Dizer o Direito

quarta-feira, 4 de abril de 2018

Comentários ao novo tipo penal do art. 24-A da Lei Maria da Penha



Olá amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada hoje (04/04/2018) mais uma novidade legislativa.

Trata-se da Lei nº 13.641/2018, que altera a Lei Maria da Penha e torna crime a conduta do autor da violência que descumpre as medidas protetivas de urgência impostas pelo juiz.

Vamos entender melhor o tema com um exemplo:
Maria decidiu se separar de João. Este, contudo, continuou a procurá-la insistentemente e a fazer ameaças caso ela não reatasse o relacionamento.
Diante disso, Maria procurou a Delegacia pedindo que fossem tomadas providências.
A autoridade policial lavrou o boletim de ocorrência e enviou um expediente ao juiz com o pedido de Maria para que João não se aproximasse mais dela (art. 12, III, da Lei nº 11.340/2006).
O juiz deferiu o pedido da ofendida e determinou, como medidas protetivas de urgência, que João mantivesse distância mínima de 500 metros de Maria e não tentasse nenhum contato com ela por qualquer meio de comunicação (art. 22, III, “a” e “b”).
Na decisão, o magistrado consignou ainda que, em caso de descumprimento de quaisquer das medidas impostas, seria aplicada ao requerido multa diária de R$ 100, conforme previsto no § 4º, do art. 22 da Lei nº 11.340/2006.
João foi regularmente intimado. Apesar disso, uma semana depois procurou Maria em seu local de trabalho, fazendo novas ameaças.

Quais consequências poderão ser impostas a João pelo descumprimento da medida protetiva?
• a execução da multa imposta; e
• a decretação de sua prisão preventiva (art. 313, III, do CPP).

João também poderia ser processado criminalmente? A conduta de descumprir medida protetiva de urgência configura crime?
A questão tem que ser analisada antes e depois da Lei nº 13.641/2018.

ANTES da Lei nº 13.641/2018: NÃO
Antes da alteração legislativa, o STJ entendia que:
O descumprimento de medida protetiva de urgência prevista na Lei Maria da Penha (art. 22 da Lei 11.340/2006) não configurava infração penal.

Neste caso, o agente não poderia responder nem mesmo por crime de desobediência (art. 330 do CP)?
Também não. Nesse sentido:
STJ. 5ª Turma. REsp 1.374.653-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. em 11/3/2014 (Info 538).
STJ. 6ª Turma. RHC 41.970-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, j. em 7/8/2014 (Info 544).

Por quê?
O STJ entende que não há crime de desobediência quando a pessoa desatende a ordem e existe alguma lei prevendo uma sanção civil, administrativa ou processual penal para esse descumprimento sem ressalvar que poderá haver também a sanção criminal.

Explicando melhor:
• Regra: se na Lei houver previsão de sanção civil ou administrativa para o caso de descumprimento da ordem dada, não se configura o crime de desobediência.
• Exceção: haverá delito de desobediência se na Lei, além da sanção civil ou administrativa, expressamente constar uma ressalva de que não se exclui a sanção penal.

Ex.1: Marcelo foi parado em uma blitz. O agente de trânsito determinou que ele apresentasse a habilitação e o documento do veículo, tendo Marcelo se recusado a fazê-lo. Marcelo não cometeu crime de desobediência porque o art. 238 do Código de Trânsito já prevê punições administrativas para essa conduta (infração gravíssima, multa e apreensão do veículo), sem ressalvar a possibilidade de aplicação de sanção penal.

Ex.2: Gutemberg foi intimado para testemunhar em uma ação penal, tendo, no entanto, sem justificativa, deixado de comparecer ao ato processual. Gutemberg cometeu o crime de desobediência. O CPP determina que o juiz poderá aplicar multa e condená-lo a pagar as custas da diligência, sem prejuízo do processo penal por crime de desobediência (art. 219). Assim, a Lei (no caso, o CPP) prevê punições civis, ressalvando, no entanto, que elas poderão ser aplicadas juntamente com a condenação criminal.

Ex.3: Cleôncio foi intimado para testemunhar em uma ação de indenização por danos morais, tendo, no entanto, sem justificativa, deixado de comparecer ao ato processual. Cleôncio não cometeu o crime de desobediência. O CPC prevê que a testemunha faltosa será conduzida coercitivamente e condenada a pagar as despesas do adiamento do ato (art. 455, § 5º). Contudo, a Lei (no caso, o CPC) não prevê a possibilidade de tais sanções cíveis serem aplicadas juntamente com a punição pelo crime de desobediência.

E no caso da Lei Maria da Penha?
A Lei nº 11.340/2006 previa que o descumprimento da medida protetiva gerava consequências cíveis (multa) e processuais penais (prisão cautelar), mas não ressalvava a possibilidade de o agente responder também criminalmente. Logo, seguindo o raciocínio acima, não se podia condenar o agente por crime de desobediência.
Nesse sentido:
(...) 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que para a caracterização do crime de desobediência não é suficiente o simples descumprimento de decisão judicial, sendo necessário que não exista previsão de sanção específica.
2. A Lei n. 11.340/06 determina que, havendo descumprimento das medidas protetivas de urgência, é possível a requisição de força policial, a imposição de multas, entre outras sanções, não havendo ressalva expressa no sentido da aplicação cumulativa do art. 330 do Código Penal.
3. Ademais, há previsão no art. 313, III, do Código de Processo Penal, quanto à admissão da prisão preventiva para garantir a execução de medidas protetivas de urgência nas hipóteses em que o delito envolver violência doméstica.
4. Em respeito ao princípio da intervenção mínima, não há que se falar em tipicidade da conduta atribuída ao recorrido, na linha dos precedentes deste Sodalício. (...)
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1528271/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 13/10/2015.


DEPOIS da Lei nº 13.641/2018: SIM
A Lei nº 13.641/2018 alterou a Lei Maria da Penha e passou a prever como crime a conduta do agente que descumprir medida protetiva imposta.

O agente que descumprir a medida protetiva responderá por crime de desobediência (art. 330)?
NÃO. A Lei nº 13.641/2018 incluiu um novo crime, um tipo penal específico para essa conduta. Veja:

Do Crime de Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência
Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência
Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.

Assim, temos o seguinte cenário:


A conduta de descumprir medida protetiva de urgência
prevista na Lei Maria da Penha configura crime?

Antes da Lei nº 13.641/2018:
NÃO
Depois da Lei nº 13.641/2018 (atualmente): SIM
Antes da alteração, o STJ entendia que o descumprimento de medida protetiva de urgência prevista na Lei Maria da Penha (art. 22 da Lei 11.340/2006) não configurava infração penal.
O agente não respondia nem mesmo por crime de desobediência (art. 330 do CP).
Foi inserido novo tipo penal na Lei Maria da Penha prevendo como crime essa conduta:
Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.

Vejamos algumas características sobre o crime do art. 24-A da Lei Maria da Penha:

Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.

Sujeito ativo
Comete este delito a pessoa que descumpre a medida protetiva de urgência imposta com base na Lei Maria da Penha.

Homem ou mulher
Aqui cabe uma interessante observação: ao contrário do que muitos imaginam, o autor da violência doméstica não precisa ser necessariamente um homem. Assim, existem casos de violência doméstica praticados por mulheres. Ex: filha contra mãe (STJ HC 277.561/AL).
A exigência é de que a vítima seja mulher, mas o agressor pode ser homem ou mulher.
Isso significa que o sujeito ativo do crime do art. 24-A da Lei Maria da Penha pode ser homem ou mulher. É o caso, por exemplo, da nora que agride a sogra. Se o juiz impuser que a nora não se aproxime da sogra e a nora descumprir essa ordem, responderá prelo crime do art. 24-A.

Partícipes
O indivíduo poderá responder por este delito, na qualidade de partícipe, mesmo sem ser o autor da violência doméstica.
Ex: o juiz determina que João mantenha distância mínima de 500 metros de Maria (sua ex-esposa) e não tente nenhum contato com ela por qualquer meio de comunicação (art. 22, III, “a” e “b”). O irmão de João, mesmo sabendo dessa proibição, envia para Maria, pelo seu número do whatsapp, um áudio do agressor no qual ele tenta a reconciliação com a vítima.

Sujeito passivo
O sujeito passivo é o Estado. A vítima mediata ou secundária é o juiz que expediu a ordem.
Muita atenção porque a vítima do crime do art. 24-A não é a vítima da violência doméstica.

Tipo objetivo

Descumprir: consiste em desobedecer, ou seja, não atender, não cumprir a decisão judicial.

Ação ou omissão: vale ressaltar que esse crime poderá ser praticado mediante conduta comissiva (ex: aproximar-se da vítima mesmo havendo uma proibição) ou omissiva (ex: não pagar os alimentos provisórios fixados pelo juiz como medida protetiva).

Decisão judicial: deve-se entender em sentido amplo, abrangendo tanto decisões interlocutórias como eventualmente uma sentença ou acórdão no qual seja fixada a medida protetiva. A decisão pode ser de 1ª instância ou de Tribunal (colegiada ou monocrática).

Medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha:
As medidas protetivas de urgência estão previstas nos arts. 22 a 24 da Lei nº 11.340/2006.
Esse rol é exemplificativo e o juiz poderá aplicar outras medidas não expressamente listadas na Lei Maria da Penha.
Vale ressaltar, no entanto, que o crime do art. 24-A somente se verifica se o agente descumprir uma medida protetiva prevista na Lei nº 11.340/2006. Se o sujeito descumprir medida protetiva atípica, ou seja, não prevista expressamente na Lei Maria da Penha, não haverá o crime do art. 24-A.

Reserva de jurisdição
Importante esclarecer que apenas o juiz (ou Tribunal) pode impor as medidas protetivas de urgência. A autoridade policial ou o membro do Ministério Público não gozam dessa possibilidade.

Desobediência
O art. 24-A é um tipo especial de desobediência (art. 330 do CP).

Tipo subjetivo
O crime é punido a título de dolo.
O dolo, no caso, consiste na vontade livre e consciente de descumprir decisão judicial que defere medida protetiva de urgência baseada na Lei Maria da Penha.
Obviamente, para que haja o crime, é indispensável que o agente saiba da existência da decisão judicial deferindo a medida protetiva.
Não há crime se o sujeito age com culpa. Ex: vai a uma festa de aniversário de amigos em comum e ali encontra a ex-mulher sendo que havia uma ordem de não aproximação.

Inexigibilidade de conduta diversa
Uma das medidas protetivas de urgência previstas na Lei é a “prestação de alimentos provisionais ou provisórios” à mulher (art. 22, V).
Se o agente não cumpre essa medida em virtude de impossibilidade econômica, não poderá ser punido pelo crime do art. 24-A, considerando que se trata de hipótese de inexigibilidade de conduta diversa, que consiste em causa excludente de culpabilidade.

Consumação
A medida protetiva pode consistir em uma ordem para que o agente faça alguma coisa ou para que não faça (não adote determinado comportamento).
Desse modo, o crime se consuma no momento em que o agente faz a conduta proibida na decisão judicial (ex: entra em contato com a ex-mulher, mesmo isso tendo sido proibido) ou, então, no instante em que termina o prazo que havia sido fixado para que o sujeito adotasse determinado comportamento (ex: juiz fixou o prazo de 24h para que o agressor deixasse a casa; após isso, sem cumprimento, o crime já terá se consumado).

Não se exige violência ou grave ameaça
O crime do art. 24-A pode se consumar mesmo que o sujeito ativo não tenha agido com violência ou grave ameaça. Ex: o juiz determinou que João, acusado de violência doméstica, não se aproxime menos que 500m da ex-mulher. O autor do fato, arrependido, procura a vítima chorando e com um buquê de rosas. Ele terá cometido o crime do art. 24-A.
Se houver violência ou grave ameaça, o agente poderá responder pelo delito do art. 24-A em concurso com outros delitos. Ex: se, o agente, que estava proibido de se aproximar da ex-mulher, procura-a e a ameaça de morte, ele responderá pelo delito do art. 24-A da Lei nº 11.340/2006 em concurso com o art. 147 do Código Penal.

Tentativa
Em tese, é possível na modalidade comissiva. Ex: o ex-marido, mesmo estando proibido de entrar em contato com a ex-mulher, envia-lhe uma carta, que é interceptada pela sogra.

Ação penal
A ação penal é pública incondicionada.

Habeas corpus
Cabe habeas corpus para apurar eventual ilegalidade na fixação de medida protetiva de urgência (STJ. 5ª Turma. HC 298.499-AL, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 1º/12/2015). Esse entendimento ganha força agora com a inclusão do art. 24-A à Lei Maria da Penha.

Único crime da Lei 11.340/2006
Ao contrário do que muitos pensam, a Lei Maria da Penha não previa crimes. Este diploma traz uma série de disposições processuais e também de direito civil.
O art. 24-A, agora inserido, é o único delito tipificado na Lei nº 11.340/2006.


§ 1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas.

As medidas protetivas de urgência da Lei nº 11.340/2006 não são exclusivas do processo penal. Isso significa que podem ser aplicadas em processos cíveis, independentemente da existência de inquérito policial ou processo criminal contra o suposto agressor.
A Lei Maria da Penha foi editada com o objetivo de ampliar os mecanismos jurídicos e estatais de proteção da mulher vítima de violência doméstica.
A referida Lei não se preocupa apenas com o viés da punição penal do agressor, sendo voltada também para a prevenção da violência, fornecendo, para tanto, instrumentos de natureza civil e administrativa.
Desse modo, para que a Lei consiga atender seus propósitos de prevenção, é possível que sejam determinadas medidas judiciais de natureza não criminal, mesmo porque a resposta penal estatal só é desencadeada depois que, concretamente, o ilícito penal é cometido, muitas vezes com consequências irreversíveis, como no caso de homicídio ou de lesões corporais graves ou gravíssimas.
Vale ressaltar que a definição de violência doméstica presente na Lei engloba situações que nem constituem crime, como o caso de “sofrimento psicológico”, “dano moral”, “diminuição da autoestima”, “manipulação” etc. Assim, fica ainda mais claro que a Lei não tem objetivos exclusivamente penais.
Foi isso que decidiu o STJ:
(...) 1. As medidas protetivas previstas na Lei n. 11.340/2006, observados os requisitos específicos para a concessão de cada uma, podem ser pleiteadas de forma autônoma para fins de cessação ou de acautelamento de violência doméstica contra a mulher, independentemente da existência, presente ou potencial, de processo-crime ou ação principal contra o suposto agressor.
2. Nessa hipótese, as medidas de urgência pleiteadas terão natureza de cautelar cível satisfativa, não se exigindo instrumentalidade a outro processo cível ou criminal, haja vista que não se busca necessariamente garantir a eficácia prática da tutela principal. "O fim das medidas protetivas é proteger direitos fundamentais, evitando a continuidade da violência e das situações que a favorecem. Não são, necessariamente, preparatórias de qualquer ação judicial. Não visam processos, mas pessoas" (DIAS. Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012). (...)
STJ. 4ª Turma. REsp 1419421/GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/02/2014.

Confirmando essa natureza e a fim de que não houvesse dúvidas quanto à tipificação, o legislador previu expressamente que também haverá o crime do art. 24-A se o sujeito descumprir medida protetiva imposta em processo cível.


§ 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança.

Fiança é...
- uma caução em dinheiro ou outros bens (garantia real)
- prestada em favor do indiciado ou réu
- para que ele possa responder o inquérito ou o processo em liberdade
- devendo cumprir determinadas obrigações processuais
- sob pena de a fiança ser considerada quebrada
- e ele ser preso cautelarmente.

A fiança pode ser fixada isoladamente ou em conjunto com outras medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, a fim de que seja evitada a prisão preventiva.

A fiança pode ser concedida:
• Durante o inquérito policial;
• No curso do processo criminal, enquanto não tiver transitado em julgado a sentença condenatória (art. 334).

Como regra geral, quem concede a fiança?
A fiança poderá ser concedida pelo(a):
Delegado de Polícia
Autoridade judiciária
• Em até 24 horas após a prisão em flagrante.
• Desde que a pena máxima prevista seja de até 4 anos.
• A qualquer momento (durante o IP ou no curso do processo), mesmo que não se trate de prisão em flagrante.
• Não importa a pena prevista.

Assim, em regra, se a pessoa for presa em flagrante e o crime tiver pena máxima de 4 anos, o próprio Delegado poderá arbitrar fiança e o flagranteado será solto. Vale mencionar que não importa se o crime é punido com detenção ou reclusão. Tanto faz. Sendo a pena de até 4 anos, a autoridade policial tem legitimidade para arbitrar a fiança.
Por outro lado, se o crime tiver pena superior a 4 anos, o flagranteado deverá requerer a concessão da fiança ao juiz, que decidirá o pedido em até 48 horas.
Essa regra encontra-se prevista no art. 322 do CPP:
Art. 322.  A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.
Parágrafo único.  Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.

Exceção
A Lei nº 13.641/2018, ao incluir esse § 2º, criou uma exceção à regra do art. 322 do CPP. Isso porque o § 2º proíbe que o Delegado de Polícia conceda fiança para o crime do art. 24-A a despeito desse delito ter pena máxima de 2 anos.

A situação, então, passa a ser a seguinte:
Delegado de Polícia pode conceder fiança?
Sim, desde que para crimes cuja pena máxima prevista seja de até 4 anos.
Exceção: o crime do art. 24-A da Lei Maria da Penha tem pena máxima de 2 anos, mas não admite fiança concedida pela autoridade policial.


§ 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis.

Como vimos, o descumprimento de medida protetiva pode ensejar:
• a execução da multa eventualmente imposta; e
• a decretação da prisão preventiva do autor.

O que este § 3º explicita é que tais consequências continuam acontecendo mesmo agora com a existência de um tipo penal específico para essa conduta.

QUESTÕES FINAIS

Aplica-se a Lei nº 9.099/95 para o crime do art. 24-A da Lei Maria da Penha?
A pena máxima do art. 24-A não ultrapassa dois anos, razão pela qual se trata de infração de menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei nº 9.099/95). Diante disso, indaga-se: é possível a da transação penal, da suspensão condicional do processo e dos demais benefícios da Lei nº 9.099/95 para o autor do crime do art. 24-A da Lei nº 11.340/2006?
O tema certamente gerará polêmica.
Particularmente, penso que deveria ser possível a aplicação das medidas despenalizadoras para o sujeito que praticar o crime do art. 24-A.
Devemos relembrar que o réu que pratica violência doméstica ou familiar contra mulher não pode ser beneficiado com transação penal ou com suspensão condicional do processo. Isso porque a suspensão condicional do processo e a transação penal estão previstas na Lei nº 9.099/95 e a Lei Maria da Penha expressamente proíbe que se aplique a Lei nº 9.099/95 para os crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher. Veja:
Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Ocorre que o art. 24-A pode ser praticado sem violência contra a mulher. Desse modo, não vislumbro óbice à aplicação da Lei nº 9.099/95 para os autores deste delito.
Apesar disso, penso que essa posição não há de prevalecer.
A jurisprudência é extremamente refratária à aplicação de qualquer medida despenalizadora em se tratando de delitos que envolvam violência doméstica. Nesse sentido, cito, a título de exemplo, as súmulas 536, 542 e 588, todas do STJ:
Súmula 536-STJ: A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha.

Súmula 542-STJ: A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada.

Súmula 588-STJ: A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

A exegese relativa ao art. 24-A deve seguir a mesma linha.

Vale ressaltar, ainda, que a intenção do legislador, ainda que não expressa, parece ter sido a de não considerar o crime do art. 24-A como sendo infração de menor potencial ofensivo e de exclui-la do âmbito de incidência da Lei nº 9.099/95. Digo isso por conta do § 2º do art. 24-A, que preconiza o seguinte:
§ 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança.

Desse modo, implicitamente o legislador afirmou que é possível a prisão em flagrante no caso do crime do art. 24-A. Além disso, esse mesmo permitiu que o juiz exija fiança do sujeito que praticou o novo delito da Lei Maria da Penha. Assim, o § 2º do art. 24-A claramente determina que não se aplica o art. 69, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95, que diz:
Art. 69 (...)
Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima.

Em suma, penso que a interpretação que irá ser acolhida pelos Tribunais é no sentido de que o delito do art. 24-A da Lei Maria da Penha não se sujeita às disposições da Lei nº 9.099/95 e, portanto, podemos extrair algumas eventuais conclusões:
• admite-se a prisão em flagrante pela prática do crime do art. 24-A da Lei nº 11.340/2006;
• deverá ser instaurado inquérito policial para apurar essa infração (não sendo suficiente termo circunstanciado);
• é possível que seja exigida fiança para a liberdade do flagranteado.

Novatio legis in pejus
Vale ressaltar que a Lei nº 13.641/2018 é uma lei posterior mais gravosa. Isso porque, como vimos, antes da sua edição, entendia-se que a conduta de descumprir medida protetiva de urgência não era considerada crime.
Assim, se o agente descumpriu a medida protetiva até o dia 03/04/2018, ele não cometeu delito. No entanto, se esse descumprimento ocorreu no dia 04/04/2018 ou em data posterior, o sujeito incide no crime tipificado no art. 24-A da Lei Maria da Penha.


Márcio André Lopes Cavalcante
Juiz Federal.
Foi Defensor Público, Promotor de Justiça e Procurador do Estado.




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