quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018
Acesso às conversas do Whatsapp pela autoridade policial e (in)validade da prova
quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018
DELEGADO QUE ACESSA CONVERSAS DO WHATSAPP DO FLAGRANTEADO SEM PRÉVIA
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João foi preso em flagrante pela
prática de tráfico de drogas.
A polícia apreendeu seu telefone
celular.
Como não havia senha no aparelho,
o Delegado abriu o aplicativo Whatsapp e verificou as conversas de João. As
mensagens comprovaram que ele realmente negociava drogas e, o pior, que havia
praticado diversos outros crimes, dentre eles ameaça e homicídio.
Tais mensagens foram transcritas
pelo escrivão e juntadas ao inquérito policial em forma de certidão.
A autoridade
fundamentou tais diligências no art. 6º, II, III e VII, do CPP:
Art. 6º Logo que tiver conhecimento da
prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
II - apreender os objetos que tiverem
relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;
III - colher todas as provas que
servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;
(...)
VII - determinar, se for caso, que se
proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;
Posteriormente, tais elementos
informativos serviram de base para que o Ministério Público oferecesse denúncia
contra João pela prática de uma série de crimes.
Tese da defesa
A defesa, contudo, alegou que
tais elementos informativos são nulos. Segundo argumentou o advogado do réu,
após a apreensão do celular, sem qualquer autorização, a polícia teria que ter
requerido ao juízo autorização para consultar o conteúdo do aparelho. Diante
disso, requereu que as "provas" colhidas fossem declaradas nulas e
desentranhadas do processo.
A tese da defesa foi aceita pelo
STJ? É necessária prévia autorização judicial para que a autoridade policial
possa ter acesso ao whatsapp da pessoa que foi presa em flagrante delito?
SIM.
Na
ocorrência de autuação de crime em flagrante, ainda que seja dispensável ordem
judicial para a apreensão de telefone celular, as mensagens armazenadas no
aparelho estão protegidas pelo sigilo telefônico, que compreende igualmente a
transmissão, recepção ou emissão de símbolos, caracteres, sinais, escritos,
imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por meio de telefonia fixa
ou móvel ou, ainda, por meio de sistemas de informática e telemática.
STJ. 5ª Turma. RHC 67.379-RN, Rel.
Min. Ribeiro Dantas, julgado em 20/10/2016 (Info 593).
Sem
prévia autorização judicial, são nulas as provas obtidas pela polícia por meio
da extração de dados e de conversas registradas no whatsapp presentes no
celular do suposto autor de fato delituoso, ainda que o aparelho tenha sido
apreendido no momento da prisão em flagrante.
STJ. 6ª Turma. RHC 51.531-RO, Rel.
Min. Nefi Cordeiro, julgado em 19/4/2016 (Info 583).
DELEGADO QUE ACESSA CONVERSAS DO
WHATSAPP DA VÍTIMA MORTA COM AUTORIZAÇÃO DA ESPOSA DO FALECIDO
Imagine agora outra situação:
João matou Pedro, crime que não
foi presenciado por ninguém.
A polícia começou a investigar o
caso e a esposa de Pedro entregou ao Delegado o telefone celular do marido
falecido.
A autoridade policial abriu o
whatsapp e percebeu que Pedro manteve uma ríspida conversa com João e que eles
combinaram de se encontrar no local onde a vítima foi encontrada morta.
A partir dessa conversa a polícia
conseguiu desvendar o crime e chegar a outros elementos informativos que
comprovaram que João foi o autor do homicídio.
João foi denunciado e impetrou
habeas corpus alegando que o acesso do Delegado de Polícia às conversas no
whatsapp da vítima foi ilegal considerando que realizada sem prévia autorização
judicial.
Pediu, ainda, que a nulidade
dessa prova fosse estendida para as demais provas obtidas a partir dela, por
força da teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree), de acordo com o que prevê o art. 5º,
LVI, da Constituição Federal.
O STJ acolheu o pedido da defesa?
NÃO.
Não
há ilegalidade na perícia de aparelho de telefonia celular pela polícia, sem
prévia autorização judicial, na hipótese em que seu proprietário - a vítima -
foi morto, tendo o referido telefone sido entregue à autoridade policial por
sua esposa.
STJ. 6ª Turma. RHC 86.076-MT, Rel.
Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. Acd. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em
19/10/2017 (Info 617).
Acesso ao celular do investigado
X acesso ao celular da vítima
Os precedentes do STJ que
reconheceram a ilegalidade da prova envolviam acesso às conversas do whatsapp
no celular do investigado. Aqui, a leitura das conversas ocorreu no celular da
vítima, tendo o aparelho sido entregue voluntariamente pela esposa do falecido.
Assim, no segundo caso não há
prova ilícita considerando que não houve uma violação à intimidade do investigado,
titular de garantias no processo penal.
Na segunda situação, o detentor
do direito ao sigilo estava morto. Não havia mais sigilo algum a proteger o
titular daquele direito e a sua esposa, totalmente interessada no
esclarecimento dos fatos, entregou o celular à Polícia com o objetivo de
elucidar os fatos.
Logo, neste segundo caso, não
havia necessidade de uma ordem judicial porque, no processo penal, o que se
protege são os interesses do acusado. Seria irrazoável e impróprio proteger-se
a intimidade de quem foi vítima do homicídio, sendo que a finalidade da
investigação é esclarecer o homicídio e punir aquele que, teoricamente, foi o
responsável pela morte.
ACESSO AO WHATSAPP DE
APARELHO CELULAR COLETADO EM BUSCA E APREENSÃO
Imagine a seguinte situação:
Augusto estava sendo investigado pela suposta prática de
tráfico de drogas.
O juiz decretou medida de busca e apreensão na casa de
Augusto, autorizando que fossem apreendidos “instrumentos utilizados na prática
de crime ou destinados a fim delituoso; objetos necessários à prova de
infração, além de permitir a colheita de outros elementos de convicção.”
Durante as diligências, foram encontras drogas, balanças de
precisão e dois celulares, tendo tudo isso sido apreendido.
Augusto, que estava no local, foi preso em flagrante.
A autoridade policial acessou o whatsapp dos aparelhos
celulares e descobriu inúmeras conversas de Augusto negociando drogas e determinando
a morte de inimigos.
A defesa impetrou habeas corpus alegando que o Delegado somente
poderia ter acessado o whatsapp de Augusto com uma nova autorização judicial,
razão pela qual essa prova seria ilícita.
A tese da defesa foi acolhida pelo STJ?
NÃO.
Se
o telefone celular foi apreendido em busca e apreensão determinada por decisão
judicial, não há óbice para que a autoridade policial acesse o conteúdo armazenado
no aparelho, inclusive as conversas do whatsapp.
Para
a análise e a utilização desses dados armazenados no celular não é necessária nova
autorização judicial.
A
ordem de busca e apreensão determinada já é suficiente para permitir o acesso
aos dados dos aparelhos celulares apreendidos.
STJ. 5ª Turma. RHC 77.232/SC, Rel. Min.
Felix Fischer, julgado em 03/10/2017.