Dizer o Direito

sábado, 17 de março de 2018

Em que consiste o custos vulnerabilis?




A DPU patrocionou, como impetrante, um habeas corpus coletivo no STF pedindo que a Corte reconhecesse, de forma ampla e geral, que as presas grávidas ou com filhos menores de 12 anos possuem direito à prisão preventiva (STF. 2ª Turma. HC 143641/SP. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 20/2/2018. Info 891).
Várias Defensorias Públicas estaduais pediram para intervir no caso na condição de custos vulnerabilis.

Em que consiste o custos vulnerabilis?
Custos vulnerabilis significa “guardiã dos vulneráveis”.
Enquanto o Ministério Público atua como custos legis (fiscal ou guardião da ordem jurídica), a Defensoria Pública possui a função de custos vulnerabilis.
Assim, segundo a tese da Instituição, em todo e qualquer processo onde se discuta interesses dos vulneráveis seria possível a intervenção da Defensoria Pública, independentemente de haver ou não advogado particular constituído.
Quando a Defensoria Pública atua como custos vulnerabilis, a sua participação processual ocorre não como representante da parte em juízo, mas sim como protetor dos interesses dos necessitados em geral.
No âmbito das execuções penais, a Defensoria Pública argumenta que, desde 2010, existe previsão expressa na Lei nº 7.210/84 autorizando a intervenção da Instituição como custos vulnerabilis:
Art. 81-A. A Defensoria Pública velará pela regular execução da pena e da medida de segurança, oficiando, no processo executivo e nos incidentes da execução, para a defesa dos necessitados em todos os graus e instâncias, de forma individual e coletiva. (Incluído pela Lei nº 12.313/2010).

No âmbito cível, especificamente no caso das ações possessórias, o art. 554, § 1º do CPC é exemplo de intervenção custos vulnerabilis:
Art. 554. (...)
§ 1º No caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais, determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública.

Vale ressaltar que as duas previsões acima são exemplificativas, admitindo-se a intervenção defensoral como custos vulnerabilis em outras hipóteses. A Defensoria Pública defende, inclusive, que essa intervenção pode ocorrer mesmo em casos nos quais não há vulnerabilidade econômica, mas sim vulnerabilidade social, técnica, informacional, jurídica. É o caso, por exemplo, dos consumidores, das crianças e adolescentes, dos idosos, dos indígenas etc. Veja o que diz o ECA:
Art. 141. É garantido o acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, por qualquer de seus órgãos.

Assim, nos casos de outras espécies de vulnerabilidades, não importa se estamos tratando de pessoas economicamente necessitadas. As outras formas de vulnerabilidades já justificariam a intervenção do órgão na causa.

Como é a atuação do custos vulnerabilis?
A intervenção defensorial custos vulnerabilis tem o objetivo de trazer para os autos argumentos, documentos e outras informações que reflitam o ponto de vista das pessoas vulneráveis, permitindo que o juiz ou tribunal tenha mais subsídios para decidir a causa. É uma atuação da Defensoria Pública para que a voz dos vulneráveis seja amplificada. Em sentido semelhante: ROCHA, Jorge Bheron. A Defensoria como custös vulnerabilis e a advocacia privada. Disponível em https://www.conjur.com.br/2017-mai-23/tribuna-defensoria-defensoria-custos-vulnerabilis-advocacia-privada

O custos vulnerabilis é o mesmo que amicus curiae?
Ainda não há muito escrito sobre o tema, no entanto, a tese institucional da Defensoria Pública é a de que não.
Vejamos as principais diferenças:
Amicus curiae
Custos vulnerabilis
Pode intervir como amicus curiae qualquer pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada.
Somente a Defensoria Pública pode intervir como custos vulnerabilis.
Em regra, admite-se a intervenção do amicus curiae em qualquer tipo de processo, desde que:
a) a causa tenha relevância; e
b) a pessoa tenha capacidade de oferecer contribuição ao processo.
Admite-se a intervenção do custos vulnerabilis em qualquer processo no qual estejam sendo discutidos interesses de vulneráveis.
Em regra, o amicus curiae não pode recorrer.
Exceção 1: o amicus curiae pode opor embargos de declaração em qualquer processo que intervir (art. 138, § 1º do CPC/2015).
Exceção 2: o amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 138, § 3º do CPC/2015).
O custos vulnerabilis pode interpor qualquer espécie de recurso.

Em sentido semelhante, apontando outros aspectos: ROCHA, Jorge Bheron. A Defensoria como custös vulnerabilis e a advocacia privada. Disponível em https://www.conjur.com.br/2017-mai-23/tribuna-defensoria-defensoria-custos-vulnerabilis-advocacia-privada

No HC 143641/SP (HC coletivo em favor das mulheres presas), várias Defensorias Públicas ingressaram com pedidos para intervir como custos vulnerabilis. Subsidiariamente, pediram a intervenção como amicus curiae. O que o STF decidiu?
O Ministro Relator Ricardo Lewandowski, monocraticamente, admitiu a intervenção das Defensorias Públicas na qualidade de amicus curiae.
No despacho, o Ministro não enfrentou a temática acerca do custos vulnerabilis, tendo simplesmente admitido a intervenção de todos os postulantes como amici curiae (plural de amicus curiae). Veja:
“Defiro o ingresso, como amici curiae, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), o Instituto Terra Trabalho e Cidadania (ITTC) e a Pastoral Carcerária Nacional, bem como de todas as Defensorias Estaduais que vierem a requerer sua admissão nos autos. Anote-se.”
(STF. 2ª Turma. HC 143641/SP. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 20/2/2018. Info 891).

Desse modo, pelo menos por enquanto, não houve ainda a adoção expressa da figura do custos vulnerabilis pelo STF. É certo, contudo, que, em diversos casos, a Corte admite a intervenção da Defensoria Pública como amicus curiae nas causas que envolvem interesses de hipossuficientes.


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