Olá amigos do Dizer o Direito,
Foi publicada hoje (04/04/2018) mais uma novidade
legislativa.
Trata-se da Lei nº 13.641/2018, que altera a Lei Maria da
Penha e torna crime a conduta do autor da violência que descumpre as medidas
protetivas de urgência impostas pelo juiz.
Vamos entender melhor o tema com um exemplo:
Maria decidiu se separar de João. Este, contudo, continuou a
procurá-la insistentemente e a fazer ameaças caso ela não reatasse o
relacionamento.
Diante disso, Maria procurou a Delegacia pedindo que fossem
tomadas providências.
A autoridade policial lavrou o boletim de ocorrência e
enviou um expediente ao juiz com o pedido de Maria para que João não se
aproximasse mais dela (art. 12, III, da Lei nº 11.340/2006).
O juiz deferiu o pedido da ofendida e determinou, como
medidas protetivas de urgência, que João mantivesse distância mínima de 500 metros
de Maria e não tentasse nenhum contato com ela por qualquer meio de comunicação
(art. 22, III, “a” e “b”).
Na decisão, o magistrado consignou ainda que, em caso de
descumprimento de quaisquer das medidas impostas, seria aplicada ao requerido
multa diária de R$ 100, conforme previsto no § 4º, do art. 22 da Lei nº 11.340/2006.
João foi regularmente intimado. Apesar disso, uma semana
depois procurou Maria em seu local de trabalho, fazendo novas ameaças.
Quais consequências poderão ser impostas a João pelo descumprimento da
medida protetiva?
• a execução da multa imposta; e
• a decretação de sua prisão preventiva (art. 313,
III, do CPP).
João também poderia ser processado criminalmente? A conduta de
descumprir medida protetiva de urgência configura crime?
A questão tem que ser analisada antes e depois da Lei nº
13.641/2018.
ANTES da Lei nº 13.641/2018: NÃO
Antes da alteração legislativa, o STJ entendia que:
O descumprimento de medida protetiva de urgência prevista na
Lei Maria da Penha (art. 22 da Lei 11.340/2006) não configurava infração penal.
Neste caso, o agente não poderia responder nem mesmo por
crime de desobediência (art. 330 do CP)?
Também não. Nesse sentido:
STJ. 5ª Turma. REsp 1.374.653-MG, Rel. Min. Sebastião Reis
Júnior, j. em 11/3/2014 (Info 538).
STJ. 6ª Turma. RHC 41.970-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, j. em
7/8/2014 (Info 544).
Por quê?
O
STJ entende que não há crime de desobediência quando a pessoa desatende a ordem
e existe alguma lei prevendo uma sanção civil, administrativa ou processual
penal para esse descumprimento sem ressalvar que poderá haver também a sanção
criminal.
Explicando melhor:
• Regra: se na Lei houver previsão de sanção civil ou
administrativa para o caso de descumprimento da ordem dada, não se configura o
crime de desobediência.
• Exceção: haverá delito de desobediência se na Lei, além da
sanção civil ou administrativa, expressamente constar uma ressalva de que não
se exclui a sanção penal.
Ex.1: Marcelo foi parado em uma blitz. O agente de trânsito
determinou que ele apresentasse a habilitação e o documento do veículo, tendo
Marcelo se recusado a fazê-lo. Marcelo não cometeu crime de
desobediência porque o art. 238 do Código de Trânsito já prevê punições
administrativas para essa conduta (infração gravíssima, multa e apreensão do
veículo), sem ressalvar a possibilidade de aplicação de sanção penal.
Ex.2: Gutemberg foi intimado para testemunhar em uma ação
penal, tendo, no entanto, sem justificativa, deixado de comparecer ao ato
processual. Gutemberg cometeu o crime de desobediência. O CPP determina que o
juiz poderá aplicar multa e condená-lo a pagar as custas da diligência, sem prejuízo do processo penal por crime de desobediência (art. 219).
Assim, a Lei (no caso, o CPP) prevê punições civis, ressalvando, no entanto,
que elas poderão ser aplicadas juntamente com a condenação criminal.
Ex.3: Cleôncio foi intimado para testemunhar em uma ação de
indenização por danos morais, tendo, no entanto, sem justificativa, deixado de
comparecer ao ato processual. Cleôncio não cometeu o crime de
desobediência. O CPC prevê que a testemunha faltosa será conduzida
coercitivamente e condenada a pagar as despesas do adiamento do ato (art. 455,
§ 5º). Contudo, a Lei (no caso, o CPC) não prevê a possibilidade de tais
sanções cíveis serem aplicadas juntamente com a punição pelo crime de
desobediência.
E no caso da Lei Maria da Penha?
A Lei nº 11.340/2006 previa que o descumprimento da medida
protetiva gerava consequências cíveis (multa) e processuais penais (prisão
cautelar), mas não ressalvava a possibilidade de o agente responder também
criminalmente. Logo, seguindo o raciocínio acima, não se podia condenar o
agente por crime de desobediência.
Nesse sentido:
(...) 1. O Superior Tribunal de
Justiça firmou o entendimento de que para a caracterização do crime de
desobediência não é suficiente o simples descumprimento de decisão judicial,
sendo necessário que não exista previsão de sanção específica.
2. A Lei n. 11.340/06 determina que,
havendo descumprimento das medidas protetivas de urgência, é possível a
requisição de força policial, a imposição de multas, entre outras sanções, não
havendo ressalva expressa no sentido da aplicação cumulativa do art. 330 do
Código Penal.
3. Ademais, há previsão no art. 313,
III, do Código de Processo Penal, quanto à admissão da prisão preventiva para
garantir a execução de medidas protetivas de urgência nas hipóteses em que o
delito envolver violência doméstica.
4. Em respeito ao princípio da
intervenção mínima, não há que se falar em tipicidade da conduta atribuída ao
recorrido, na linha dos precedentes deste Sodalício. (...)
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp
1528271/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 13/10/2015.
DEPOIS da Lei nº 13.641/2018: SIM
A Lei nº 13.641/2018 alterou a Lei Maria da Penha e passou a
prever como crime a conduta do agente que descumprir medida protetiva imposta.
O agente que descumprir a medida protetiva responderá por
crime de desobediência (art. 330)?
NÃO. A Lei nº 13.641/2018 incluiu um novo crime, um tipo
penal específico para essa conduta. Veja:
Do Crime de Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência
Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência
Art.
24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência
previstas nesta Lei:
Pena
– detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.
Assim, temos o seguinte cenário:
A conduta
de descumprir medida protetiva de urgência
prevista
na Lei Maria da Penha configura crime?
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Antes da Lei nº 13.641/2018:
NÃO
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Depois da Lei nº 13.641/2018 (atualmente): SIM
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Antes da alteração, o STJ entendia
que o descumprimento de medida protetiva de urgência prevista na Lei Maria da
Penha (art. 22 da Lei 11.340/2006) não configurava infração penal.
O agente não respondia nem
mesmo por crime de desobediência (art. 330 do CP).
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Foi inserido novo tipo
penal na Lei Maria da Penha prevendo como crime essa conduta:
Art. 24-A. Descumprir
decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta
Lei:
Pena – detenção, de 3
(três) meses a 2 (dois) anos.
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Vejamos algumas características sobre o crime do art. 24-A da Lei Maria
da Penha:
Art.
24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência
previstas nesta Lei:
Pena
– detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.
Sujeito ativo
Comete este delito a pessoa que descumpre a medida protetiva
de urgência imposta com base na Lei Maria da Penha.
Homem ou mulher
Aqui cabe uma interessante observação: ao contrário do que
muitos imaginam, o autor da violência doméstica não precisa ser necessariamente
um homem. Assim, existem casos de violência doméstica praticados por mulheres.
Ex: filha contra mãe (STJ HC 277.561/AL).
A exigência é de que a vítima seja mulher, mas o agressor
pode ser homem ou mulher.
Isso significa que o sujeito ativo do crime do art. 24-A da Lei
Maria da Penha pode ser homem ou mulher. É o caso, por exemplo, da nora que
agride a sogra. Se o juiz impuser que a nora não se aproxime da sogra e a nora
descumprir essa ordem, responderá prelo crime do art. 24-A.
Partícipes
O indivíduo poderá responder por este delito, na qualidade
de partícipe, mesmo sem ser o autor da violência doméstica.
Ex: o juiz determina que João mantenha distância mínima de
500 metros de Maria (sua ex-esposa) e não tente nenhum contato com ela por
qualquer meio de comunicação (art. 22, III, “a” e “b”). O irmão de João, mesmo
sabendo dessa proibição, envia para Maria, pelo seu número do whatsapp, um
áudio do agressor no qual ele tenta a reconciliação com a vítima.
Sujeito passivo
O sujeito passivo é o Estado. A vítima mediata ou secundária
é o juiz que expediu a ordem.
Muita atenção porque a vítima do crime do art. 24-A não é a
vítima da violência doméstica.
Tipo objetivo
Descumprir: consiste em desobedecer, ou seja, não
atender, não cumprir a decisão judicial.
Ação ou omissão: vale ressaltar que esse crime poderá
ser praticado mediante conduta comissiva (ex: aproximar-se da vítima mesmo
havendo uma proibição) ou omissiva (ex: não pagar os alimentos provisórios
fixados pelo juiz como medida protetiva).
Decisão judicial: deve-se entender em sentido amplo,
abrangendo tanto decisões interlocutórias como eventualmente uma sentença ou
acórdão no qual seja fixada a medida protetiva. A decisão pode ser de 1ª
instância ou de Tribunal (colegiada ou monocrática).
Medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da
Penha:
As medidas protetivas de urgência estão previstas nos arts.
22 a 24 da Lei nº 11.340/2006.
Esse rol é exemplificativo e o juiz poderá aplicar outras
medidas não expressamente listadas na Lei Maria da Penha.
Vale ressaltar, no entanto, que o crime do art. 24-A somente
se verifica se o agente descumprir uma medida protetiva prevista na Lei nº
11.340/2006. Se o sujeito descumprir medida protetiva atípica, ou seja, não
prevista expressamente na Lei Maria da Penha, não haverá o crime do art. 24-A.
Reserva de jurisdição
Importante esclarecer que apenas o juiz (ou Tribunal) pode
impor as medidas protetivas de urgência. A autoridade policial ou o membro do
Ministério Público não gozam dessa possibilidade.
Desobediência
O art. 24-A é um tipo especial de desobediência (art. 330 do
CP).
Tipo subjetivo
O crime é punido a título de dolo.
O dolo, no caso, consiste na vontade livre e consciente de descumprir
decisão judicial que defere medida protetiva de urgência baseada na Lei Maria
da Penha.
Obviamente, para que haja o crime, é indispensável que o agente
saiba da existência da decisão judicial deferindo a medida protetiva.
Não há crime se o sujeito age com culpa. Ex: vai a uma festa
de aniversário de amigos em comum e ali encontra a ex-mulher sendo que havia
uma ordem de não aproximação.
Inexigibilidade de conduta diversa
Uma das medidas protetivas de urgência previstas na Lei é a “prestação
de alimentos provisionais ou provisórios” à mulher (art. 22, V).
Se o agente não cumpre essa medida em virtude de
impossibilidade econômica, não poderá ser punido pelo crime do art. 24-A,
considerando que se trata de hipótese de inexigibilidade de conduta diversa,
que consiste em causa excludente de culpabilidade.
Consumação
A medida protetiva pode consistir em uma ordem para que o
agente faça alguma coisa ou para que não faça (não adote determinado
comportamento).
Desse modo, o crime se consuma no momento em que o agente faz
a conduta proibida na decisão judicial (ex: entra em contato com a ex-mulher,
mesmo isso tendo sido proibido) ou, então, no instante em que termina o prazo que
havia sido fixado para que o sujeito adotasse determinado comportamento (ex: juiz
fixou o prazo de 24h para que o agressor deixasse a casa; após isso, sem
cumprimento, o crime já terá se consumado).
Não se exige violência ou grave ameaça
O crime do art. 24-A pode se consumar mesmo que o sujeito
ativo não tenha agido com violência ou grave ameaça. Ex: o juiz determinou que
João, acusado de violência doméstica, não se aproxime menos que 500m da
ex-mulher. O autor do fato, arrependido, procura a vítima chorando e com um
buquê de rosas. Ele terá cometido o crime do art. 24-A.
Se houver violência ou grave ameaça, o agente poderá
responder pelo delito do art. 24-A em concurso com outros delitos. Ex: se, o agente,
que estava proibido de se aproximar da ex-mulher, procura-a e a ameaça de
morte, ele responderá pelo delito do art. 24-A da Lei nº 11.340/2006 em
concurso com o art. 147 do Código Penal.
Tentativa
Em tese, é possível na modalidade comissiva. Ex: o
ex-marido, mesmo estando proibido de entrar em contato com a ex-mulher, envia-lhe
uma carta, que é interceptada pela sogra.
Ação penal
A ação penal é pública incondicionada.
Habeas corpus
Cabe habeas corpus para apurar eventual ilegalidade na
fixação de medida protetiva de urgência (STJ. 5ª Turma. HC 298.499-AL, Rel.
Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 1º/12/2015). Esse entendimento
ganha força agora com a inclusão do art. 24-A à Lei Maria da Penha.
Único crime da Lei 11.340/2006
Ao contrário do que muitos pensam, a Lei Maria da Penha não
previa crimes. Este diploma traz uma série de disposições processuais e também
de direito civil.
O art. 24-A, agora inserido, é o único delito tipificado na
Lei nº 11.340/2006.
§
1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz
que deferiu as medidas.
As medidas protetivas de urgência da Lei nº 11.340/2006 não
são exclusivas do processo penal. Isso significa que podem ser aplicadas em processos
cíveis, independentemente da existência de inquérito policial ou processo
criminal contra o suposto agressor.
A Lei Maria da Penha foi editada com o objetivo de ampliar
os mecanismos jurídicos e estatais de proteção da mulher vítima de violência
doméstica.
A referida Lei não se preocupa apenas com o viés da punição
penal do agressor, sendo voltada também para a prevenção da violência,
fornecendo, para tanto, instrumentos de natureza civil e administrativa.
Desse modo, para que a Lei consiga atender seus propósitos
de prevenção, é possível que sejam determinadas medidas judiciais de natureza
não criminal, mesmo porque a resposta penal estatal só é desencadeada depois
que, concretamente, o ilícito penal é cometido, muitas vezes com consequências
irreversíveis, como no caso de homicídio ou de lesões corporais graves ou
gravíssimas.
Vale ressaltar que a definição de violência doméstica
presente na Lei engloba situações que nem constituem crime, como o caso de
“sofrimento psicológico”, “dano moral”, “diminuição da autoestima”,
“manipulação” etc. Assim, fica ainda mais claro que a Lei não tem objetivos
exclusivamente penais.
Foi isso que decidiu o STJ:
(...) 1. As medidas protetivas
previstas na Lei n. 11.340/2006, observados os requisitos específicos para a
concessão de cada uma, podem ser pleiteadas de forma autônoma para fins de
cessação ou de acautelamento de violência doméstica contra a mulher,
independentemente da existência, presente ou potencial, de processo-crime ou
ação principal contra o suposto agressor.
2. Nessa hipótese, as medidas de
urgência pleiteadas terão natureza de cautelar cível satisfativa, não se
exigindo instrumentalidade a outro processo cível ou criminal, haja vista que
não se busca necessariamente garantir a eficácia prática da tutela principal.
"O fim das medidas protetivas é proteger direitos fundamentais, evitando a
continuidade da violência e das situações que a favorecem. Não são,
necessariamente, preparatórias de qualquer ação judicial. Não visam processos,
mas pessoas" (DIAS. Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. 3 ed.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012). (...)
STJ. 4ª Turma. REsp 1419421/GO, Rel. Min.
Luis Felipe Salomão, julgado em 11/02/2014.
Confirmando essa natureza e a fim de que não houvesse dúvidas
quanto à tipificação, o legislador previu expressamente que também haverá o
crime do art. 24-A se o sujeito descumprir medida protetiva imposta em processo
cível.
§
2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder
fiança.
Fiança é...
- uma caução em dinheiro ou outros bens (garantia real)
- prestada em favor do indiciado ou réu
- para que ele possa responder o inquérito ou o processo em
liberdade
- devendo cumprir determinadas obrigações processuais
- sob pena de a fiança ser considerada quebrada
- e ele ser preso cautelarmente.
A fiança pode ser fixada isoladamente ou em conjunto com
outras medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, a fim de que seja
evitada a prisão preventiva.
A fiança pode ser concedida:
• Durante o inquérito policial;
• No curso do processo criminal, enquanto não tiver
transitado em julgado a sentença condenatória (art. 334).
Como regra geral, quem concede a fiança?
A fiança poderá ser concedida
pelo(a):
Delegado de Polícia
|
Autoridade judiciária
|
• Em até 24 horas após a prisão
em flagrante.
• Desde que a pena máxima
prevista seja de até 4 anos.
|
• A qualquer momento
(durante o IP ou no curso do processo), mesmo que não se trate de prisão em
flagrante.
• Não importa a pena
prevista.
|
Assim, em regra, se a pessoa for presa em flagrante e o
crime tiver pena máxima de 4 anos, o próprio Delegado poderá arbitrar fiança e
o flagranteado será solto. Vale mencionar que não importa se o crime é punido com
detenção ou reclusão. Tanto faz. Sendo a pena de até 4 anos, a autoridade
policial tem legitimidade para arbitrar a fiança.
Por outro lado, se o crime tiver pena superior a 4 anos, o flagranteado
deverá requerer a concessão da fiança ao juiz, que decidirá o pedido em até 48
horas.
Essa regra encontra-se prevista no art. 322 do CPP:
Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder
fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja
superior a 4 (quatro) anos.
Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao
juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.
Exceção
A Lei nº 13.641/2018, ao incluir esse § 2º, criou uma exceção
à regra do art. 322 do CPP. Isso porque o § 2º proíbe que o Delegado de Polícia
conceda fiança para o crime do art. 24-A a despeito desse delito ter pena máxima
de 2 anos.
A situação, então, passa a ser a seguinte:
Delegado de Polícia pode conceder
fiança?
Sim, desde que para crimes cuja pena
máxima prevista seja de até 4 anos.
Exceção: o crime do art. 24-A da Lei
Maria da Penha tem pena máxima de 2 anos, mas não admite fiança
concedida pela autoridade policial.
§
3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis.
Como vimos, o descumprimento de medida protetiva pode
ensejar:
• a execução da multa eventualmente imposta; e
• a decretação da prisão preventiva do autor.
O que este § 3º explicita é que tais consequências continuam
acontecendo mesmo agora com a existência de um tipo penal específico para essa
conduta.
QUESTÕES FINAIS
Aplica-se a Lei nº 9.099/95 para o crime do art. 24-A da Lei Maria da
Penha?
A pena máxima do art. 24-A não ultrapassa dois anos, razão
pela qual se trata de infração de menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei nº
9.099/95). Diante disso, indaga-se: é possível a da transação penal, da
suspensão condicional do processo e dos demais benefícios da Lei nº 9.099/95 para
o autor do crime do art. 24-A da Lei nº 11.340/2006?
O tema certamente gerará polêmica.
Particularmente, penso que deveria ser possível a aplicação
das medidas despenalizadoras para o sujeito que praticar o crime do art. 24-A.
Devemos relembrar que o réu que pratica violência
doméstica ou familiar contra mulher não pode ser beneficiado com transação
penal ou com suspensão condicional do processo. Isso porque a suspensão
condicional do processo e a transação penal estão previstas na Lei nº 9.099/95
e a Lei Maria da Penha expressamente proíbe que se aplique a Lei nº 9.099/95
para os crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher.
Veja:
Art. 41. Aos crimes praticados com
violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena
prevista, não se aplica a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995.
Ocorre que o art. 24-A pode ser praticado sem violência contra
a mulher. Desse modo, não vislumbro óbice à aplicação da Lei nº 9.099/95 para
os autores deste delito.
Apesar disso, penso que essa posição não há de prevalecer.
A jurisprudência é extremamente refratária à aplicação de qualquer
medida despenalizadora em se tratando de delitos que envolvam violência doméstica.
Nesse sentido, cito, a título de exemplo, as súmulas 536, 542 e 588, todas do
STJ:
Súmula 536-STJ: A
suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na
hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha.
Súmula 542-STJ: A ação
penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica
contra a mulher é pública incondicionada.
Súmula 588-STJ: A prática
de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no
ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade
por restritiva de direitos.
A exegese relativa ao art. 24-A deve seguir a mesma linha.
Vale ressaltar, ainda, que a intenção do legislador, ainda
que não expressa, parece ter sido a de não considerar o crime do art. 24-A como
sendo infração de menor potencial ofensivo e de exclui-la do âmbito de incidência
da Lei nº 9.099/95. Digo isso por conta do § 2º do art. 24-A, que preconiza o
seguinte:
§ 2º Na hipótese de prisão em
flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança.
Desse modo, implicitamente o legislador afirmou que é possível
a prisão em flagrante no caso do crime do art. 24-A. Além disso, esse mesmo
permitiu que o juiz exija fiança do sujeito que praticou o novo delito da Lei
Maria da Penha. Assim, o § 2º do art. 24-A claramente determina que não se
aplica o art. 69, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95, que diz:
Art. 69 (...)
Parágrafo único. Ao autor do fato que,
após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir
o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se
exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como
medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência
com a vítima.
Em suma, penso que a interpretação que irá ser acolhida
pelos Tribunais é no sentido de que o delito do art. 24-A da Lei Maria da Penha
não se sujeita às disposições da Lei nº 9.099/95 e, portanto, podemos extrair
algumas eventuais conclusões:
• admite-se a prisão em flagrante pela prática do crime do
art. 24-A da Lei nº 11.340/2006;
• deverá ser instaurado inquérito policial para apurar essa
infração (não sendo suficiente termo circunstanciado);
• é possível que seja exigida fiança para a liberdade do
flagranteado.
Novatio legis in pejus
Vale ressaltar que a Lei nº 13.641/2018 é uma lei posterior
mais gravosa. Isso porque, como vimos, antes da sua edição, entendia-se que a
conduta de descumprir medida protetiva de urgência não era considerada crime.
Assim, se o agente descumpriu a medida protetiva até o dia 03/04/2018,
ele não cometeu delito. No entanto, se esse descumprimento ocorreu no dia
04/04/2018 ou em data posterior, o sujeito incide no crime tipificado no art.
24-A da Lei Maria da Penha.
Márcio André Lopes Cavalcante
Juiz Federal.
Foi Defensor Público,
Promotor de Justiça e Procurador do Estado.