Dizer o Direito

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

A ausência de citação dos confinantes na ação de usucapião gera nulidade relativa ou absoluta?



Usucapião
Usucapião é...
- um instituto jurídico por meio do qual a pessoa que fica na posse de um bem (móvel ou imóvel)
- por determinados anos
- agindo como se fosse dono
- adquire a propriedade deste bem ou outros direitos reais a ele relacionados (exs: usufruto, servidão)
- desde que cumpridos os requisitos legais.

Ação de usucapião
O CPC/1973 trazia, em seus arts. 941 a 945, um procedimento especial para a ação de usucapião.
O CPC/2015 não previu procedimento especial para a ação de usucapião, de forma que a usucapião judicial deverá seguir o procedimento comum.

Em uma ação de usucapião, o autor deve pedir a citação de quem? Quem deve ser citado?
• o indivíduo em nome do qual se encontra registrado o imóvel, ou seja, o “proprietário” do imóvel, segundo o cartório de registro de imóveis;
• os proprietários ou possuidores dos imóveis confinantes, ou seja, os vizinhos que fazem fronteira com o imóvel que se almeja na ação. Em se tratando de casa, em geral, são três confinantes: o vizinho da esquerda, o da direita e o vizinho de trás;
• a citação, por edital, de eventuais interessados (art. 259, I, do CPC/2015).

Obs: mesmo que o indivíduo (autor da ação) não esteja mais na posse do imóvel, ainda assim ele poderá ter direito à usucapião desde que tenha preenchidos todos os requisitos para a constituição do direito antes de perder a posse. Neste caso, o autor deverá pedir a citação também do atual possuidor do imóvel. Conforme explica Marcus Vinicius Rios Gonçalves:
“Não é preciso que o autor da ação tenha posse atual do bem. A ação de usucapião visa a declarar a propriedade em favor de alguém que, por ter permanecido na coisa com posse animus domini, contínua, ininterrupta, pacífica e pública, pelo tempo exigido por lei. Pode ocorrer que o possuidor tenha permanecido todo o tempo necessário, e tenha -se tornado proprietário, mas que tenha perdido a posse, logo depois. Isso não o impede de pedir a declaração de propriedade em seu favor. A única ressalva é que ele deve incluir — no polo passivo — o atual possuidor. É o que resulta da Súmula 263 do STF: “O possuidor deve ser citado pessoalmente para a ação de usucapião”. O possuidor a que a súmula se refere é o que tem a posse atual da coisa. Ele deve ser citado na ação ajuizada pelo usucapiente, que perdeu posteriormente a posse.” (Direito Processual Civil esquematizado. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 796).

Além disso, o autor deverá requerer a manifestação dos representantes da Fazenda Pública da União, do Estado/DF e do Município.

Ao propor uma ação de usucapião, o autor deverá requerer a citação dos confinantes, ou seja, dos vizinhos que fazem fronteira com o imóvel que ele almeja?
SIM. Isso foi dito acima. Perguntei de novo apenas para ter certeza que você entendeu. Essa exigência é antiga. Em 1964, o STF aprovou uma súmula falando isso. Confira:
Súmula 391-STF: O confinante certo deve ser citado pessoalmente para a ação de usucapião.

Em 1973, foi editado o antigo CPC e ele trouxe, em seu art. 942, a previsão de que o autor da ação de usucapião deveria requerer “a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados”.

(...) Em regra, seja qual for o procedimento a ser adotado na ação de usucapião - ordinário, sumário ou especial -, é de extrema relevância a citação do titular do registro, assim como dos confinantes e confrontantes do imóvel usucapiendo. (...)
STJ. 4ª Turma. REsp 1275559/ES, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 07/06/2016.

No CPC/2015 existe previsão expressa de citação dos confinantes?
SIM. Essa obrigatoriedade encontra-se no art. 246, § 3º do CPC/2015 e pode ser assim resumida:
• Regra: na ação de usucapião de imóvel, os confinantes serão citados pessoalmente.
• Exceção: quando a ação de usucapião tiver por objeto unidade autônoma de prédio em condomínio, tal citação é dispensada.

Por que os confinantes têm que ser citados na ação de usucapião? Qual é a razão de o CPC trazer essa exigência?
Por duas razões:
1) os confinantes podem trazer informações úteis ao deslinde do processo;
2) a depender do caso concreto, o confinante pode ter que defender os limites de sua propriedade. Ex: o autor afirma que a fazenda objeto da usucapião termina depois do córrego; o confinante contesta essa alegação e comprova que a área do córrego já está dentro de sua propriedade.

Como explica Fábio Caldas de Araújo:
“Os confinantes atuam diretamente na avaliação das confrontações traçadas pelo requerente garantindo a integridade de suas respectivas propriedades. E de forma indireta atuam como testemunha do prescribente, delimitando o espaço geográfico em que o mesmo assenta sua posse ad usucapionem. (ARAÚJO, Fábio Caldas de. Usucapião. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 454).
Dessa forma, o principal objetivo da citação dos confinantes é o de evitar que eles sofram prejuízos, razão pela qual é indispensável a sua citação.

E o que acontece caso não haja a citação dos confinantes? Haverá nulidade absoluta do processo?
NÃO.
Apesar de amplamente recomendável, a falta de citação dos confinantes não acarretará, por si, ou seja, obrigatoriamente, a nulidade da sentença que declara a usucapião. Não há que se falar em nulidade absoluta, no caso.
Como já dito, o principal intento da citação dos confinantes do imóvel usucapiendo é o de delimitar a área usucapienda, evitando, assim, eventual invasão indevida dos terrenos vizinhos.
Assim, apesar da relevância da participação dos confinantes (e respectivos cônjuges) na ação de usucapião, o que se conclui é que a ausência de citação dos referidos confinantes gera apenas nulidade relativa, de forma que somente invalidará a sentença caso fique demonstrado efetivo prejuízo ao confinante não citado.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.432.579-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/10/2017 (Info 616).

Veja importante lição doutrinária nesse sentido:
“Caso qualquer dos confrontantes deixe de ser citado pessoalmente, a sentença que ferir interesses seus, que seriam defendidos na ação de usucapião, é, a nosso ver, inexistente, por falta de um pressuposto processual de existência do processo, como também o seria caso não fosse publicado o edital previsto no art. 942, II, do CPC.
Porém, se, apesar da falta de citação de um dos confrontantes, a sentença a ele não disser respeito, ou seja, a área usucapienda em nada afete sua área de domínio, posse ou qualquer outro interesse, não será caso de inexistência ou nulidade ou ineficácia da sentença, pois este não tem, neste caso, no processo, interesse de réu, de parte, fato que só se pode constatar ao final da ação. Daí a necessidade, por precaução, da citação de todos. Trata-se, pois, de necessariedade secundum eventum litis.” (PINTO, Nelson Luiz. Ação de usucapião. São Paulo: RT, 1991, p. 82-83)

E o que acontece caso não haja a citação do proprietário do imóvel (e seu cônjuge)?
Neste caso, o vício é mais grave. A sentença de usucapião proferida sem a citação do proprietário e seu cônjuge será considerada absolutamente ineficaz, inutiliter data, tratando-se de nulidade insanável.



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