Regime de precatórios
Se a Fazenda Pública Federal, Estadual,
Distrital ou Municipal for condenada, por sentença judicial transitada em
julgado, a pagar determinada quantia a alguém, este pagamento será feito sob um
regime especial chamado de “precatório” (art. 100 da CF/88).
No caput do art. 100 da CF/88 consta a
regra geral dos precatórios, ou seja, os pagamentos devidos pela Fazenda
Pública em decorrência de condenação judicial devem ser realizados na ordem
cronológica de apresentação dos precatórios. Existe, então, uma espécie de “fila”
para pagamento dos precatórios:
Art. 100. Os pagamentos devidos pelas
Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de
sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de
apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a
designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos
adicionais abertos para este fim. (Redação dada pela EC 62/09)
Exceção ao regime de precatórios
O § 3º do
art. 100 da CF/88 prevê uma exceção ao regime de precatórios. Este parágrafo
estabelece que, se a condenação imposta à Fazenda Pública for de “pequeno
valor”, o pagamento será realizado sem a necessidade de expedição de
precatório:
§ 3º O disposto no caput deste artigo
relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de
obrigações definidas em leis como de pequeno valor que
as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em
julgado.
Quanto é “pequeno valor” para os fins
do § 3º do art. 100?
Este
quantum poderá ser estabelecido por cada ente federado (União, Estado, DF,
Município) por meio de leis específicas, conforme prevê o § 4º do art. 100:
§ 4º Para os fins do disposto no § 3º,
poderão ser fixados, por leis próprias, valores distintos às entidades de
direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o mínimo
igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social.
União
Para as condenações envolvendo a União,
pequeno valor equivale a 60 salários mínimos (art. 17, §
1º, da Lei nº 10.259/2001).
Em 2018, levando-se em consideração o
salário-mínimo de R$ 954,00, isso significa que, nas dívidas em que a União for
condenada até R$ 57.240,00 (60 x 954), a parte
beneficiária não precisará ter que entrar na fila dos precatórios, recebendo a
quantia por meio de requisição de pequeno valor (RPV), um procedimento muito
mais simples e célere.
E se o ente federado não editar a lei
prevendo o quantum do “pequeno valor”?
Nesse caso, segundo o art. 87 do ADCT
da CF/88, para os entes que não editarem suas leis, serão adotados, como
“pequeno valor” os seguintes montantes:
I — 40 salários mínimos para Estados e
para o Distrito Federal;
II — 30 salários mínimos para
Municípios.
RPV
Nas hipóteses de “pequeno valor”, o
pagamento é feito por meio de requisição de pequeno valor (RPV), que se trata
de uma ordem expedida pela autoridade judicial à autoridade da Fazenda Pública
responsável para pagamento da quantia devida.
Imagine agora a seguinte situação
concreta:
Rondônia editou lei estadual (Lei
nº 1.788/2007) prevendo que, naquele Estado, as obrigações consideradas como de
pequeno valor seriam aquelas de até 10 salários-mínimos. Em outras palavras, a
lei afirmou que “pequeno valor”, para fins de RPV no Estado de Rondônia, seria
até 10 salários-mínimos.
Veja o caput do art. 1º da Lei estadual nº
1.788/2007:
Art. 1º Para fins previstos no artigo
100, § 3º da Constituição Federal e artigo 87 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, será considerado de pequeno valor, no âmbito do
Estado de Rondônia, o crédito decorrente de sentença judicial transitada em
julgado, cujo montante, devidamente atualizado, não exceda o valor correspondente
a 10 (dez) salários mínimos ao tempo em que for requisitado judicialmente.
Essa lei foi “boa” ou “ruim” para
os credores (exequentes) do Estado?
“Ruim”. A Lei Estadual 1.788/2007
reduziu de 40 para 10 salários-mínimos o crédito decorrente de sentença
judicial transitada em julgado a ser pago por meio de RPV.
Se não houvesse a Lei nº
1.788/2007, a quantia considerada “pequeno valor” seria 40 salários-mínimos,
conforme previsto no art. 87 do ADCT da CF/88.
Antes da Lei, se a pessoa tivesse
um crédito em relação ao Estado de Rondônia de até 40 salários-mínimos, não
precisaria receber por meio de precatório. Com a Lei, esse limite caiu para 10
salários-mínimos. Isso significa que ficou mais “difícil” (restrito) receber
por RPV. Em outras palavras, mais pessoas passaram a ter que se submeter ao
regime de precatórios (que é horrível).
Essa previsão da Lei estadual nº
1.788/2007 é válida?
SIM.
Os
Estados-membros podem editar leis reduzindo a quantia considerada como de
pequeno valor, para fins de RPV, prevista no art. 87 do ADCT da CF/88.
STF. Plenário. ADI 4332/RO, Rel. Min.
Alexandre de Moraes, julgado em 7/2/2018 (Info 890).
A norma do
art. 87 do ADCT tem caráter transitório e ela própria afirma que somente tem
eficácia enquanto o Estado-membro não editar sua lei regulamentando o tema:
Art. 87. Para efeito do que dispõem o
§ 3º do art. 100 da Constituição Federal e o art. 78 deste Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias serão considerados de pequeno valor, até que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos
entes da Federação, observado o disposto no § 4º do art. 100 da
Constituição Federal, os débitos ou obrigações consignados em precatório
judiciário, que tenham valor igual ou inferior a:
I - quarenta salários-mínimos, perante
a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal;
II - trinta salários-mínimos, perante
a Fazenda dos Municípios.
Desse modo, o legislador estadual
tem sim liberdade para fixar valor inferior aos 40 salários-mínimos para o
pagamento por meio de RPV, de acordo com a sua realidade orçamentária regional.
E o Estado pode fixar qualquer
valor? Ex: o Estado de São Paulo pode fixar 5 salários-mínimos como sendo
pequeno valor para fins de RPV? Isso seria possível?
NÃO. Os Estados/DF e Municípios, ao
editarem as suas leis definindo o que seja “pequeno valor”, deverão ter como
critério a sua capacidade econômica, respeitado o princípio da
proporcionalidade.
A fixação de 5 salários-mínimos como
sendo pequeno valor para um Estado rico como São Paulo seria uma ofensa ao
princípio da proporcionalidade.
No caso concreto, entendeu-se que
Rondônia atendeu o princípio da proporcionalidade ao reduzir esse teto para 10
salários-mínimos considerando que é um dos Estados que menos arrecada na Federação,
com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,69.
Vale
ressaltar que nenhum ente pode fixar como pequeno valor quantia inferior ao
valor do maior benefício do regime geral da previdência social (“teto do INSS”):
Art. 100 (...)
§ 4º Para os fins do disposto no § 3º,
poderão ser fixados, por leis próprias, valores distintos às entidades de
direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o mínimo
igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social.
Em 2018, o “teto do INSS” foi
fixado em R$ 5.645,80.
Uma última pergunta: os
Estados/DF e Municípios podem editar leis fixando quantias superiores aos
limites do art. 87 do ADCT? Ex: São Paulo pode editar uma lei dizendo que “pequeno
valor” naquele Estado, para fins de RPV, corresponde a 60 salários-mínimos?
SIM. Os Estados/DF e Municípios podem
fixar limites inferiores ou superiores àqueles que estão previstos no art. 87
do ADCT. Na prática, contudo, será muito difícil que um Estado amplie o limite
do art. 87 porque, em tese, ele prejudica suas finanças considerando que terá
mais débitos a serem pagos por RPV.