Dizer o Direito

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Para a configuração do crime político exige-se o preenchimento de requisitos objetivo e subjetivo



Imagine a seguinte situação:
João ingressou clandestinamente em uma das unidades geradoras de energia da Usina Hidrelétrica e alterou a posição da chave da bomba de alta pressão de óleo.
Diante desse fato, o Ministério Público afirmou que João praticou atos preparatórios de sabotagem contra instalações da Usina Hidrelétrica a fim de impedir o pleno funcionamento de mecanismos (bombas de alta pressão de óleo), conduta que se amoldaria ao crime do art. 15, §2º, da Lei nº 7.170/83:
Art. 15. Praticar sabotagem contra instalações militares, meios de comunicações, meios e vias de transporte, estaleiros, portos, aeroportos, fábricas, usinas, barragem, depósitos e outras instalações congêneres.
Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.
(...)
§ 2º - Punem-se os atos preparatórios de sabotagem com a pena deste artigo reduzida de dois terços, se o fato não constitui crime mais grave.

De quem é a competência para julgar este delito?
Da Justiça Federal.

Por quê?
Porque os delitos previstos na Lei nº 7.170/83 são considerados crimes políticos, sendo de competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, da CF/88:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
(...)
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

Quais são os crimes políticos?
Os crimes políticos a que se refere este inciso são aqueles previstos na Lei de Segurança Nacional (Lei n.° 7.170/83).

Art. 30 da Lei nº 7.170/83
O art. 30 da Lei nº 7.170/83 afirma que os crimes contra a Segurança Nacional são de competência da Justiça Militar. Este dispositivo não foi recepcionado pelo art. 109, IV, da CF/88, ou seja, a regra ali exposta não é mais válida.
Assim, com a CF/88 os crimes previstos na Lei de Segurança Nacional passaram a ser de competência da Justiça Federal comum (Juiz Federal de 1ª instância).

Recurso
Contra a sentença do Juiz Federal que julgar crime político não cabe apelação, mas sim recurso ordinário constitucional, de competência do STF:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
II - julgar, em recurso ordinário:
b) o crime político;

Trata-se, portanto, de um interessante caso no qual uma sentença de Juiz Federal é apreciada diretamente pelo STF em grau de recurso. Vale ressaltar que o STF funcionará como “tribunal de apelação”, ou seja, ele poderá inclusive reexaminar as provas.

Neste caso concreto acima narrado, houve crime?
NÃO.

Necessidade de prova da motivação política
Para que se configure crime político, além de a conduta estar enquadrada em um dos tipos previstos na Lei nº 7.170/83, exige-se também que fique comprovada a motivação política do agente.
Assim, para que seja crime político exige-se um especial fim de agir do réu (“dolo específico”), que é a motivação política do agente.
Desse modo, pode-se dizer que para que uma conduta seja enquadrada em um dos tipos penais previstos na Lei de Segurança nacional, isto é, para que seja considerada crime político exige-se o preenchimento de requisitos de ordem objetiva (art. 2º, II c/c art. 1º) e de ordem subjetiva (art. 2º, I):
1) Requisito de ordem objetiva: lesão real ou potencial a um dos bens jurídicos listados no art. 1º da Lei nº 7.170/83.
2) Requisito de ordem subjetiva: o agente deve ter motivação e objetivos políticos em sua conduta.

(...) O Supremo Tribunal Federal, a partir de interpretação sistemática da Lei nº 7.170/83, assentou que, para a tipificação de crime contra a segurança nacional, não basta a mera adequação típica da conduta, objetivamente considerada, à figura descrita no art. 12 do referido diploma legal. 2. Da conjugação dos arts. 1º e 2º da Lei nº 7.170/83, extraem-se dois requisitos, de ordem subjetiva e objetiva: i) motivação e objetivos políticos do agente, e ii) lesão real ou potencial à integridade territorial, à soberania nacional, ao regime representativo e democrático, à Federação ou ao Estado de Direito. (...)
STF. Plenário. RC 1472, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 25/05/2016.

No caso concreto, houve dúvidas sobre a real motivação do agente ao alterar a posição da chave da bomba. Pode ter sido por curiosidade ou para causar algum tipo de dano. O certo é que não havia nenhum indício de que ele tenha agido por motivação política.
Dessa forma, isso, por si só, já afasta a tipificação do crime definido no art. 15 da Lei nº 7.170/83.

Não havendo crime político, a conduta é atípica
Nos casos em que se reconhece que não houve crime político, a solução a ser adotada consiste em verificar se a conduta se enquadra em um “crime comum”.
Ocorre que, na presente situação, a conduta do réu, apesar de reprovável, não se amolda em nenhum outro tipo penal.

Crime impossível
Por fim, a conduta do réu configura aquilo que é chamado de crime impossível. Isso porque a conduta do réu de “virar a chave do controle remoto para o controle local” não tinha condições de causar nenhum embaraço ao funcionamento da Usina, uma vez que a lesividade em concreto dependia de um segundo comando, no painel central, que não foi feito pelo acusado.
Processo: STF. 1ª Turma. RC 1473/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 14/11/2017 (Info 885).




Dizer o Direito!