segunda-feira, 23 de outubro de 2017
Multa pela quebra do prazo mínimo de fidelidade deve ser proporcional ao tempo que falta para terminar o contrato
segunda-feira, 23 de outubro de 2017
A situação, concreta, com adaptações, foi a seguinte:
Em 2011, nos contratos oferecidos pela NET (empresa de TV a
cabo) aos consumidores havia uma cláusula de fidelização. Segundo esta
cláusula, o prazo de duração do contrato era de 12 meses e se o consumidor resolvesse
cancelar o serviço antes do término do prazo, deveria pagar uma multa de R$
300,00.
Isso é chamado de cláusula de fidelização, também conhecida
como cláusula de fidelidade ou contrato de permanência.
O contrato de fidelização é válido?
Em regra, sim. O STJ possui precedentes em relação aos
contratos de telefonia:
(...)
a chamada cláusula de fidelização em contrato de telefonia é legítima, na
medida em que se trata de condição que fica ao alvedrio do assinante, o qual
recebe benefícios por tal fidelização, bem como por ser uma necessidade de
assegurar às operadoras de telefonia um período para recuperar o investimento
realizado com a concessão de tarifas inferiores, bônus, fornecimento de
aparelhos e outras promoções. (...)
STJ. 1ª Turma. REsp 1445560/MG, Rel.
Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/06/2014.
Esse entendimento acima não se restringe aos contratos de
telefonia, abrangendo também todos os pactos envolvendo prestação de serviços
cuja celebração ocorra nos mesmos moldes, como se dá com os demais serviços de
telecomunicações, tais como o de TV a cabo.
Qual é a natureza jurídica desta multa?
Possui natureza jurídica
de cláusula penal, que constitui "pacto acessório pelo qual as partes de
um contrato fixam, de antemão, o valor das perdas e danos que por acaso se
verifiquem em consequência da inexecução culposa da obrigação" (GOMES,
Orlando. Obrigações. 16ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2005, p. 159).
Voltando ao caso concreto:
No caso da NET esta cláusula de fidelidade possuía um
aspecto “polêmico”. Isso porque a multa pela quebra da fidelidade possuía o
mesmo valor não importando quando a rescisão fosse exercida. Ex: se o
consumidor optasse pela rescisão do contrato quando ainda faltavam 10 meses
para ele chegar ao fim, pagaria R$ 300,00. Se cancelasse faltando apenas 1 mês,
arcaria com o mesmo valor.
ACP
Em 2011, o Ministério Público ingressou com ação civil
pública contra essa exigência afirmando que não é razoável que o valor da multa
cobrada pela empresa seja fixo.
Para o MP, o valor dessa multa deveria ser proporcional ao período
restante da relação de fidelidade, ou seja, quanto menor tempo faltar para
terminar o contrato, menor deveria ser a multa.
O pedido do MP foi acolhido pela jurisprudência?
SIM. A cobrança da multa de fidelidade pela prestadora de
serviço de TV a cabo deve ser proporcional ao tempo faltante para o término da
relação de fidelização.
A cobrança integral da multa,
sem computar o prazo de carência parcialmente cumprido pelo consumidor, coloca
o fornecedor em vantagem exagerada, caracterizando conduta incompatível com a
equidade, conforme previsto no art. 51, IV e § 1º, III do CDC:
Art. 51. São nulas de pleno direito,
entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e
serviços que:
IV - estabeleçam obrigações
consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
(...)
§ 1º Presume-se exagerada, entre
outros casos, a vantagem que:
III - se mostra excessivamente onerosa
para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o
interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
O custo arcado pelo prestador do serviço (no caso, a NET) é recuperado
a cada mês em que o contrato é mantido, não sendo razoável a cobrança da mesma
multa àquele que incorre na quebra do pacto no início do prazo de carência e
àquele que, no meio ou ao final, demonstra o seu desinteresse no serviço
prestado.
Resolução nº 632/2014-ANATEL
A ANATEL, percebendo que as
empresas de telecomunicações estavam adotando esta prática, resolveu
disciplinar o tema por meio de uma Resolução na qual determinou expressamente
que a multa pela quebra do plano de fidelidade pode existir, mas deve ser
proporcional ao tempo que faltava para terminar o contrato. Veja:
Art. 57. A Prestadora pode oferecer
benefícios ao Consumidor e, em contrapartida, exigir que permaneça vinculado ao
Contrato de Prestação do Serviço por um prazo mínimo.
§ 1º O tempo máximo para o prazo de
permanência é de 12 (doze) meses.
(...)
Art. 58. Rescindido o Contrato de
Prestação de Serviço antes do final do prazo de permanência, a Prestadora pode
exigir o valor da multa estipulada no Contrato de Permanência, a qual deve ser proporcional ao valor do benefício e ao tempo restante
para o término do prazo de permanência.
Parágrafo único. É vedada a cobrança
prevista no caput na hipótese de rescisão em razão de descumprimento de
obrigação contratual ou legal por parte da Prestadora, cabendo a ela o ônus da
prova da não-procedência do alegado pelo Consumidor.
Dessa forma, a Resolução nº 632/2014-ANATEL veio reforçar a
ideia de que a multa pela quebra da fidelização deve ser proporcional. No
entanto, pode-se dizer que mesmo antes da Resolução a jurisprudência já
considerava abusiva a cobrança de uma multa fixa, ou seja, que não levasse em consideração
o tempo que faltava para terminar o contrato.
Em suma:
A
cobrança da multa de fidelidade pela prestadora de serviço de TV a cabo deve
ser proporcional ao tempo faltante para o término da relação de fidelização,
mesmo antes da vigência da Resolução nº 632/2014 da ANATEL.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.362.084-RJ, Rel.
Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/5/2017 (Info 608).