Dizer o Direito

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Penhora de valores depositados em conta bancária conjunta



Imagine a seguinte situação hipotética:
João ingressou com execução contra Luciana.
No bojo da ação, foram penhorados R$ 100 mil que estavam na conta-corrente de Luciana.
Pedro, marido de Luciana, apresentou, então, embargos de terceiro afirmando que o dinheiro foi penhorado em uma conta bancária conjunta solidária que ele mantém com a esposa. Alegou, ainda, que, apesar de a mencionada conta ser conjunta, os valores penhorados pertenciam exclusivamente a ele.
Diante disso, pediu a liberação de toda a quantia.
Vale ressaltar que Pedro não apresentou nenhum documento comprovando que o dinheiro pertencia realmente a ele.

O que o juiz deverá decidir nesse caso? O pedido de Pedro poderá ser atendido?
Em parte.

Espécies de conta-bancária
Há duas espécies de conta-corrente bancária:
1) individual (ou unipessoal): possui um único titular.
2) coletiva (ou conjunta): possui dois ou mais titulares.

A conta-corrente bancária coletiva ou conjunta, por sua vez, pode ser:
2.a) fracionária: é aquela que é movimentada por intermédio de todos os titulares, isto é, sempre com a assinatura de todos. Ex: conta aberta em nome de todos os herdeiros, para administrar os bens do falecido antes da partilha.
2.b) solidária: cada um dos titulares pode movimentar a integralidade dos fundos disponíveis, em decorrência da solidariedade ativa em relação ao banco.

O que significa essa palavra “solidária”?
Quando se fala em conta-corrente conjunta solidária, isso quer dizer que existe uma relação obrigacional solidária dos correntistas com o banco. Assim, os correntistas são credores solidários do banco quando há saldo, ou seja, cada um dos dois pode exigir o dinheiro todo da instituição financeira. Ao mesmo tempo, os correntistas também são devedores solidários do banco caso exista alguma tarifa ou outra despesa relacionada com a conta.
Vale ressaltar, no entanto, que essa solidariedade não existe em relação a terceiros. Assim, por exemplo, se um dos correntistas emite um cheque sem fundos, o outro correntista da conta não tem qualquer responsabilidade perante o beneficiário do cheque. Ele não é devedor solidário juntamente com o emitente do cheque.

Voltando ao nosso exemplo: é possível a penhora de valores que estejam em uma conta bancária conjunta mesmo que a dívida seja apenas de um dos correntistas?
SIM. A penhora de valores contidos em conta bancária conjunta é admitida pelo ordenamento jurídico. No entanto, a constrição não pode se dar em proporção maior que o numerário pertencente ao devedor da obrigação, devendo ser preservado o saldo dos demais cotitulares. Em outras palavras, deve ser penhorado apenas o dinheiro que pertence ao executado.

Ônus da prova é do cotitular que não era devedor
Quando se penhora o valor constante em conta bancária conjunta solidária, deve-se permitir que o cotitular prove que a quantia penhorada pertence a ele. Logo, Pedro poderia ter provado que o dinheiro penhorado pertencia inteiramente a ele. Nesse caso, a verba seria integralmente liberada.
Ressalto, mais uma vez, o ônus da prova cabe ao cotitular que não é devedor. O credor consegue a penhora e o cotitular da conta, que não tinha nada a ver com a dívida, é quem terá que provar que o dinheiro que foi penhorado pertencia exclusivamente a ele.

E se o cotitular não conseguir provar que o dinheiro pertencia inteiramente a ele, o que acontecerá?
Se o cotitular não executado não conseguir provar que a verba penhorada pertencia inteiramente a ele, deve-se presumir que a quantia existente na conta bancária era dividida igualmente entre os cotitulares. Em outras palavras, como Pedro não conseguiu provar que o dinheiro era todo dele, deve-se considerar que dos R$ 100 mil, R$ 50 mil eram seus e a outra metade era de Luciana.
Dessa forma, em nosso exemplo, como não houve prova de que o dinheiro era todo do embargante, o juiz deverá manter penhorados R$ 50 mil e desbloquear os R$ 50 mil que, presumidamente, são de Pedro.

Confira um julgado do STJ que espelha esse entendimento:
A penhora de valores depositados em conta bancária conjunta solidária somente poderá atingir a parte do numerário depositado que pertença ao correntista que seja sujeito passivo do processo executivo, presumindo-se, ante a inexistência de prova em contrário, que os valores constantes da conta pertencem em partes iguais aos correntistas.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.184.584-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/4/2014 (Info 539).



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