pagar as
parcelas do mútuo. Como não tinha nenhum bem para oferecer em garantia, pediu
ajuda a seu amigo Pedro. Assim, Pedro ofereceu a sua casa em hipoteca como
garantia de uma dívida de terceiro (João).
Se João
não conseguir pagar as parcelas combinadas, a empresa NÃO poderá executar a
hipoteca e vender a casa. Isso porque se trata de bem de família e NÃO se
enquadra na exceção do inciso V do art. 3º.
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Desse
modo, para a jurisprudência do STJ, a exceção prevista no art. 3º, V, da Lei nº
8.009/90 não se aplica aos casos em que a hipoteca é dada como garantia de
empréstimo contraído em favor de terceiro, somente quando garante empréstimo
tomado diretamente em favor do próprio devedor.
IMÓVEL
DADO EM HIPOTECA COMO GARANTIA DE DÍVIDA PERTENCENTE À PESSOA JURÍDICA
Se
o bem de família foi dado pelo casal como garantia de dívida contraída por
pessoa jurídica, ele poderá ser penhorado em caso de inadimplemento?
Depende:
1) Se apenas um
dos cônjuges for sócio da pessoa jurídica: em regra, o bem será impenhorável
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2) Se os cônjuges forem os únicos sócios da pessoa jurídica devedora:
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O bem
de família é IMPENHORÁVEL quando for dado em garantia real de dívida por um
dos sócios da pessoa jurídica, cabendo ao credor o ônus da prova de que o
proveito se reverteu à entidade familiar.
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O bem de
família é PENHORÁVEL quando os únicos sócios da empresa devedora são os
titulares do imóvel hipotecado, sendo ônus dos proprietários a demonstração
de que não se beneficiaram dos valores auferidos.
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Ex:
Lúcio e Carla são casados e moram em um apartamento com os filhos. Lúcio é
sócio da empresa LT. O outro sócio é seu amigo Tiago.
A
empresa LT contraiu um empréstimo para comprar equipamentos e Lúcio deu em
garantia o imóvel em que reside. Ainda que dado em garantia de empréstimo
concedido a pessoa jurídica, é impenhorável o imóvel (bem de família) já que
não se pode presumir que o mútuo tenha sido concedido em benefício da
família.
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Ex:
Sandro e Michele, casados entre si, são os dois únicos sócios da sociedade
empresária SM Comércio Ltda. A empresa SM contraiu um empréstimo junto ao
banco (contrato de mútuo). O casal deu o apartamento em que moram como
garantia da dívida (garantia hipotecária). Se o empréstimo não for pago, o
banco poderá executar e penhorar o apartamento.
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Em
suma:
É
possível a penhora de bem de família dado em garantia hipotecária pelo casal
quando os cônjuges forem os únicos sócios da pessoa jurídica devedora.
STJ. 2ª Seção. EAREsp 848.498-PR, Rel.
Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 25/04/2018 (Info 627).