quarta-feira, 27 de dezembro de 2017
Em que consiste o "trade dress"? Para analisar sua eventual violação exige-se prova pericial?
quarta-feira, 27 de dezembro de 2017
Imagine a seguinte situação adaptada:
“Leto” e “Fonte” são duas marcas
concorrentes, que fabricam algodão.
A empresa titular da marca “Leto”
ajuizou ação de obrigação de fazer cumulada com indenização contra a empresa
titular da marca “Fonte”.
Na ação, a “Leto” afirmou que é
líder do mercado e que a ré (empresa nova) passou a utilizar embalagem copiando
as cores e o design da autora. Em outras palavras, a “Leto” afirmou que a
“Fonte” está imitando sua embalagem com o objetivo de confundir o público
consumidor.
Proteção ao conjunto-imagem (trade
dress)
Trade dress ou conjunto-imagem consiste no conjunto de elementos
distintivos que caracterizam um produto, um serviço ou um estabelecimento
comercial fazendo com que o mercado consumidor os identifique.
Nas palavras do Min. Marco
Aurélio Bellizze:
“O conjunto-imagem (trade dress) é a soma de elementos
visuais e sensitivos que traduzem uma forma peculiar e suficientemente
distintiva, vinculando-se à sua identidade visual, de apresentação do bem no
mercado consumidor.”
Ao contrário de outros países, no
Brasil ainda não existe uma legislação que proteja, de forma específica, as
violações ao trade dress. Apesar
disso, a jurisprudência tem protegido os titulares das marcas copiadas. Nesse
sentido:
(...) A despeito da ausência de
expressa previsão no ordenamento jurídico pátrio acerca da proteção ao trade
dress, é inegável que o arcabouço legal brasileiro confere amparo ao
conjunto-imagem, sobretudo porque sua usurpação encontra óbice na repressão da
concorrência desleal. Incidência de normas de direito de propriedade
industrial, de direito do consumidor e do Código Civil. (...)
STJ. 3ª Turma. REsp 1677787/SC, Rel.
Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/09/2017.
Trade dress é diferente de marca
e desenho industrial
O conjunto-imagem distingue-se
dos institutos denominados “marca” e “desenho industrial”.
Tanto a marca, como o desenho
industrial e o conjunto-imagem têm, em comum, a finalidade de designar um
produto, mercadoria ou serviço, diferenciando-o dos concorrentes.
Apesar da finalidade ser
semelhante, eles possuem características diferentes.
Marca
É um sinal que designa a origem
do produto, mercadoria ou serviço.
A marca cria um vínculo duradouro
entre o bem e a pessoa que o colocou em circulação
As marcas, para serem
registradas, devem atender à distintividade ou novidade relativa, ou seja,
dentro do mercado em que se insere o produto, o sinal visivelmente perceptível
deve se distanciar do domínio comum, a fim de propiciar a utilização comercial
exclusiva por seu titular. Esta fruição exclusiva, que será assegurada por meio
do registro, pode se estender indefinidamente no tempo, desde que promovidas as
tempestivas prorrogações. Isso porque o direito de exclusividade da marca tem
por escopo assegurar ao consumidor a correspondência entre o produto designado
e a empresa que o colocou em circulação.
Desenho industrial
Protege a configuração externa de
um objeto tridimensional ou um padrão ornamental (bidimensional) que possa ser
aplicado a uma superfície ou a um objeto.
O desenho industrial insere no
mercado uma inovação estética em objeto comum ou facilmente reproduzível em
escala industrial.
O desenho industrial, por se
caracterizar em uma inovação estética facilmente reproduzível em escala
industrial, a partir de sua publicidade, passa a integrar o estado da técnica.
Nota-se, portanto, que o desenvolvimento de desenhos industriais movimenta-se,
ao longo do tempo, numa crescente, podendo ser posteriormente incorporada pelos
produtos de seus concorrentes de forma lícita e regular. Ao seu desenvolvedor
(autor) é assegurado, mediante registro, o direito de exploração exclusiva,
porém temporária (até, no máximo, 25 anos), nos termos do art. 108 da Lei nº
9.279/96.
Trade dress
O denominado trade dress, não disciplinado na legislação nacional atual, tem por
finalidade proteger o conjunto visual global de um produto ou a forma de
prestação de um serviço. Materializa-se, portanto, pela associação de variados
elementos que, conjugados, traduzem uma forma peculiar e suficientemente distintiva
de inserção do bem no mercado consumidor, vinculando-se à identidade visual dos
produtos ou serviços.
Como vimos, apesar de não haver
legislação específica a proteção do trade
dress é assegurada com fundamento no dever geral de garantia de livre
mercado, ou seja, no dever estatal de assegurar o funcionamento saudável do
mercado, de forma a expurgar condutas desleais tendentes a criar distorções de
concorrência.
Violação ao trade dress
O trade dress é violado quando uma empresa imita sutilmente diversas
características da marca concorrente (normalmente a líder do mercado) com o
objetivo de confundir o público e angariar vendas com base na fama da marca
copiada.
Exemplo de violação ao trade
dress
Em um caso concreto, o TJSP
entendeu que houve uma empresa cuja marca era “Uai in box” teria violado a trade dress da “China in box”.
Além do nome parecido, a empresa “Uai
in box” também oferecia comida em delivery com pacotes iguais ao da “China in
box”.
Voltando ao exemplo:
No caso concreto, o juiz indeferiu
o pedido de prova pericial formulado pela ré e julgou procedente o pedido da autora
reconhecendo que houve violação ao trade
dress.
O STJ não
concordou com a decisão por entende que esse tema exige discussão fática para o
qual é indispensável a prova pericial:
A
caracterização de concorrência desleal por confusão, apta a ensejar a proteção
ao conjunto-imagem (trade dress) de
bens e produtos é questão fática a ser examinada por meio de perícia técnica.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.353.451-MG, Rel.
Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 19/09/2017 (Info 612).
Ainda que se esteja diante de uma
notória semelhança entre os dois produtos, é indispensável analisar se esta
similitude é aceitável do ponto de vista legal ou se estamos diante de um ato
abusivo, usurpador de conjunto-imagem alheio e passível de confundir o
consumidor.
A dificuldade existe no fato de
que muitas das características que assemelham os produtos se situam numa zona
limítrofe entre o que se admite como concorrência saudável – e até desejável –
e o que se reputa concorrência desleal e parasitária.
Assim, a confusão que caracteriza
concorrência desleal é questão fática, sujeita a exame técnico, a fim de
averiguar o mercado em que inserido o bem e serviço e o resultado da entrada de
novo produto na competição, de modo a se alcançar a imprevisibilidade da conduta
anticompetitiva aos olhos do mercado.
Nesses casos, não é possível,
portanto, que o magistrado consulte única e exclusivamente o seu íntimo para
concluir pela existência de confusão. Dessa forma, o indeferimento de prova
técnica, para utilizar-se de máximas da experiência como substitutivo de prova,
é conduta que cerceia o direito de ampla defesa das partes.