NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
Código Florestal
A Lei nº 12.651/2012, que dispõe sobre a proteção da
vegetação nativa, ficou conhecida como sendo o novo Código Florestal.
Foram ajuizadas cinco ações discutindo a constitucionalidade
desta lei: uma ADC e quatro ADIs.
O STF realizou o julgamento conjunto dessas ações.
Resultado
O STF decidiu:
1) declarar a inconstitucionalidade das expressões “gestão
de resíduos” e “instalações necessárias à realização de competições esportivas estaduais,
nacionais ou internacionais”, contidas no art. 3º, VIII, b, do novo Código
Florestal;
2) dar interpretação conforme a Constituição ao art. 3º,
VIII e IX, de modo a se condicionar a intervenção excepcional em APP, por
interesse social ou utilidade pública, à inexistência de alternativa técnica
e/ou locacional à atividade proposta;
3) dar interpretação conforme a Constituição ao art. 3º,
XVII e ao art. 4º, IV, para fixar a interpretação de que os entornos das
nascentes e dos olhos d´água intermitentes configuram área de preservação
permanente;
4) declarar a inconstitucionalidade das expressões
“demarcadas” e “tituladas”, contidas no art. 3º, parágrafo único;
5) dar interpretação conforme a Constituição ao art. 48, §
2º, para permitir compensação apenas entre áreas com identidade ecológica;
6) dar interpretação conforme a Constituição ao art. 59, §§ 4º
e 5º, de modo a afastar, no decurso da execução dos termos de compromissos
subscritos nos programas de regularização ambiental, o risco de decadência ou
prescrição, seja dos ilícitos ambientais praticados antes de 22.7.2008, seja
das sanções deles decorrentes, aplicando-se extensivamente o disposto no § 1º
do art. 60 da Lei 12.651/2012, segundo o qual “a prescrição ficará interrompida
durante o período de suspensão da pretensão punitiva”;
7) que todos os demais dispositivos do novo Código Florestal
são constitucionais.
ANÁLISE DOS DISPOSITIVOS
DECLARADOS INCONSTITUCIONAIS
1) são inconstitucionais as expressões “gestão de resíduos” e
“instalações necessárias à realização de competições esportivas estaduais,
nacionais ou internacionais”, contidas no art. 3º, VIII, b, do Código Florestal
Veja o que diz a Lei:
Art. 3º Para os efeitos desta Lei,
entende-se por:
(...)
VIII - utilidade pública:
b) as obras de infraestrutura
destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário,
inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos
Municípios, saneamento, gestão de resíduos, energia,
telecomunicações, radiodifusão, instalações necessárias à realização de
competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais, bem como
mineração, exceto, neste último caso, a extração de areia, argila, saibro e
cascalho;
Esse conceito de “utilidade
pública” é utilizado em diversas partes da Lei nº 12.651/2012 com a finalidade
de excetuar a proteção às áreas de preservação permanente e de uso restrito.
Veja, por exemplo:
Art. 8º A intervenção ou a supressão
de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas
hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de
baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.
§ 1º A supressão de vegetação nativa
protetora de nascentes, dunas e restingas somente poderá
ser autorizada em caso de utilidade pública.
Art.
11. Em áreas de inclinação entre 25° e 45°, serão permitidos o manejo florestal
sustentável e o exercício de atividades agrossilvipastoris, bem como a
manutenção da infraestrutura física associada ao desenvolvimento das
atividades, observadas boas práticas agronômicas, sendo vedada a conversão de
novas áreas, excetuadas as hipóteses de utilidade pública
e interesse social.
Assim, em casos de utilidade pública seria possível a
“mitigação” da proteção ambiental.
Ocorre que o STF, concordando com os argumentos de um dos
autores da ADI (PSOL), entendeu que não se pode aceitar que um Estado, “ao qual
é imposta constitucionalmente a defesa e preservação do meio ambiente, conceba
a gestão de resíduos (construção de aterros sanitários) e o lazer como
hipóteses de intervenção e supressão de vegetação em áreas de preservação
permanente e em áreas de uso restrito”.
Em outras palavras, não se mostra compatível com o art. 225
da CF/88 autorizar-se a relativização da proteção da vegetação nativa protetora
de nascentes, por exemplo, para “gestão de resíduos” ou para a realização de
competições esportivas.
2) deve-se dar interpretação conforme a Constituição ao art. 3º, VIII e
IX, da Lei, de modo a se condicionar a intervenção excepcional em APP, por
interesse social ou utilidade pública, à inexistência de alternativa técnica
e/ou locacional à atividade proposta.
Veja o que diz a Lei:
Art. 3º Para os efeitos desta Lei,
entende-se por:
(...)
VIII - utilidade pública:
a) as atividades de segurança nacional
e proteção sanitária;
b) as obras de infraestrutura
destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário,
inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos
Municípios, saneamento, gestão de resíduos, energia, telecomunicações, radiodifusão,
instalações necessárias à realização de competições esportivas estaduais,
nacionais ou internacionais, bem como mineração, exceto, neste último caso, a
extração de areia, argila, saibro e cascalho;
c) atividades e obras de defesa civil;
d) atividades que comprovadamente
proporcionem melhorias na proteção das funções ambientais referidas no inciso
II deste artigo;
e) outras atividades similares
devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio,
quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto,
definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal;
IX - interesse social:
a) as atividades imprescindíveis à
proteção da integridade da vegetação nativa, tais como prevenção, combate e
controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de
plantios com espécies nativas;
b) a exploração agroflorestal
sustentável praticada na pequena propriedade ou posse rural familiar ou por
povos e comunidades tradicionais, desde que não descaracterize a cobertura
vegetal existente e não prejudique a função ambiental da área;
c) a implantação de infraestrutura
pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais e culturais ao ar
livre em áreas urbanas e rurais consolidadas, observadas as condições
estabelecidas nesta Lei;
d) a regularização fundiária de
assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda
em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei nº
11.977, de 7 de julho de 2009;
e) implantação de instalações
necessárias à captação e condução de água e de efluentes tratados para projetos
cujos recursos hídricos são partes integrantes e essenciais da atividade;
f) as atividades de pesquisa e
extração de areia, argila, saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade
competente;
g) outras atividades similares
devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio,
quando inexistir alternativa técnica e locacional à atividade proposta,
definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal;
Conforme já explicado no item
anterior, em casos de utilidade pública ou interesse social, seria possível a
“mitigação” da proteção ambiental, como no exemplo do art. 8º:
Art. 8º A intervenção ou a supressão
de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas
hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto
ambiental previstas nesta Lei.
§ 1º A supressão de vegetação nativa
protetora de nascentes, dunas e restingas somente poderá
ser autorizada em caso de utilidade pública.
A intervenção em áreas de preservação permanente deve ser
excepcional, a fim de evitar o comprometimento das funções ecológicas de tais
áreas.
Diante disso, o STF afirmou que essa previsão do art. 3º,
VIII e IX, é constitucional, mas que a interpretação a ser dada é a de que somente
pode haver intervenção em área de proteção permanente (APP) em casos
excepcionais e desde que comprovada a inexistência de alternativa técnica e/ou
locacional à atividade proposta.
3) deve-se dar interpretação conforme a Constituição ao art. 3º, XVII e
ao art. 4º, IV, para fixar a interpretação de que os entornos das nascentes e
dos olhos d´água intermitentes configuram área de preservação permanente.
Veja o que diz a Lei:
Art. 3º Para os efeitos desta Lei,
entende-se por:
(...)
XVII - nascente: afloramento natural
do lençol freático que apresenta perenidade e dá início a um curso d’água;
Art. 4º Considera-se Área de
Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
(...)
IV - as áreas no entorno das nascentes
e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio
mínimo de 50 (cinquenta) metros;
A definição de nascente envolve perenidade (característica
do que é perene = duradouro). Ocorre que o STF afirmou que não se pode negar
proteção também aos entornos das nascentes e dos olhos d´água intermitentes.
Assim, a interpretação deve ser a de que os entornos das
nascentes e dos olhos d´água, mesmo que intermitentes, também configuram área
de preservação permanente.
4) são inconstitucionais as expressões “demarcadas” e “tituladas”,
contidas no art. 3º, parágrafo único.
Veja o que diz a Lei:
Art. 3º Para os efeitos desta Lei,
entende-se por:
(...)
V - pequena propriedade ou posse rural
familiar: aquela explorada mediante o trabalho pessoal do agricultor familiar e
empreendedor familiar rural, incluindo os assentamentos e projetos de reforma
agrária, e que atenda ao disposto no art. 3º da Lei nº 11.326, de 24 de julho
de 2006;
(...)
Parágrafo único. Para os fins desta
Lei, estende-se o tratamento dispensado aos imóveis a que se refere o inciso V
deste artigo às propriedades e posses rurais com até 4 (quatro) módulos fiscais
que desenvolvam atividades agrossilvipastoris, bem como às terras indígenas demarcadas e às demais áreas tituladas
de povos e comunidades tradicionais que façam uso coletivo do seu território.
O Código Florestal, em diversos dispositivos, estabelece um
tratamento diferenciado para a “pequena propriedade ou posse rural familiar”.
Esse art. 3º, parágrafo único, confere o mesmo tratamento diferenciado às
terras indígenas demarcadas e demais áreas tituladas de povos e
comunidades tradicionais.
O STF declarou a inconstitucionalidade das expressões
“demarcadas” e “tituladas”, de forma que tais terras e áreas poderão receber o
tratamento diferenciado mesmo sem demarcação e titulação. Isso porque a
titulação do território das comunidades tradicionais e dos povos indígenas representa
uma mera “formalidade”, de caráter declaratório (e não constitutivo). Em outras
palavras, mesmo sem demarcação ou titulação, tais territórios já existem e
devem receber tratamento diferenciado independentemente dessas formalidades.
A exclusão dessas palavras foi, portanto, para beneficiar os
povos indígenas e as comunidades tradicionais.
5) deve-se dar interpretação conforme a Constituição ao art. 48, § 2º,
para permitir compensação apenas entre áreas com identidade ecológica.
Veja o que diz a Lei:
Art. 48. A CRA pode ser transferida, onerosa ou
gratuitamente, a pessoa física ou a pessoa jurídica de direito público ou
privado, mediante termo assinado pelo titular da CRA e pelo adquirente.
(...)
§ 2º A CRA só pode ser utilizada para
compensar Reserva Legal de imóvel rural situado no mesmo bioma da área à qual o
título está vinculado.
CRA é a sigla para Cota de Reserva Ambiental.
A compensação da Reserva Legal é um mecanismo previsto no
Código Florestal segundo o qual o proprietário ou possuidor que não estiver
cumprindo os percentuais de Reserva Legal em sua propriedade poderá regularizar
a situação adquirindo (comprando) CRAs.
Quem tem uma propriedade que cumpre os percentuais de
Reserva Legal e possui vegetação excedente (“a mais” do que exige a lei) pode
emitir CRA e quem tem déficit de Reserva Legal pode compensá-lo comprando CRA.
Nesse sentido: http://www.oeco.org.br/colunas/colunistas-convidados/decisao-do-stf-sobre-o-novo-codigo-florestal-enfraquece-a-cota-de-reserva-ambiental/.
O novo Código Florestal adotou o critério do bioma para fins
de compensação da Reserva Legal. Assim, o § 2º do art. 48 previu que a CRA pode
ser utilizada para compensar Reserva Legal de imóvel situado no mesmo bioma da
área à qual o título está vinculado. Em outras palavras, o proprietário que
quiser adquirir CRA deverá comprar de imóveis rurais situados no “mesmo bioma”.
O STF entendeu que a aquisição de uma área no mesmo bioma é
insuficiente como mecanismo de compensação. Isso porque pode acontecer de,
dentro de um mesmo bioma, existir uma alta heterogeneidade de formações
vegetais. Assim, pela redação legal, o proprietário poderia, dentro de um mesmo
bioma, “compensar” áreas com formações vegetais completamente diferentes, já
que, como dito, existe essa grande heterogeneidade.
Desse modo, o STF acolheu os argumentos técnicos no sentido
de que as compensações devem ser realizadas somente em áreas ecologicamente
equivalentes, considerando-se não apenas o mesmo bioma, mas também as
diferenças de composição de espécies e estrutura dos ecossistemas que ocorrem
dentro de cada bioma.
Em outras palavras, não basta que a área seja do mesmo
bioma, é necessário também que haja identidade ecológica entre elas.
6) deve-se dar interpretação conforme a Constituição ao art. 59, §§ 4º
e 5º, de modo a afastar, no decurso da execução dos termos de compromissos
subscritos nos programas de regularização ambiental, o risco de decadência ou
prescrição, seja dos ilícitos ambientais praticados antes de 22.7.2008, seja
das sanções deles decorrentes, aplicando-se extensivamente o disposto no § 1º
do art. 60 da Lei 12.651/2012, segundo o qual “a prescrição ficará interrompida
durante o período de suspensão da pretensão punitiva”.
O art. 59, §4º e 5º conferiu uma
espécie de anistia aos proprietários que cometeram ilícitos ambientais
relacionados com a supressão irregular de vegetação em Áreas de Preservação
Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito, desde que cumpridos alguns
requisitos. Confira:
Art. 59. A União, os Estados e o Distrito Federal
deverão, no prazo de 1 (um) ano, contado a partir da data da publicação desta
Lei, prorrogável por uma única vez, por igual período, por ato do Chefe do
Poder Executivo, implantar Programas de Regularização Ambiental - PRAs de
posses e propriedades rurais, com o objetivo de adequá-las aos termos deste
Capítulo.
(...)
§ 4º No período entre a publicação
desta Lei e a implantação do PRA em cada Estado e no Distrito Federal, bem como
após a adesão do interessado ao PRA e enquanto estiver sendo cumprido o termo
de compromisso, o proprietário ou possuidor não poderá ser autuado por
infrações cometidas antes de 22 de julho de 2008, relativas à supressão
irregular de vegetação em Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e
de uso restrito.
§ 5º A partir da assinatura do termo
de compromisso, serão suspensas as sanções decorrentes das infrações
mencionadas no § 4º deste artigo e, cumpridas as obrigações estabelecidas no
PRA ou no termo de compromisso para a regularização ambiental das exigências
desta Lei, nos prazos e condições neles estabelecidos, as multas referidas
neste artigo serão consideradas como convertidas em serviços de preservação,
melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, regularizando o uso de
áreas rurais consolidadas conforme definido no PRA.
22 de julho de 2008 foi a data da edição do Decreto nº
6.514/2008, que regulamentou a Lei nº 9.605/98 (lei que trata sobre sanções
penais e administrativas relacionadas com o meio ambiente).
O STF afirmou que esses dispositivos são válidos, mas que se
deve evitar a prescrição e a decadência. Assim, deve-se dar interpretação
conforme a Constituição ao art. 59, §§ 4º e 5º, de modo que, durante a execução
dos termos de compromissos subscritos nos programas de regularização ambiental,
não corra o prazo de decadência ou prescrição.
Aplica-se aqui a mesma solução
prevista no § 1º do art. 60 da Lei nº 12.651/2012:
Art. 60. A assinatura de termo de
compromisso para regularização de imóvel ou posse rural perante o órgão
ambiental competente, mencionado no art. 59, suspenderá a punibilidade dos
crimes previstos nos arts. 38, 39 e 48 da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de
1998, enquanto o termo estiver sendo cumprido.
§ 1º A prescrição ficará interrompida
durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
§ 2º Extingue-se a punibilidade com a
efetiva regularização prevista nesta Lei.
ARGUMENTOS INVOCADOS PELO STF
PARA A DECLARAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DOS DEMAIS DISPOSITIVOS
Meio ambiente como direito e dever
O art. 225 da Constituição Federal estabelece que “todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações”.
Sob essa perspectiva, o meio ambiente assume função dúplice
no microssistema jurídico, na medida em que representa simultaneamente um
direito e um dever dos cidadãos, os quais se posicionam, paralelamente, também
de forma simultânea, como credores e como devedores da obrigação de proteção
respectiva.
Homem é parte indissociável do meio ambiente
O homem é parte indissociável do meio ambiente. Por
intermédio das interações genéticas biologicamente evolutivas que se sucederam
nos últimos milhares de anos, o meio ambiente produziu a espécie humana, cuja
vida depende dos recursos nele contidos. Nesse ponto, nem os mais
significativos avanços tecnológicos permitirão ao homem, em algum momento
futuro, dissociar-se do meio ambiente, na medida em que a atividade humana
inventiva e transformadora depende da matéria nele contida, sob todas as suas
formas.
Homem é produto (e não proprietário) do meio ambiente
A capacidade de os indivíduos desestabilizarem o equilíbrio
do conjunto de recursos naturais que lhes fornece a própria existência tem
gerado legítimas preocupações, as quais se intensificaram no último século.
Afinal, recursos naturais são escassos; determinados danos são irreversíveis ou
extremamente agressivos à natureza; alterações climáticas tornaram-se problema
real; e a poluição se alastra pelos grandes centros, entre outras evidências
empíricas da crise ambiental. Portanto, o foco no crescimento econômico sem a
devida preocupação ecológica consiste em ameaça presente e futura para o
progresso das nações e até mesmo para a sobrevivência da espécie humana.
O homem apenas progride como ser biológico e como
coletividade quando se percebe como produto — e não proprietário — do meio
ambiente.
Políticas ambientais devem estar em
harmonia com o mercado de trabalho e com o desenvolvimento social
Por outro lado, as políticas públicas ambientais devem
conciliar-se com outros valores democraticamente eleitos pelos legisladores,
como o mercado de trabalho, o desenvolvimento social, o atendimento às
necessidades básicas de consumo dos cidadãos etc.
Dessa forma, não é adequado desqualificar determinada regra
legal como contrária ao comando constitucional de defesa do meio ambiente (art.
225), ou mesmo sob o genérico e subjetivo rótulo de “retrocesso ambiental”,
ignorando as diversas nuances que permeiam o processo decisório do legislador,
democraticamente investido da função de apaziguar interesses conflitantes por
meio de regras gerais e objetivas.
Não se deve desprezar que a mesma Constituição que protege o
meio ambiente também afirma que o Estado brasileiro deve garantir a livre
iniciativa (arts. 1º, IV, e 170) e o desenvolvimento nacional (art. 3º, II),
erradicar a pobreza e a marginalização, e reduzir as desigualdades sociais e
regionais (arts. 3º, III, e 170, VII), proteger a propriedade (arts. 5º,
“caput” e XXII, e 170, II), buscar o pleno emprego (arts. 170, VIII, e 6º) e a
defender o consumidor (arts. 5º, XXXII, e 170, V).
A proteção ambiental deve conviver com a tutela do desenvolvimento
O desenho institucional das políticas públicas ambientais
suscita, assim, o duelo valorativo entre a proteção ambiental e a tutela do
desenvolvimento, tendo como centro de gravidade o bem comum e a pessoa humana,
num cenário de escassez. Portanto, o desenvolvimento econômico e a preservação
do meio ambiente não são políticas intrinsecamente antagônicas.
Proteção ambiental não significa ausência completa de impacto do homem
na natureza
Nessa medida, a preservação dos recursos naturais para as
gerações futuras não pode significar a ausência completa de impacto do homem na
natureza, consideradas as carências materiais da geração atual e também a
necessidade de gerar desenvolvimento econômico suficiente para assegurar uma
travessia confortável para os nossos descendentes.
O suposto conflito entre meio ambiente e desenvolvimento
econômico é tão somente aparente, envolvendo diversas nuances, em especial a
justiça intergeracional, demandando escolhas trágicas a serem realizadas pelas
instâncias democráticas (Parlamento e chefia do Poder Executivo), não podendo
ser decidido apenas com base na convicção de juízes, por mais bem-intencionados
que sejam.
Princípio da vedação ao retrocesso não está acima do princípio
democrático
Por fim, o STF ressaltou
que o princípio da vedação ao retrocesso não se sobrepõe ao princípio
democrático, no afã de transferir ao Judiciário funções inerentes aos Poderes
Legislativo e Executivo, e nem justifica afastar arranjos legais mais
eficientes para o desenvolvimento sustentável do país como um todo.