Imagine a seguinte situação:
João ingressou clandestinamente
em uma das unidades geradoras de energia da Usina Hidrelétrica e alterou a
posição da chave da bomba de alta pressão de óleo.
Diante desse fato,
o Ministério Público afirmou que João praticou atos preparatórios de sabotagem
contra instalações da Usina Hidrelétrica a fim de impedir o pleno funcionamento
de mecanismos (bombas de alta pressão de óleo), conduta que se amoldaria ao
crime do art. 15, §2º, da Lei nº 7.170/83:
Art. 15. Praticar sabotagem contra
instalações militares, meios de comunicações, meios e vias de transporte,
estaleiros, portos, aeroportos, fábricas, usinas, barragem, depósitos e outras
instalações congêneres.
Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.
(...)
§ 2º - Punem-se os atos preparatórios
de sabotagem com a pena deste artigo reduzida de dois terços, se o fato não
constitui crime mais grave.
De quem é a competência para
julgar este delito?
Da Justiça Federal.
Por quê?
Porque os
delitos previstos na Lei nº 7.170/83 são considerados crimes políticos, sendo
de competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, da CF/88:
Art. 109. Aos juízes federais compete
processar e julgar:
(...)
IV - os crimes políticos e as
infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da
União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as
contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça
Eleitoral;
Quais são os crimes
políticos?
Os crimes políticos
a que se refere este inciso são aqueles previstos na Lei de Segurança Nacional
(Lei n.° 7.170/83).
Art. 30 da Lei nº
7.170/83
O art. 30 da Lei nº
7.170/83 afirma que os crimes contra a Segurança Nacional são de competência da
Justiça Militar. Este dispositivo não foi recepcionado pelo art. 109, IV, da
CF/88, ou seja, a regra ali exposta não é mais válida.
Assim, com a CF/88
os crimes previstos na Lei de Segurança Nacional passaram a ser de competência
da Justiça Federal comum (Juiz Federal de 1ª instância).
Recurso
Contra a sentença do Juiz Federal que julgar crime político não cabe
apelação, mas sim recurso ordinário constitucional, de competência do STF:
Art. 102. Compete
ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,
cabendo-lhe:
II - julgar, em
recurso ordinário:
b) o crime
político;
Trata-se, portanto,
de um interessante caso no qual uma sentença de Juiz Federal é apreciada
diretamente pelo STF em grau de recurso. Vale ressaltar que o STF funcionará
como “tribunal de apelação”, ou seja, ele poderá inclusive reexaminar as provas.
Neste caso concreto acima narrado,
houve crime?
NÃO.
Necessidade de prova da motivação
política
Para que se configure crime político,
além de a conduta estar enquadrada em um dos tipos previstos na Lei nº 7.170/83,
exige-se também que fique comprovada a motivação política do agente.
Assim, para que seja crime político
exige-se um especial fim de agir do réu (“dolo específico”), que é a motivação
política do agente.
Desse modo, pode-se dizer que
para que uma conduta seja enquadrada em um dos tipos penais previstos na Lei de
Segurança nacional, isto é, para que seja considerada crime político exige-se o
preenchimento de requisitos de ordem objetiva (art. 2º, II c/c art. 1º) e de
ordem subjetiva (art. 2º, I):
1) Requisito de ordem objetiva: lesão
real ou potencial a um dos bens jurídicos listados no art. 1º da Lei nº
7.170/83.
2) Requisito de ordem subjetiva: o
agente deve ter motivação e objetivos políticos em sua conduta.
(...) O Supremo Tribunal Federal, a
partir de interpretação sistemática da Lei nº 7.170/83, assentou que, para a
tipificação de crime contra a segurança nacional, não basta a mera adequação
típica da conduta, objetivamente considerada, à figura descrita no art. 12 do
referido diploma legal. 2. Da conjugação dos arts. 1º e 2º da Lei nº 7.170/83,
extraem-se dois requisitos, de ordem subjetiva e objetiva: i) motivação e
objetivos políticos do agente, e ii) lesão real ou potencial à integridade
territorial, à soberania nacional, ao regime representativo e democrático, à
Federação ou ao Estado de Direito. (...)
STF. Plenário. RC 1472, Rel. Min. Dias
Toffoli, julgado em 25/05/2016.
No caso concreto, houve dúvidas
sobre a real motivação do agente ao alterar a posição da chave da bomba. Pode
ter sido por curiosidade ou para causar algum tipo de dano. O certo é que não havia
nenhum indício de que ele tenha agido por motivação política.
Dessa forma, isso, por si só, já
afasta a tipificação do crime definido no art. 15 da Lei nº 7.170/83.
Não havendo crime político, a
conduta é atípica
Nos casos em que se reconhece que
não houve crime político, a solução a ser adotada consiste em verificar se a
conduta se enquadra em um “crime comum”.
Ocorre que, na presente situação,
a conduta do réu, apesar de reprovável, não se amolda em nenhum outro tipo
penal.
Crime impossível
Por fim, a conduta do réu
configura aquilo que é chamado de crime impossível. Isso porque a conduta do réu
de “virar a chave do controle remoto para o controle local” não tinha condições
de causar nenhum embaraço ao funcionamento da Usina, uma vez que a lesividade
em concreto dependia de um segundo comando, no painel central, que não foi feito
pelo acusado.
Processo: STF. 1ª Turma. RC
1473/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 14/11/2017 (Info 885).