Dizer o Direito

sábado, 9 de dezembro de 2017

Comentários à Lei 13.531/2017: mudanças nos crimes de dano e receptação



Olá amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada no último dia 08/12, a Lei nº 13.531/2017, que promove alteração nas qualificadoras dos crimes de dano (art. 163 do CP) e receptação (art. 180) envolvendo bens públicos.

Vamos entender o que mudou:

CRIME DE DANO

O crime de dano é previsto no art. 163 do CP:
Art. 163. Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

No parágrafo único estão previstas as hipóteses de dano qualificado.
Repare na redação do inciso III do art. 163 do CP (antes da Lei nº 13.531/2017):
Parágrafo único. Se o crime é cometido:
III - contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista;
Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

Este inciso III possuía duas falhas:
1) Falava em União, Estado, Município, mas não mencionava o Distrito Federal;
2) Falava em empresa concessionária e sociedade de economia mista, mas não mencionava as empresas públicas.

O que isso significava?
Vamos ver com base em dois exemplos:

Exemplo 1:
Mário, chateado por ter sido mal atendido, pegou um pedaço de ferro que estava na rua e desferiu golpe na porta de vidro da Secretaria de Saúde do Estado do Amazonas, quebrando-a.
Mário praticou dano qualificado (art. 163, parágrafo único, III, do CP).
Imagine agora que Ricardo, chateado por ter sido mal atendido, pegou um pedaço de ferro que estava na rua e desferiu golpe na porta de vidro da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, quebrando-a.
Pela redação original do art. 163, parágrafo único, III, Ricardo responderia por dano simples (art. 163, caput, do CP).
Como o inciso III não falava no “Distrito Federal”, a conduta de destruir, inutilizar ou deteriorar o patrimônio do DF não configurava o crime de dano qualificado, subsumindo-se, em tese, à modalidade simples do delito. O STJ entendia que não se podia, neste caso, fazer analogia in malam partem a fim de ampliar o rol contido no art. 163, III, do CP, incluindo o Distrito Federal. Nesse sentido: STJ. 6ª Turma. HC 154.051-DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 4/12/2012 (Info 515).
Vale ressaltar que foi uma falha do legislador, que se “esqueceu” de mencionar o Distrito Federal no art. 163, parágrafo único.

Exemplo 2:
João, chateado por ter sido mal atendido, pegou um pedaço de ferro que estava na rua e desferiu golpe na porta de vidro de uma agência do Banco do Brasil (sociedade de economia mista federal), quebrando-a.
João praticou dano qualificado (art. 163, parágrafo único, III, do CP).
Imagine agora que Pedro, chateado por ter sido mal atendido, pegou um pedaço de ferro que estava na rua e desferiu golpe na porta de vidro de uma agência da Caixa Econômica Federal (empresa pública federal), quebrando-a.
Pela redação original do art. 163, parágrafo único, III, Pedro responderia por dano simples (art. 163, caput, do CP).
O STJ entendia que não era possível incluir as empresas públicas uma vez que isso seria realizar analogia em prejuízo ao réu, o que não é permitido no Direito Penal. Nesse sentido: STJ. 5ª Turma. RHC 57.544-SP, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador convocado do TJ-PE), julgado em 6/8/2015 (Info 567).
Mais uma vez é importante esclarecer que não havia razão lógica para a lei ter feito essa distinção. O que se pode concluir, portanto, é que houve outra falha do legislador, que se “esqueceu” de mencionar as empresas públicas no art. 163, parágrafo único.

O que fez a Lei nº 13.531/2017?
Corrigiu essas duas falhas e incluiu o “Distrito Federal”, as “autarquias”, as “fundações” e as “empresas públicas” no rol do inciso III do parágrafo único do art. 163 do CP. Compare:
Antes da Lei nº 13.531/2017
ATUALMENTE
Art. 163 (...)
Parágrafo único. Se o crime é cometido:
III - contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista;
Art. 163 (...)
Parágrafo único. Se o crime é cometido:
III - contra o patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos;

Dessa forma, agora resta expressamente previsto que configura dano qualificado a prática de dano cometido contra o patrimônio:
• da União;
• de Estado-membro;
• do Distrito Federal;
• de Município;
• de autarquia;
• de fundação pública;
• de empresa pública;
• de sociedade de economia mista;
• de empresa concessionária de serviços públicos.


CRIME DE RECEPTAÇÃO

O Código Penal prevê o delito de receptação no art. 180:
Art. 180. Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

O § 6º do art. 180, por sua vez, prevê que a pena é maior quando a receptação envolver bens públicos. Veja a redação original do dispositivo, ou seja, antes da Lei nº 13.531/2017:
§ 6º - Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro.

Primeira pergunta importante. Qual é a natureza jurídica desse § 6º do art. 180 do CP? Trata-se de causa de aumento ou de qualificadora?
1ª corrente: causa de aumento de pena. Posição de Luiz Régis Prado e Rogério Sanches.
2ª corrente: qualificadora. Opinião de Mirabete, Nucci, Capez, Greco e Masson.

Explica Cleber Masson:
“(...) o dispositivo contém uma verdadeira qualificadora. A lei é clara: a pena é aplicada em dobro. Não se fala no aumento da pena até o dobro, mas na sua obrigatória duplicação. Portanto, a pena da receptação simples – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa – é alterada. Continua a ser de reclusão, mas seus limites mínimo e máximo passam a ser, respectivamente, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, sem prejuízo da multa.” (Direito Penal Esquematizado. 3ª ed., São Paulo: Método, 2011, p. 632).

Segunda pergunta importante. Essa majorante do § 6º do art. 180 do CP é aplicada a todas as espécies de receptação?
NÃO. O § 6º menciona expressamente o caput do art. 180 do CP. Logo, esta majorante somente é aplicada à receptação simples, própria ou imprópria, prevista no art. 180, caput do CP.
Assim, se o agente pratica a receptação prevista no § 1º do art. 180 do CP (receptação qualificada pelo exercício de atividade comercial ou industrial) ou no § 3º (receptação culposa), mesmo o bem ou as instalações sendo públicas, não se aplica o § 6º.

Terceira pergunta importante. Mesmas falhas explicadas no caso do crime de dano.
A redação originária do § 6º do art. 180 do CP possuía as mesmas falhas do art. 163, parágrafo único, III, do CP acima explicadas.
O § 6º não mencionou o “Distrito Federal” e as “empresas públicas” e não foi muito claro ao tratar sobre as autarquias e fundações. Diante disso, a Lei nº 13.531/2017 veio para corrigir essas lacunas:
Antes da Lei nº 13.531/2017
ATUALMENTE
Art. 180 (...)
§ 6º Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro.
Art. 180 (...)
§ 6º Tratando-se de bens do patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos, aplica-se em dobro a pena prevista no caput deste artigo.

Desse modo, agora resta expressamente previsto que a pena em dobro prevista no § 6º do art. 180 do CP aplica-se em caso de receptação envolvendo bens do patrimônio:
• da União;
• de Estado-membro;
• do Distrito Federal;
• de Município;
• de autarquia;
• de fundação pública;
• de empresa pública;
• de sociedade de economia mista;
• de empresa concessionária de serviços públicos.

A Lei nº 13.531/2017 entrou em vigor no dia 08/12/2017. Vale ressaltar que esta Lei não se aplica para os crimes cometidos antes da sua vigência, considerando que se trata de lei penal mais gravosa. Assim, se no dia 07/12/2017, alguém praticou dano contra o patrimônio do Distrito Federal ou de uma empresa pública, responderá por dano simples. Da mesma forma, para as condutas de receptação cometidas até 07/12/2017, incide a redação anterior do art. 180, § 6º.



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