sábado, 23 de dezembro de 2017
STF muda sua jurisprudência e adota efeito vinculante de declaração incidental de inconstitucionalidade
sábado, 23 de dezembro de 2017
Imagine a seguinte situação:
Foi ajuizada uma ADI contra a Lei estadual nº 3.579/2001, do
Estado do Rio de Janeiro.
O objeto da ação (pedido do autor) era, portanto, o
seguinte: Tribunal, declare inconstitucional a Lei estadual nº 3.579/2001.
O que o STF decidiu?
O STF não concordou com o autor da ADI e julgou improcedente
o pedido. Isso significa dizer que o STF entendeu que a Lei estadual nº
3.579/2001 é constitucional.
Qual é a eficácia dessa decisão do STF que declarou constitucional a
Lei estadual nº 3.579/2001?
•
Eficácia contra todos (erga omnes);
•
Efeito vinculante.
Isso porque a referida lei foi
declarada constitucional em sede de controle abstrato de constitucionalidade,
atraindo assim os efeitos previstos no art. 102, § 2º da CF/88:
Art. 102 (...)
§ 2º As decisões definitivas de mérito,
proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de
inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade
produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante,
relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública
direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Decisão incidental do STF
Acompanhe agora o seguinte ponto interessante: durante os
debates para julgar a ação, o STF concluiu que o art. 2º da Lei federal nº
9.055/95 era inconstitucional.
Vale ressaltar que o art. 2º da Lei federal nº 9.055/95 não
era objeto da ação.
Assim, o art. 2º da Lei federal nº 9.055/95 foi declarado
inconstitucional de forma incidental, ou seja, em controle difuso de
constitucionalidade.
Qual é a eficácia da decisão do STF que declarou, incidentalmente, a Lei
federal nº 9.055/95 inconstitucional? Qual é a eficácia da decisão do STF que
declara, incidentalmente, a inconstitucionalidade de uma lei?
Segundo o entendimento clássico,
a decisão do STF reconhecendo a inconstitucionalidade de uma lei ou ato
normativo irá variar de acordo com a espécie de controle exercido:
Controle concentrado
|
Controle difuso
|
Realizado pelo STF, de forma abstrata, nas hipóteses em que lei ou ato
normativo violar a CF/88.
|
Realizado por qualquer juiz ou
Tribunal (inclusive o STF), em um caso concreto.
|
Produz, como regra, os
seguintes efeitos:
• Ex tunc
• Erga omnes
• Vinculante
|
Produz, como regra, os
seguintes efeitos:
• Ex tunc
• Inter partes
• Não vinculante
|
Desse modo, pela teoria tradicional, em regra, a decisão que
declara incidentalmente uma lei inconstitucional produz efeitos inter partes e não vinculantes.
Após declarar a
inconstitucionalidade de uma lei em controle difuso, o STF deverá comunicar
essa decisão ao Senado e este poderá suspender a execução, no todo ou em parte,
da lei viciada (art. 52, X):
Art. 52. Compete privativamente ao
Senado Federal:
X - suspender a execução, no todo ou
em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo
Tribunal Federal;
A decisão do Senado de suspender a execução da lei seria
discricionária. Caso ele resolva fazer isso, os efeitos da decisão de
inconstitucionalidade do STF, que eram inter
partes, passam a ser erga omnes.
Assim, pela teoria tradicional a resolução do Senado ampliaria a eficácia do
controle difuso realizado pelo Supremo.
Dessa forma, pela teoria tradicional, a eficácia da decisão
do STF que declarou, incidentalmente, a Lei estadual nº 3.579/2001
inconstitucional produziria efeitos inter
partes e não vinculante.
Ocorre que o STF decidiu abandonar a concepção tradicional e
fez uma nova interpretação do art. 52, X, da CF/88.
O que entendeu o STF?
O STF decidiu que, mesmo se ele declarar, incidentalmente, a
inconstitucionalidade de uma lei, essa decisão também terá efeito vinculante e erga omnes.
A fim de evitar anomias e fragmentação da unidade, deve-se
atribuir à decisão proferida em sede de controle incidental (difuso) a mesma
eficácia da decisão tomada em sede de controle abstrato.
O § 5º do art. 535 do CPC/2015
reforça esse tratamento uniforme:
Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de
seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para,
querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a
execução, podendo arguir:
III - inexequibilidade do título ou
inexigibilidade da obrigação;
§ 5º Para efeito do disposto no inciso
III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação
reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo
considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em
aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo
Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de
constitucionalidade concentrado ou difuso.
O Min. Gilmar Mendes afirmou que é preciso fazer uma releitura
do art. 52, X, da CF/88. Essa nova interpretação deve ser a seguinte: quando o
STF declara uma lei inconstitucional, mesmo em sede de controle difuso, a
decisão já tem efeito vinculante e erga
omnes e o STF apenas comunica ao Senado com o objetivo de que a referida
Casa Legislativa dê publicidade daquilo que foi decidido.
Mutação constitucional
O Min. Celso de Mello afirmou que o STF fez uma verdadeira
mutação constitucional com o objetivo de expandir os poderes do Tribunal com
relação à jurisdição constitucional.
Assim, a nova intepretação do art. 52, X, da CF/88 é a de
que o papel do Senado no controle de constitucionalidade é simplesmente o de,
mediante publicação, divulgar a decisão do STF. A eficácia vinculante, contudo,
já resulta da própria decisão da Corte.
Declaração de inconstitucionalidade da matéria (e não apenas do ato
normativo)
A Min. Cármen Lúcia afirmou que o STF está caminhando para
uma inovação da jurisprudência, no sentido de não ser mais declarado
inconstitucional cada ato normativo, mas a própria matéria que nele se contém.
Preclusão consumativa da matéria
Por fim, o Min. Edson Fachin concluiu que a declaração de
inconstitucionalidade, ainda que incidental, opera uma preclusão consumativa da
matéria. Isso evita que se caia numa dimensão semicircular progressiva e sem
fim.
Em suma, qual é a eficácia da
decisão do STF que declara, incidentalmente, a inconstitucionalidade de uma
lei?
Concepção tradicional
|
Concepção moderna (atual)
|
Eficácia
inter partes
Efeitos
não vinculantes
|
Eficácia
erga omnes
Efeitos
vinculantes
|
Pode-se dizer que o STF passou a adotar a teoria da abstrativização do
controle difuso?
SIM. Apesar de essa nomenclatura não ter sido utilizada
expressamente pelo STF no julgamento, o certo é que a Corte mudou seu antigo
entendimento e passou a adotar a abstrativização do controle difuso.
Em uma explicação bem simples, a teoria da abstrativização
do controle difuso preconiza que, se o Plenário do STF decidir a
constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, ainda
que em controle difuso, essa decisão terá os mesmos efeitos do controle
concentrado, ou seja, eficácia erga omnes
e vinculante.
Para essa corrente, o art. 52, X, da CF/88 sofreu uma
mutação constitucional e, portanto, deve ser reinterpretado. Dessa forma, o papel do Senado, atualmente, é
apenas o de dar publicidade à decisão do STF. Em outras palavras, a decisão do
STF, mesmo em controle difuso, já é dotada de efeitos erga omnes e o Senado apenas confere publicidade a isso.
Pode-se dizer que o STF passou a adotar a teoria da transcendência dos
motivos determinantes?
NÃO. Segundo a teoria da transcendência dos motivos
determinantes, além do dispositivo, os motivos determinantes (ratio decidendi) da decisão também
seriam vinculantes.
Com a decisão acima explicada, o STF chega mais próximo à
teoria da transcendência dos motivos determinantes, mas não se pode afirmar
categoricamente que esta passou a ser adotada pelo Tribunal. Penso que não seja
uma posição segura para se adotar em provas, considerando que não houve
afirmação expressa nesse sentido.