terça-feira, 6 de março de 2018
Qual é o valor máximo considerado insignificante no caso de crimes tributários e descaminho?
terça-feira, 6 de março de 2018
O princípio da
insignificância pode ser aplicado no caso de crimes tributários e no descaminho?
SIM. É plenamente
possível que incida o princípio da insignificância tanto nos crimes contra a
ordem tributária previstos na Lei nº 8.137/90 como também no caso do descaminho
(art. 334 do CP).
O descaminho é também
considerado um crime contra a ordem tributária, apesar de estar previsto no
art. 334 do Código Penal e não na Lei nº 8.137/90.
Existe algum limite
máximo de valor para que possa ser aplicado o princípio da insignificância nos
crimes tributários?
SIM. A jurisprudência
criou a tese de que nos crimes tributários, para decidir se incide ou não o
princípio da insignificância, será necessário analisar, no caso concreto, o
valor dos tributos que deixaram de ser pagos.
E qual é, então, o
valor máximo considerado insignificante no caso de crimes tributários?
Tradicionalmente, esse
valor era de 10 mil reais.
Assim, se o montante do
tributo que deixou de ser pago era igual ou inferior a 10 mil reais, não havia
crime tributário, aplicando-se o princípio da insignificância.
Qual era o parâmetro
para se chegar a esse valor?
Esse valor foi fixado
pela jurisprudência tendo como base o art. 20 da Lei n.° 10.522/2002, que
determina o arquivamento das execuções fiscais cujo valor consolidado for igual
ou inferior a R$ 10.000,00. Em outros termos, a Lei determina que, até o valor
de 10 mil reais, os débitos inscritos como Dívida Ativa da União não serão
executados.
Segundo a
jurisprudência, não há sentido lógico permitir que alguém seja processado
criminalmente pela falta de recolhimento de um tributo que nem sequer será
cobrado no âmbito administrativo-tributário.
Nesse caso, o direito
penal deixaria de ser a ultima ratio.
Esse valor de 10 mil
reais permanece ainda hoje?
NÃO. Recentemente, foi
publicada a Portaria MF nº 75, de 29/03/2012, na qual o Ministro da Fazenda
determinou, em seu art. 1º, inciso II, “o
não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo
valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).”
Desse modo, o Poder
Executivo “atualizou” o valor previsto no art. 20 da Lei n.° 10.522/2002 e passou a
dizer que não mais deveriam ser executadas as dívidas de até 20 mil reais.
Em outras palavras, a
Portaria MF 75/2012 “aumentou” o valor considerado insignificante para fins de
execução fiscal. Agora, abaixo de 20 mil reais, não interessa à Fazenda
Nacional executar (antes esse valor era 10 mil reais).
Diante desse aumento
produzido pela Portaria, começou a ser defendida a tese de que o novo parâmetro
para análise da insignificância penal nos crimes tributários passou de 10 mil
reais (de acordo com o art. 20 da Lei n.°
10.522/2002) para 20 mil reais (com base na Portaria MF 75).
A jurisprudência
acolheu essa tese?
STF: SIM, de imediato.
Para o STF, o fato de as Portarias 75 e 130/2012 do
Ministério da Fazenda terem aumentado o patamar de 10 mil reais para 20 mil
reais produz efeitos penais.
Logo, o novo valor máximo para fins de aplicação do
princípio da insignificância nos crimes tributários passou a ser de 20 mil
reais.
Precedentes:
STF. 1ª Turma. HC 120617, Rel. Min. Rosa Weber,
julgado em 04/02/2014.
STF. 2ª Turma. HC 120620/RS e HC 121322/PR, Rel.
Min. Ricardo Lewandowski, julgados em 18/2/2014.
STJ:
relutou durante anos para aceitar a tese.
O STJ, durante anos,
ficou decidindo que o valor de 20 mil reais, estabelecido pela Portaria MF nº
75/12 como limite mínimo para a execução de débitos contra a União, não poderia
ser considerado para efeitos penais (não deveria ser utilizado como novo
patamar de insignificância).
O Tribunal apontava dois
argumentos principais:
i) a opção da
autoridade fazendária sobre o que deve ou não ser objeto de execução fiscal não
pode ter a força de subordinar o exercício da jurisdição penal;
ii) não é possível
majorar o parâmetro previsto no art. 20 da Lei nº 10.522/2002 por meio de uma
portaria do Ministro da Fazenda. A portaria emanada do Poder Executivo não
possui força normativa passível de revogar ou modificar lei em sentido estrito.
Em suma, para o STJ, o valor máximo para aplicação
do princípio da insignificância no caso de crimes contra a ordem tributária
(incluindo o descaminho) continuava sendo de 10 mil reais.
Nesse sentido:
AgRg no AREsp 331.852/PR, j. em 11/02/2014
AgRg no AREsp 303.906/RS, j. em 06/02/2014
Qual
é a novidade sobre o tema?
O STJ curvou-se ao entendimento do STF.
O STJ, vendo que as suas decisões
estavam sendo reformadas pelo STF, decidiu alinhar-se à posição do Supremo e
passou a também entender que o limite para a aplicação do princípio da insignificância
nos crimes tributários e no descaminho subiu realmente para R$ 20 mil.
O tema foi decidido sob a
sistemática do recurso repetitivo e fixou-se a seguinte tese:
Incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e
de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de
R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n.
10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas
do Ministério da Fazenda.
STJ. 3ª Seção. REsp
1.709.029/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 28/02/2018 (recurso
repetitivo).
Em
suma, qual é o valor máximo considerado insignificante no caso de crimes
tributários e descaminho?
Tanto para o STF como o STJ: 20
mil reais (conforme as Portarias 75 e 132/2012 do MF).
Esse valor deve ser calculado
quando? No momento da sentença, ele deve ser atualizado com juros e correção
monetária para saber se passa do teto de R$ 20 mil?
NÃO. Para se verificar a
insignificância da conduta, deve-se levar em consideração o valor do crédito
tributário apurado originalmente no procedimento de lançamento.
Assim, os juros, a correção
monetária e eventuais multas de ofício que incidem sobre o crédito tributário
quando ele é cobrado em execução fiscal não devem ser considerados para fins de
cálculo do princípio da insignificância.
STJ. 5ª Turma. RHC 74.756/PR,
Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 13/12/2016.
Para o STF é possível aplicar o
novo limite (de 20 mil reais) mesmo que o fato tenha ocorrido antes da Portaria
75/2012?
SIM. Para o STF, o
limite imposto por essa portaria (20 mil reais) pode ser aplicado de forma
retroativa para fatos anteriores à sua edição considerando que se trata de
norma mais benéfica (STF. 2ª Turma. HC 122213, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
Segunda Turma, julgado em 27/05/2014).
Esse valor é
considerado insignificante tanto no caso de crimes envolvendo tributos
federais, como também estaduais e municipais?
NÃO. Esse parâmetro
vale, a princípio, apenas para os crimes que se relacionam a tributos federais,
considerando que é baseado no art. 20 da Lei n.° 10.522/2002, que trata dos tributos federais.
Assim, esse é o valor que a União considera insignificante.
Para fins de crimes de
sonegação fiscal que envolvam tributos estaduais ou municipais, deve ser
analisado se há lei estadual ou municipal dispensando a execução fiscal no caso
de tributos abaixo de determinado valor. Esse será o parâmetro para a
insignificância. Veja como decidiu o STJ:
(...) 4. Para a
aplicação do referido entendimento aos tributos que não sejam da competência da
União, seria necessária a existência de lei estadual no mesmo sentido, até
porque à arrecadação da Fazenda Nacional não se equipara a das Fazendas
estaduais. Precedentes e doutrina.
5. Inviável a aplicação
do referido entendimento ao caso em análise, no qual o paciente foi denunciado
por, em tese, suprimir o valor de R$ 819,00 (oitocentos e dezenove reais) de
Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de competência dos
estados, de acordo com o art. 155, II, da Constituição Federal.
6. Um dos requisitos
indispensáveis à aplicação do princípio da insignificância é a inexpressividade
da lesão jurídica provocada, que pode se alterar de acordo com o sujeito
passivo, situação que reforça a impossibilidade de se aplicar referido
entendimento de forma indiscriminada à sonegação dos tributos de competência
dos diversos entes federativos da União. (...)
STJ. 6ª Turma. HC
165003/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 20/03/2014 (Info 540).
E o contrabando? Podemos aplicar esse entendimento acima explicado para
o contrabando?
NÃO. Não se aplica o princípio da insignificância ao crime
de contrabando, uma vez que o bem juridicamente tutelado vai além do mero valor
pecuniário do imposto elidido, alcançando também o interesse estatal de impedir
a entrada e a comercialização de produtos proibidos em território nacional.
Trata-se, assi, de um delito pluriofensivo.
Nesse sentido: STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1472745/PR, Rel.
Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 01/09/2015.
O caso mais comum e que pode cair na sua prova é o de
contrabando de cigarros.
Por que se aplica o princípio da insignificância para o descaminho, mas
não para o contrabando?
No delito de contrabando, o objeto material sobre o qual
recai a conduta criminosa é a mercadoria PROIBIDA (proibição absoluta ou
relativa). Em outras palavras, o objetivo precípuo dessa tipificação legal é
evitar o fomento de transporte e comercialização de produtos proibidos por lei.
No contrabando não se cuida, tão somente, de sopesar o
caráter pecuniário do imposto sonegado, mas principalmente, de tutelar, entre
outros bens jurídicos, a saúde pública.
Em suma, no contrabando, o desvalor da conduta é maior,
razão pela qual se deve afastar a aplicação do princípio da insignificância.
Veja:
O princípio da insignificância não
incide na hipótese de contrabando de cigarros, tendo em vista que “não é o
valor material que se considera na espécie, mas os valores ético-jurídicos que
o sistema normativo-penal resguarda.
STF. 2ª Turma. HC 118.359, Min. Cármen
Lúcia, DJ 11/11/2013.
Em sede de contrabando, ou seja,
importação ou exportação de mercadoria proibida, em que, para além da sonegação
tributária há lesão à moral, higiene, segurança e saúde pública, não há como
excluir a tipicidade material tão-somente à vista do valor da evasão fiscal,
ainda que eventualmente possível, em tese, a exclusão do crime, mas em face da
mínima lesão provocada ao bem jurídico ali tutelado, gize-se, a moral, saúde,
higiene e segurança pública.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1418011/PR, Rel.
Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 03/12/2013.