Dizer o Direito

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

A sistemática do "ressarcimento ao SUS" é constitucional?




Ressarcimento ao SUS
O art. 32 da Lei nº 9.656/98 prevê que, se um cliente do plano de saúde utilizar-se dos serviços do SUS, o Poder Público poderá cobrar do referido plano o ressarcimento que ele teve com essas despesas. Veja:
Art. 32.  Serão ressarcidos pelas operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, de acordo com normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde - SUS. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44/2001)

Assim, o chamado “ressarcimento ao SUS”, criado pelo art. 32 da Lei nº 9.656/98, é uma obrigação legal das operadoras de planos privados de assistência à saúde de restituir as despesas que o SUS teve ao atender uma pessoa que seja cliente e que esteja coberta por esses planos.

Passo-a-passo
Apenas a título de curiosidade, na prática funciona assim:
1) O paciente é atendido em uma instituição pública ou privada, conveniada ou contratada, integrante do SUS;
2) A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) cruza os dados dos sistemas de informações do SUS com o Sistema de Informações de Beneficiários (SIB) da própria Agência para identificar as pessoas que foram atendidas na rede pública e que possuem plano de saúde;
3) A ANS notifica a operadora informando os atendimentos que realizou relacionados com seus clientes;
4) A operadora pode contestar isso nas instâncias administrativas, dizendo, por exemplo, que aquele serviço utilizado pelo seu cliente no SUS não era coberto pelo plano, que o paciente já havia deixado de ser usuário do plano etc.
5) Não havendo impugnação administrativa ou não sendo esta acolhida, a ANS cobra os valores devidos.
6) Caso não haja pagamento, a operadora será incluída no CADIN e os débitos inscritos em dívida ativa da ANS para, em seguida, serem executados.
7) Os valores recolhidos a título de ressarcimento ao SUS são repassados pela ANS para o Fundo Nacional de Saúde.

Sobre o tema:
As operadoras de plano de saúde que estejam em débito quanto ao ressarcimento de valores devidos ao SUS podem, em razão da inadimplência, ser inscritas no Cadin.
STJ. 1ª Turma. AgRg no AREsp 307.233-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 6/6/2013 (Info 524).

Tese dos planos de saúde
As operadoras privadas de plano de saúde comumente ingressam com ações judiciais questionando a validade do art. 32 da Lei nº 9.656/98 sob o argumento de que a sua participação na saúde tem caráter suplementar, uma vez que o dever primário de assegurar o acesso à saúde é atribuído pela Constituição Federal aos entes políticos.
Logo, defendem que o Poder Público possui sim obrigação de prestar saúde a quem procurar, não devendo os planos de saúde ser obrigados a ressarcir tais despesas.
Além disso, tais operadoras aduziram que esse art. 32 representa a instituição de uma nova fonte de custeio para a seguridade social, o que somente poderia ocorrer por meio de lei complementar, nos termos do art. 195, § 4º, da CF/88:
Art. 195 (...)
§ 4º A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.

Art. 154. A União poderá instituir:
I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;

A tese dos planos de saúde foi aceita pelo STF? O art. 32 da Lei nº 9.656/98 é inconstitucional?
NÃO. O STF entendeu que o art. 32 da Lei nº 9.656/98 é válido.
O art. 32 não representa a criação de uma nova fonte de receitas para seguridade social, nos termos do art. 195, § 4º, da CF/88. Trata-se apenas de um desdobramento do contrato firmado entre as operadoras de saúde e seus clientes. As operadoras de saúde atuam em um serviço regulado pelo Poder Público, devendo cumprir as condições impostas.
O tratamento em hospital público não pode ser negado a nenhuma pessoa, considerando que o acesso aos serviços de saúde no Brasil é universal (art. 196 da CF/88). Porém, se o Poder Público atende um usuário do plano de saúde, o SUS deve ser ressarcido, assim como ocorreria caso esse usuário do plano de saúde tivesse sido atendido em um hospital particular (não conveniado ao SUS).
Esse art. 32 impede o enriquecimento ilícito das empresas de plano de saúde.
O STF fez, contudo, uma ressalva: a regra do art. 32 somente é aplicável aos procedimentos ocorridos após 04/06/1998, data em que foi publicada a Lei nº 9.656/98.

Resumindo:
É constitucional o ressarcimento previsto no art. 32 da Lei nº 9.656/98, o qual é aplicável aos procedimentos médicos, hospitalares ou ambulatoriais custeados pelo SUS e posteriores a 4.6.1998, assegurados o contraditório e a ampla defesa, no âmbito administrativo, em todos os marcos jurídicos.
STF. Plenário. RE 597064/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 7/2/2018 (repercussão geral) (Info 890).



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