Imagine a seguinte situação hipotética:
João, Pedro e Tiago são contadores e possuem um escritório
de contabilidade.
O Conselho Regional de Contabilidade iniciou um procedimento
de fiscalização no referido escritório e, para isso, requisitou dos contadores
a apresentação dos livros e documentos contábeis de seus clientes, bem como os
contratos de prestação de serviços profissionais e a relação de clientes que
estão sob sua responsabilidade técnica.
Os contadores impetraram mandado de segurança pedindo para
não serem obrigados a disponibilizar tais informações sob o argumento de que
estariam protegidos pela privacidade e pelo sigilo profissional.
O pedido contido no mandado de segurança foi acolhido? A exigência do
CRC viola a privacidade e o sigilo profissional?
NÃO.
O
ato do Conselho de Contabilidade que requisita dos contadores e dos técnicos os
livros e fichas contábeis de seus clientes, a fim de promover a fiscalização da
atividade contábil dos profissionais nele inscritos, não importa em ofensa aos
princípios da privacidade e do sigilo profissional.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.420.396-PR, Rel.
Min. Sérgio Kukina, julgado em 19/09/2017 (Info 612).
O art. 1.190 do Código Civil
prevê o seguinte:
Art.
1.190. Ressalvados os casos previstos em lei,
nenhuma autoridade, juiz ou tribunal, sob qualquer pretexto, poderá fazer ou
ordenar diligência para verificar se o empresário ou a sociedade empresária
observam, ou não, em seus livros e fichas, as formalidades prescritas em lei.
Dessa forma, apenas nos
casos previstos em lei poderá a autoridade, juiz ou tribunal requisitar livros
e fichas contábeis do empresário ou sociedade empresária para verificar a
observância das formalidades legais.
O Presidente do Conselho Regional de Contabilidade é uma autoridade
administrativa e possui autorização legal para realizar o exercício da
atividade fiscalizatória em relação a contadores e escritórios de contabilidade.
Essa autorização legal advém do Decreto-Lei nº 9.295/46, que
criou o Conselho Federal de Contabilidade e os Conselhos Regionais de
Contabilidade. Com efeito, o art. 2º desse diploma prevê que:
Art. 2º A fiscalização
do exercício da profissão contábil, assim entendendo-se os profissionais
habilitados como contadores e técnicos em contabilidade, será exercida pelo Conselho Federal de Contabilidade e pelos Conselhos
Regionais de Contabilidade a que se refere o art. 1º. (Redação dada pela
Lei nº 12.249/2010)
De igual modo, o art. 10, letra
“c” deste diploma legal preconiza:
Art. 10. São atribuições dos Conselhos
Regionais:
(...)
c) fiscalizar o exercício das profissões
de contador e guarda-livros, impedindo e punindo as infrações, e bem assim,
enviando às autoridades competentes minuciosos e documentados relatórios sobre
fatos que apurarem, e cuja solução ou repressão não seja de sua aIçada;
Dessa forma, como existe previsão legal específica para o
exercício fiscalizatório pelos Conselhos de Contabilidade, pode-se concluir que
o art. 1.190 do Código Civil está sendo respeitado.
Vale ressaltar, por fim, que a fiscalização exercida pelo
CRC tem por foco central verificar, não o mérito em si, mas os aspectos
relacionados à forma, ou seja, atestar se o profissional da contabilidade, na
sua rotina de trabalho, observa as normas técnicas concernentes à atividade
contábil. Sendo esse o propósito primeiro da fiscalização desenvolvida pela
entidade classista, não se antevê afronta à privacidade e ao sigilo
profissional dos escritórios fiscalizados e da escrituração contábil de seus
clientes.