terça-feira, 26 de dezembro de 2017
Em que consiste a chamada “cláusula de tolerância”? Ela é válida?
terça-feira, 26 de dezembro de 2017
Imagine a seguinte situação:
João
deseja comprar um apartamento e procura uma incorporadora imobiliária. Ele
celebra, então, um contrato de promessa de compra e venda com a incorporadora para
aquisição de um apartamento que está sendo construído e que seria entregue em 05/05/2017.
O
comprador compromete-se a pagar todos os meses uma determinada quantia e a
incorporadora obriga-se a entregar o apartamento nesta data futura e certa.
Ocorre
que a cláusula 5.1.3 do ajuste previa que a construtora poderá prorrogar esse
prazo de entrega em mais 180 dias, ou seja, poderá atrasar a entrega.
O
contrato previa que se a construtora não cumprisse a data de 05/05/2017, mas
entregasse o imóvel dentro do prazo de 180 dias, ela não teria que pagar multa
ou qualquer espécie de indenização ao adquirente.
Qual
é o nome dessa cláusula?
É
conhecida como “cláusula de tolerância” ou “prazo de tolerância”.
Voltando
ao nosso exemplo:
Suponhamos
que o apartamento foi entregue a João em 05/10/2017, ou seja, após a data
estipulada, mas dentro do “prazo de tolerância”.
Ocorre
que João não ficou satisfeito e ajuizou ação de indenização contra a
construtora alegando que a “cláusula de tolerância” seria abusiva. Isso porque
essa tolerância não é estabelecida para
o caso de deixar de pagar ou atrasar uma das prestações. Logo, segundo
argumentou João, o contrato prevê uma vantagem excessiva em favor do
fornecedor, sendo que essa mesma prerrogativa não é conferida ao consumidor.
A referida cláusula seria, portanto,
nula de pleno direito por colocar o consumidor em desvantagem exagerada,
consoante preconiza o art. 51, IV, do CDC:
Art. 51. São nulas de pleno direito,
entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e
serviços que:
(...)
IV - estabeleçam obrigações
consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
A
tese de João foi acolhida pelo STJ? A “cláusula de tolerância” é abusiva?
NÃO.
Não é
abusiva a cláusula de tolerância nos contratos de promessa de compra e venda de
imóvel em construção que prevê prorrogação do prazo inicial para a entrega da
obra pelo lapso máximo de 180 (cento e oitenta) dias.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.318-RJ, Rel.
Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 12/9/2017 (Info 612).
Existem no mercado diversos fatores de imprevisibilidade que
podem afetar negativamente a construção de edificações e onerar excessivamente os
incorporadores e construtoras, tais como intempéries, chuvas, escassez de
insumos, greves, falta de mão de obra, crise no setor, entre outros
contratempos.
Assim, diante da complexidade desse negócio, é justificada a
existência de uma cláusula contratual prevendo a possibilidade de eventual
prorrogação do prazo de entrega da obra.
A própria Lei de Incorporações
Imobiliárias (Lei nº 4.591/64) prevê a possibilidade de prorrogação:
Art. 48. (...)
§ 2º Do contrato deverá constar a
prazo da entrega das obras e as condições e formas de sua eventual prorrogação.
Logo, observa-se que a cláusula de tolerância para atraso de
obra possui amparo legal, não constituindo abuso de direito (art. 187 do CC).
Por outro lado, não se verifica também, para fins de mora
contratual, nenhuma desvantagem exagerada em desfavor do consumidor, o que
comprometeria o princípio da equivalência das prestações estabelecidas.
É que a disposição contratual de prorrogação da entrega do
empreendimento adveio das práticas do mercado de construção civil consolidadas
há décadas, ou seja, originou-se dos costumes da área, sobretudo para amenizar
o risco da atividade, haja vista a dificuldade de se fixar data certa para o
término de obra de grande magnitude sujeita a diversas obstáculos e situações
imprevisíveis, o que concorre para a diminuição do preço final da unidade
habitacional a ser suportada pelo adquirente.
De fato, quanto maior o risco do empreendimento, maior o
preço final ao consumidor.
Prazo máximo de tolerância: 180 dias
O STJ afirmou, contudo, que esse prazo de tolerância deverá
ser de, no máximo, 180 dias, visto que, por analogia, é o prazo de validade do
registro da incorporação e da carência para desistir do empreendimento (arts.
33 e 34, § 2º, da Lei nº 4.591/64 e 12 da Lei nº 4.864/65) e é o prazo máximo
para que o fornecedor sane vício do produto (art. 18, § 2º, do CDC).
Assim, a cláusula de tolerância que estipular prazo de
prorrogação superior a 180 (cento e oitenta) dias será considerada abusiva,
devendo ser desconsiderados os dias excedentes.
Dever de informação
Vale ressaltar, por fim,
que o incorporador terá que informar claramente o consumidor, inclusive em
ofertas, informes e peças publicitárias, do eventual prazo de prorrogação para
a entrega da unidade imobiliária, sob pena de haver publicidade enganosa, cujo
descumprimento implicará responsabilidade civil.