Transgênero
Transgênero é o indivíduo que possui
características físicas sexuais distintas das características psíquicas.
É uma pessoa que não se
identifica com o seu gênero biológico.
A pessoa sente que ela nasceu no
corpo errado. Ex: o menino nasceu fisicamente como menino, mas ele se sente
como uma menina.
Assim, o transgênero tem um sexo
biológico, mas se sente como se fosse do sexo oposto e espera ser reconhecido e
aceito como tal.
Transexual
Da mesma forma, o transexual
também possui características físicas sexuais distintas das características
psíquicas. Ele também não se identifica com o seu gênero biológico.
Não existe ainda uma uniformidade
científica, no entanto, segundo a posição majoritária, a diferença entre o
transgênero e o transexual é a seguinte:
Resumindo:
• transgênero: quer poder se
expressar e ser reconhecido como sendo do sexo oposto, mas não tem necessidade
de modificar sua anatomia.
• transexual: quer poder se
expressar e ser reconhecido como sendo do sexo oposto e deseja modificar sua
anatomia (seu corpo) por meio da terapia hormonal e/ou da cirurgia de
redesignação sexual (transgenitalização).
Identidade de gênero
Significa a maneira como alguém
se sente e a maneira como deseja ser reconhecida pelas demais pessoas,
independentemente do seu sexo biológico.
“A identidade de gênero se refere
à experiência de uma pessoa com o seu próprio gênero. Pessoas transgênero
possuem uma identidade de gênero que é diferente do sexo que lhes foi designado
no momento de seu nascimento.
Uma pessoa transgênero ou trans
pode identificar-se como homem, mulher, trans-homem, trans-mulher, como pessoa
não-binária ou com outros termos, tais como hijra, terceiro gênero,
dois-espíritos, travesti,
fa’afafine, gênero queer,
transpinoy, muxe, waria e meti. Identidade de gênero é diferente de orientação
sexual. Pessoas trans podem ter
qualquer orientação sexual, incluindo heterossexual, homossexual, bissexual e
assexual.” (Nota Informativa das Nações Unidas. Disponível em https://unfe.org/system/unfe-91-Portugese_TransFact_FINAL.pdf?platform=hootsuite)
Se o transexual faz a cirurgia de
transgenitalização, ele poderá alterar o prenome e o sexo/gênero nos assentos
do registro civil?
SIM. Essa possibilidade já foi
reconhecida há muitos anos pelo STJ:
(...) A interpretação conjugada dos
arts. 55 e 58 da Lei n. 6.015/73 confere amparo legal para que transexual
operado obtenha autorização judicial para a alteração de seu prenome,
substituindo-o por apelido público e notório pelo qual é conhecido no meio em
que vive. (...)
STJ. 4ª Turma. REsp 737.993/MG, Rel.
Min. João Otávio de Noronha, julgado em 10/11/2009.
Sendo realizada a retificação do
registro, os documentos serão alterados e neles não constará nenhuma menção quanto
à troca do sexo.
E se não foi feita a cirurgia? Imagine
a seguinte situação hipotética:
Mário, pessoa maior de idade que
se identifica como transgênero mulher, ajuizou ação de retificação de registro
de nascimento para troca do prenome e do sexo masculino para o feminino.
Na inicial, narrou que, desde
tenra idade, embora nascida com a genitália masculina e nesse gênero
registrada, sempre demonstrara atitudes de criança do sexo feminino.
Afirmou que foi diagnosticada
como portadora de "transtorno de identidade de gênero".
Mário nunca realizou a cirurgia
de transgenitalização.
Alegou que sofre muitos
transtornos porque sente-se como mulher, veste-se como mulher, mas os dados que
constam em seus documentos são masculinos (nome e sexo).
Na ação, Mário pediu para que seu
prenome seja alterado para Mariana e seu sexo para feminino. Contudo, o
empecilho que encontrou foi pelo fato de que não fez a cirurgia de
transgenitalização nem deseja realizar.
A questão jurídica enfrentada,
portanto, pelo STJ foi a seguinte: é possível que o transgênero altere seu nome
e o gênero no assento de registro civil mesmo que não faça a cirurgia de
transgenitalização?
SIM. Inicialmente
o STJ decidiu que:
O
direito dos transexuais à retificação do prenome e do sexo/gênero no registro
civil não é condicionado à exigência de realização da cirurgia de
transgenitalização.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.626.739-RS, Rel.
Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 9/5/2017 (Info 608).
Agora, o STF avançou sobre o tema e, de forma mais
ampla, utilizou a expressão transgênero, afirmando que:
Os
transgêneros, que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de
transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou
patologizantes, possuem o direito à alteração do prenome e do gênero (sexo)
diretamente no registro civil.
STF. Plenário. ADI 4275/DF, rel. orig.
Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 28/2 e
1º/3/2018 (Info 892).
Premissas da decisão do STF:
1) O direito à igualdade sem
discriminações abrange a identidade ou a expressão de gênero. O respeito à
identidade de gênero é uma decorrência do princípio da igualdade.
2) A identidade de gênero é uma manifestação
da própria personalidade da pessoa humana. Logo, cabe ao Estado apenas o papel
de reconhecê-la, nunca de constituí-la. Isso significa que o Estado não diz o
gênero da pessoa, ele deve apenas reconhecer o gênero que a pessoa se enxerga.
3) A pessoa não deve provar o que
é, e o Estado não deve condicionar a expressão da identidade a qualquer tipo de
modelo, ainda que meramente procedimental. Assim, se cabe ao Estado apenas o
reconhecimento dessa identidade, ele não pode exigir ou condicionar a livre
expressão da personalidade a um procedimento médico ou laudo psicológico. A
alteração dos assentos no registro público depende apenas da livre manifestação
de vontade da pessoa que visa expressar sua identidade de gênero.
Fundamentos jurídicos:
Constituição Federal
• direito à dignidade (art. 1º,
III, da CF);
• direito à intimidade, à vida
privada, à honra e à imagem (art. 5º, X, da CF).
Pacto de São José da Costa Rica
• direito ao nome (artigo 18);
• direito ao reconhecimento da
personalidade jurídica (artigo 3);
• direito à liberdade pessoal
(artigo 7.1 do Pacto);
• o direito à honra e à dignidade
(artigo 11.2 do Pacto).
Opinião Consultiva 24/17 da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, sobre “Identidade de Gênero e Igualdade e
Não Discriminação a Casais dos Mesmo Sexo”, publicada em 24.11.2017, na qual se
definiram as obrigações estatais em relação à mudança de nome, à identidade de
gênero e os direitos derivadas de um vínculo entre casais do mesmo sexo. Veja
trecho da Opinião Consultiva:
“(...) a Corte Interamericana
deixa estabelecido que a orientação sexual e a identidade de gênero, assim como
a expressão de gênero, são categorias protegidas pela Convenção.
Por isso está proibida pela
Convenção qualquer norma, ato ou prática discriminatória baseada na orientação
sexual, identidade de gênero ou expressão de gênero da pessoa. Em consequência,
nenhuma norma, decisão ou prática do direito interno, seja por parte das autoridades
estatais ou por particulares, podem diminuir ou restringir, de modo algum, os
direitos de uma pessoa à sua orientação sexual, sua identidade de gênero e/ ou
sua expressão de gênero”. (par. 78).
“O reconhecimento da identidade
de gênero pelo Estado é de vital importância para garantir o gozo pleno dos
direitos humanos das pessoas trans, incluindo a proteção contra a violência, a
tortura e maus tratos, o direito à saúde, à educação, ao emprego, à vivência,
ao acesso a seguridade social, assim como o direito à liberdade de expressão e
de associação.”
Interpretação conforme a
Constituição e o Pacto de São José da Costa Rica
O art. 58 da
Lei nº 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos) prevê:
Art. 58. O prenome será definitivo,
admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.
Exigir cirurgia ou outros
procedimentos é contrário à dignidade da pessoa humana
O Estado deve abster-se de
interferir em condutas que não prejudicam a terceiros e, ao mesmo tempo, buscar
viabilizar as concepções e os planos de vida dos indivíduos, preservando a
neutralidade estatal.
Mostra-se contrário aos
princípios da dignidade da pessoa humana, da integridade física e da autonomia
da vontade condicionar o exercício do legítimo direito à identidade à
realização de um procedimento cirúrgico ou de qualquer outro meio de se atestar
a identidade de uma pessoa.
Inadmitir a alteração do gênero
no assento de registro civil é atitude absolutamente violadora de sua dignidade
e de sua liberdade de ser, na medida em que não reconhece sua identidade
sexual, negando-lhe o pleno exercício de sua afirmação pública.
Opinião Consultiva
Conforme consta da Opinião
Consultiva 24/17 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, os Estados
(países) têm a possibilidade de decidir qual é o procedimento que será adotado
para a retificação do sexo ou nos registros e documentos. No entanto, segundo a
Opinão, o procedimento de alteração adotado pelo Estado (inclusive o Brasil)
deve cumprir os seguintes requisitos:
a) o procedimento deve respeitar
a identidade de gênero auto-percebida pela pessoa requerente;
b) deve estar baseado unicamente
no consentimento livre e informado do solicitante sem que se exijam requisitos
como certificações médicas ou psicológicas ou outros que possam resultar
irrazoáveis ou patologizantes;
c) deve ser confidencial e os documentos
não podem fazer remissão às eventuais alterações;
d) deve ser expedito (célere), e
na medida do possível, gratuito; e
e) não deve exigir a realização
de operações cirúrgicas ou hormonais.
O Colegiado assentou seu
entendimento nos princípios da dignidade da pessoa humana, da inviolabilidade
da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, bem como no Pacto de São
José da Costa Rica.
Vimos acima que o transgênero não
precisa fazer cirurgia para requerer a alteração do prenome e do sexo. Ok. Uma
última pergunta, apenas para não ficar dúvidas: a pessoa transgênera precisa de
autorização judicial para essa alteração?
NÃO. O STF entendeu que exigir do
transgênero a via jurisdicional para realizar essa alteração representaria
limitante incompatível com a proteção que se deve dar à identidade de gênero.
O pedido de retificação é baseado
unicamente no consentimento livre e informado do solicitante, sem a necessidade
de comprovar nada.