Imagine a seguinte situação
hipotética:
Lucas é filho de João e Maria.
Maria matriculou Lucas em uma
escola particular e, para tanto, teve que assinar um contrato de prestação de
serviços educacionais, comprometendo-se as pagar as mensalidades.
O ano terminou e Maria ficou devendo
o pagamento de 5 mensalidades.
A escola chamou a mãe de Lucas
para renegociar o débito, tendo ela assinado um termo de confissão de dívida e,
em troca, o colégio aceitou receber apenas 4 parcelas.
Ocorre que, passado o prazo,
essas 4 prestações também não foram pagas, razão pela qual a escola ingressou
com execução de título executivo extrajudicial contra Maria.
No curso da execução, não foram
localizados bens penhoráveis da executada.
Diante disso, a escola
(exequente) requereu que a execução fosse redirecionada contra João.
O juiz negou o pedido afirmando
que o contrato e o termo de confissão de dívida não foram assinados por João,
que nem sequer constava nesses instrumentos.
A questão chegou até o STJ. O
pedido formulado pela escola (exequente) pode ser acolhido pelo STJ?
SIM.
A
execução de título extrajudicial por inadimplemento de mensalidades escolares
de filhos do casal pode ser redirecionada ao outro consorte, ainda que não
esteja nominado nos instrumentos contratuais que deram origem à dívida.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.472.316-SP, Rel.
Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 05/12/2017 (Info 618).
Legitimidade passiva ordinária
para a execução
A legitimidade passiva ordinária
para a execução é daquele que estiver nominado no título executivo.
Assim, em regra, somente deve
figurar na execução aquele que consta no título executivo.
Vale ressaltar, no entanto, que aqueles
que se obrigam, por força da lei ou do contrato, solidariamente à satisfação de
determinadas obrigações, apesar de não nominados no título, possuem
legitimidade passiva extraordinária para a execução.
Solidariedade
do casal por dívidas contraídas para a administração do lar e para as
necessidades da família
O Código
Civil reconheceu a solidariedade entre os cônjuges em relação a determinadas
dívidas, mesmo quando contraídas por apenas um dos consortes. É o que está
disposto nos arts. 1.643 e 1.644:
Art. 1.643. Podem os cônjuges,
independentemente de autorização um do outro:
I - comprar, ainda a crédito, as coisas necessárias à economia doméstica;
II - obter, por empréstimo, as
quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir.
Art. 1.644. As dívidas contraídas para
os fins do artigo antecedente obrigam solidariamente ambos os cônjuges.
Nos arts. 1.643 e 1644 do Código
Civil, o legislador reconheceu que, pelas obrigações contraídas para a
manutenção da economia doméstica, e, assim, notadamente, em proveito da
entidade familiar, o casal responderá solidariamente, podendo-se postular a excussão
dos bens do legitimado ordinário e do coobrigado, extraordinariamente
legitimado.
Quando o art. 1.643 estabelece que
existe solidariedade entre os cônjuges quanto às dívidas contraídas para fazer
frente à economia doméstica, deve-se entender isso de forma ampla. Assim, estão
abrangidas na locução "economia doméstica" as obrigações assumidas
para a administração do lar e para a satisfação das necessidades da família, o
que inclui despesas alimentares, educacionais, culturais, de
lazer, de habitação etc.
Logo, as despesas contraídas por
um dos cônjuges para custear a educação do filho comum também podem ser
enquadradas nos arts. 1.643, I e 1.644 do CC.
A obrigação
relativa à manutenção dos filhos no ensino regular é, sem dúvida alguma, de
ambos os pais, o que é evidenciado pelo art. 55 do ECA:
Art. 55. Os pais ou responsável têm a
obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino.
Desse modo, deve-se entender que
a dívida que surge de um contrato de prestação de serviços educacionais aos
filhos é uma dívida comum do casal, havendo solidariedade entre eles.
Há essa solidariedade mesmo havendo
somente o nome de um dos cônjuges no contrato?
SIM. Em se tratando de dívida
contraída em benefício da família e no cumprimento do dever de ambos os pais
matricularem os seus filhos no ensino regular, não importa que apenas o nome de
um dos cônjuges esteja no contrato ou na confissão de dívida. Isso porque,
conforme já vimos, o Código Civil prevê que existe, neste caso, uma solidariedade
do casal.
Poder familiar implica dever de
sustento e educação dos filhos
Os pais, detentores do poder
familiar, têm o dever de garantir o sustento e a educação dos filhos,
compreendendo, aí, a manutenção do infante em ensino regular, pelo que deverão,
solidariamente, responder pelas mensalidades da escola em que matriculado o filho.
E se os pais estiverem
separados/divorciados? Suponhamos que João não mais estivesse casado (ou nunca
tivesse sido casado) com Maria, ainda assim teria legitimidade para figurar na
execução?
SIM. Por força do poder familiar.
Os pais, detentores do poder familiar, têm o dever de garantir o sustento e a
educação dos filhos, compreendendo, aí, a manutenção do infante em ensino
regular, pelo que deverão, solidariamente, responder pelas
mensalidades da escola em que matriculado o filho.
A obrigação
relativa à manutenção dos filhos no ensino regular é, sem dúvida alguma, de
ambos os pais, o que é evidenciado pelos arts. 21, 22 e 55 do ECA:
Art. 21. O poder familiar será
exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que
dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso
de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da
divergência.
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de
sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no
interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações
judiciais.
Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os
responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados
no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de
transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da
criança estabelecidos nesta Lei.
(...)
Art. 55. Os pais ou responsável têm a
obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino.
No mesmo
sentido é o Código Civil:
Art. 1.566. São deveres de ambos os
cônjuges:
(...)
IV - sustento, guarda e educação dos
filhos;
Assim, como já dito, ambos os
pais têm o dever de garantir o sustento e a educação dos filhos, compreendendo,
aí, também a manutenção do infante em ensino regular (art. 55 do ECA), pelo que
deverão, solidariamente, responder pelas mensalidades da escola em que
matriculado o filho.
Conforme pontua o Min. Paulo de
Tarso Sanseverino:
“Essa mútua
responsabilidade, própria das dívidas contraídas por apenas um dos pais para o
sustento do filho, não deixa de estar presente pelo fato de a dívida ter sido
contraída posteriormente à separação/divórcio, pois é no poder familiar que ela
encontra sua gênese.”