terça-feira, 24 de abril de 2018
Princípio da insignificância nos crimes tributários, critério de 20 mil reais e precedente da 1a Turma em sentido contrário
terça-feira, 24 de abril de 2018
O princípio da
insignificância pode ser aplicado no caso de crimes tributários e no
descaminho?
SIM. É plenamente
possível que incida o princípio da insignificância tanto nos crimes contra a
ordem tributária previstos na Lei nº 8.137/90 como também no caso do descaminho
(art. 334 do CP).
O descaminho é também
considerado um crime contra a ordem tributária, apesar de estar previsto no
art. 334 do Código Penal e não na Lei nº 8.137/90.
Existe algum limite
máximo de valor para que possa ser aplicado o princípio da insignificância nos
crimes tributários?
SIM. A jurisprudência
criou a tese de que nos crimes tributários, para decidir se incide ou não o
princípio da insignificância, será necessário analisar, no caso concreto, o
valor dos tributos que deixaram de ser pagos.
E qual é, então, o
valor máximo considerado insignificante no caso de crimes tributários?
20 mil reais.
Assim, se o montante do
tributo que deixou de ser pago for igual ou inferior a 20 mil reais, não há
crime tributário (incluindo descaminho), aplicando-se o princípio da
insignificância.
Qual é o parâmetro para
se adotar a esse valor?
Esse valor foi fixado
pela jurisprudência tendo como base a Portaria MF nº 75, de 29/03/2012, na qual
o Ministro da Fazenda determinou, em seu art. 1º, inciso II, “o não ajuizamento de execuções fiscais de
débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a
R$ 20.000,00 (vinte mil reais).”
Em outros termos, essa
Portaria determina que, até o valor de 20 mil reais, os débitos inscritos como
Dívida Ativa da União não serão executados.
Com base nisso, a
jurisprudência construiu o seguinte raciocínio: ora, não há sentido lógico
permitir que alguém seja processado criminalmente pela falta de recolhimento de
um tributo que nem sequer será cobrado no âmbito administrativo-tributário. Se
a própria “vítima” não irá cobrar o valor, não faz sentido aplicar o direito
penal contra o autor desse fato.
Vale lembrar que o direito
penal é a ultima ratio. Se a Administração
Pública entende que, em razão do valor, não vale a pena movimentar a máquina
judiciária para cobrar a quantia, com maior razão também não se deve iniciar
uma ação penal para punir o agente.
Esse valor de 20 mil reais
é adotado tanto pelo STF como pelo STJ?
SIM.
Incide
o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho
quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00
(vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as
atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da
Fazenda.
STJ. 3ª Seção. REsp 1.709.029/MG, Rel.
Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 28/02/2018 (recurso repetitivo).
O
princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o
valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, com
as atualizações feitas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da
Fazenda.
STF. 1ª Turma. HC 127173, Relator p/
Acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 21/03/2017.
STF. 2ª Turma. HC 136843, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, julgado em 08/08/2017.
Até aqui, tudo bem. Qual foi, no
entanto, a última “polêmica” sobre o tema?
Foi divulgado no Informativo 897
um julgado no qual a 1ª Turma do STF afirmou que não se deve aplicar o limite
de 20 mil reais (valor fixado na Portaria 75/2012).
Segundo o Min. Marco Aurélio, relator
deste julgado, o princípio da insignificância nos crimes tributários não deve
ter nenhuma relação com a quantia que a Administração Pública considera como sendo
de pequeno valor para ajuizar a execução fiscal.
Para o Ministro “a lei que
disciplina o executivo fiscal não repercute no campo penal. Tal entendimento,
com maior razão, deve ser adotado em relação à portaria do Ministério da
Fazenda.”
O art. 935 do Código Civil estabelece
o princípio da independência das esferas civil, penal e administrativa, de
forma que a repercussão no âmbito penal se dá apenas quando decisão proferida
em processo-crime declarar a inexistência do fato ou da autoria.
STF. 1ª Turma. HC 128063, Rel.
Min. Marco Aurélio, julgado em 10/4/2018 (Info 897).
Diante disso, muitos leitores indagaram:
o que fazer agora? Houve mudança de entendimento do STF? O STF deixou de
aplicar o limite de 20 mil reais da Portaria 75/2012?
NÃO. De fato, este julgado (HC
128063) vai contra aquilo que o STF vinha decidindo há anos sobre o tema. Isso
não significa, contudo, que o STF tenha mudado de posição.
O que houve, no presente caso,
foi uma decisão isolada decorrente de uma ausência temporária de dois Ministros
na Turma.
Vamos explicar com calma.
A 1ª Turma é composta por 5 Ministros:
Princípio
da insignificância e crimes tributários
Como julgam
os Ministros da 1ª Turma do STF?
|
||
Ministro
|
Adota o critério de R$ 20 mil?
|
Precedente
|
Roberto
Barroso
|
SIM
|
STF.
1ª Turma. HC 127173, Relator p/ Acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em
21/03/2017.
|
Luiz
Fux
|
SIM
|
STF.
1ª Turma. HC 118067, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25/03/2014.
|
Rosa
Weber
|
SIM
|
STF.
1ª Turma. HC 136984, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 18/10/2016.
|
Marco
Aurélio
|
NÃO
|
STF.
1ª Turma. HC 128063, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 10/4/2018 (Info
897).
|
A.
de Moraes
|
NÃO
|
STF.
1ª Turma. HC 128063, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 10/4/2018 (Info
897).
|
Desse modo, 3 Ministros adotam o
critério de R$ 20 mil contra 2 que não o acolhem.
No dia do julgamento do HC 128063,
estavam ausentes os Ministros Roberto Barroso e Luiz Fux. Logo, 2 Ministros
(Marco Aurélio e Alexandre de Moraes) votaram contra a insignificância e uma
Ministra (Rosa Weber) manifestou-se favoravelmente.
Se houvesse a presença de mais um
Ministro, o resultado teria sido diferente e o HC seria concedido ao réu (seja
pelo empate, seja pelo placar de 3x2).
Assim, não se pode dizer, pelo
menos não por enquanto, que tenha havido uma mudança de entendimento do STF.
O que ocorreu foi uma decisão
contrária à jurisprudência da Corte, em razão da ausência episódica de dois
Ministros.
Lamenta-se, apenas pela segurança
jurídica e pelo réu que deu “azar” e teve seu habeas corpus julgado em um dia no
qual dois Ministros favoráveis à tese estavam justificadamente ausentes. Se o
processo tivesse sido apreciado um dia antes ou depois talvez o resultado fosse
completamente diferente.