Dizer o Direito

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Associação de Municípios não pode ajuizar ação para tutelar direitos dos Municípios


Imagine a seguinte situação:
FUNDEF significa Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério e vigorou de 1997 a 2006. Foi uma forma encontrada pelo governo para destinar mais recursos para a educação, vinculando a arrecadação de alguns impostos para investimentos no ensino fundamental.
A União também deveria participar do FUNDEF aplicando recursos para complementar os valores aplicados pelos Estados e Municípios.
Diversos Municípios ingressaram com ações contra a União alegando que o valor repassado pelo ente federal por aluno ficou abaixo daquilo que a legislação determinava.
Até aí, tudo bem. Estas ações tramitam (ou tramitaram) normalmente.
O ponto interessante que eu gostaria de chamar a atenção foi o seguinte: a Associação dos Municípios e Prefeitos do Estado do Ceará – APRECE, com o objetivo de facilitar a situação para os Municípios cearenses, decidiu ingressar, como representante processual, com ação contra a União, objetivando a condenação desta à complementação dos valores do FUNDEF. Em outras palavras, a referida associação falou: meus associados (Municípios) foram prejudicados pelos repasses da União abaixo do valor previsto na lei. Logo, eu quero a condenação da União a pagar os valores corretos em favor de cada um dos Municípios prejudicados.

Este pedido pode ser conhecido? A referida associação possui legitimidade para defender, em juízo, os direitos dos Municípios associados?
NÃO.
Associação de Municípios e Prefeitos não possui legitimidade ativa para tutelar em juízo direitos e interesses das pessoas jurídicas de direito público.
STJ. 1ª Seção. REsp 1.503.007-CE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 14/6/2017 (Info 610).

A ação foi proposta pela associação como representante processual
Em primeiro lugar, deve-se deixar claro que a associação ingressou em juízo como representante processual dos Municípios (e não como substituto processual). Isso porque, segundo o STF (RE 573232), o art. 5º, XXI, da CF/88 traz hipótese de representação processual:
Art. 5º (...)
XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;

No caso concreto, inclusive, havia termo de adesão assinado pelos Prefeitos dos Municípios concordando com a propositura a ação, o que configura a autorização exigida pelo art. 5º, XXI, da CF/88.

Quem representa os Municípios em juízo
A representação judicial dos Municípios, ativa e passivamente, deve ser exercida por seu Prefeito ou Procurador, conforme previsto no art. 75, III, do CPC/2015:
Art. 75.  Serão representados em juízo, ativa e passivamente:
(...)
III - o Município, por seu prefeito ou procurador;

Portanto, não é possível que essa regra expressa seja alterada para que a representação se faça por associação de municípios.

A representação do ente municipal não pode ser exercida por associação de direito privado, haja vista que se submete às normas de direito público. Assim sendo, não se pode admitir que haja uma delegação para que uma pessoa jurídica de direito privado (associação) possa tutelar interesses de pessoa jurídica de direito público (Município).

Em qualquer tipo de ação, permitir que os Municípios sejam representados por associações equivaleria a autorizar que eles dispusessem de uma série de privilégios materiais e processuais estabelecidos pela lei em seu favor. E, como esses privilégios visam a tutelar o interesse público, não há como os Munícipios disporem deles ajuizando suas ações por meio de associações, pois o interesse público é indisponível.

Existem outros precedentes do STJ no mesmo sentido:

A representação do ente municipal não pode ser exercida por associação de direito privado, haja vista que se submete às normas de direito público. Assim sendo, insuscetível de renúncia ou de delegação a pessoa jurídica de direito privado, tutelar interesse de pessoa jurídica de direito público sob forma de substituição processual.
STJ. 2ª Turma. REsp 1446813/CE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 20/11/2014.


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