Dizer o Direito

sábado, 21 de outubro de 2017

Intimação pessoal dos membros do Ministério Público no processo penal



Prerrogativa da intimação pessoal
Os membros do Ministério Público possuem a prerrogativa (o “direito”) de, quando forem ser intimados dos atos processuais, essa intimação ocorrer de forma pessoal.
Essa prerrogativa da intimação pessoal vale tanto para os processos cíveis como para os criminais.

Onde está previsto isso?
Na Lei Complementar nº 75/93 (Estatuto do MPU):
Art. 18. São prerrogativas dos membros do Ministério Público da União:
II - processuais:
h) receber intimação pessoalmente nos autos em qualquer processo e grau de jurisdição nos feitos em que tiver que oficiar.

Na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/93):
Art. 41. Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica:
(...)
IV - receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição, através da entrega dos autos com vista;

No Código de Processo Penal:
Art. 370 (...)
§ 4º A intimação do Ministério Público e do defensor nomeado será pessoal.

E, por fim, no Código de Processo Civil:
Art. 180.  O Ministério Público gozará de prazo em dobro para manifestar-se nos autos, que terá início a partir de sua intimação pessoal, nos termos do art. 183, § 1º.
(...)
Art. 183. (...)
§ 1º A intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico.

O que é intimação pessoal? Como funciona?
A intimação pessoal pode ocorrer mediante as seguintes possibilidades:
a) no próprio cartório ou secretaria da Vara. Ex: o advogado vai ver um processo na secretaria da Vara e o diretor já faz ele tomar ciência da audiência que foi designada;
b) em audiência;
c) pelo correio (via postal com aviso de recebimento);
d) por mandado (cumprido por oficial de justiça);
e) mediante entrega dos autos com vista (carga ou remessa);
f) por meio eletrônico.

Para o MP, legislação exige intimação pessoal com entrega dos autos
No caso do Ministério Público, a Lei determina que a intimação pessoal deve ocorrer através da entrega dos autos com vista (art. 41, IV, da Lei nº 8.625/93). Em outras palavras, não basta que a intimação seja pessoal, ela deverá ainda ocorrer mediante a entrega dos autos.
Dessa feita, o membro do MP não pode ser intimado por mandado, por exemplo, mesmo isso sendo uma forma de intimação pessoal.
Como explica o Min. Roberto Barroso:
“(...) há, em relação ao Ministério Público, uma prerrogativa de ser intimado pessoalmente e com vista dos autos, para qualquer finalidade. Ou seja, não basta a intimação pessoal. Ademais, como dito, a LC nº 75/93 e a Lei nº 8.625/93 são leis especiais e não preveem formas diferenciadas de intimação, de modo que não é aplicável a intimação pessoal (por meio de mandado) prevista na lei geral” (Rcl 17.694/RS, DJe 7/10/2014).

O membro do Ministério Público pode ser intimado por meio eletrônico?
Penso que sim, desde que, no momento da intimação, o processo eletrônico já esteja inteiramente disponível para consulta por parte do membro do MP.
Essa possibilidade é baseada em dois argumentos:
1) O art. 180 c/c o art. 183, § 1º do CPC/2015 permitem;
2) Se o membro do MP é intimado por meio eletrônico e tem acesso integral aos autos eletrônicos, isso é equivalente à “entrega dos autos com vista” (art. 41, IV, da Lei nº 8.625/93). É a versão eletrônica da remessa dos autos físicos como vista.


INTIMAÇÃO PESSOAL OCORRE NA DATA EM QUE OS AUTOS SÃO RECEBIDOS NO ÓRGÃO
No caso da intimação pessoal do membro do MP ser feita mediante entrega dos autos com vista, o que normalmente ocorre na prática é a remessa do processo da Vara para a Instituição (MP), sendo os autos recebidos por um servidor do órgão.

Nessa hipótese, deve-se considerar realizada a intimação pessoal no dia em que o processo chegou no MP, ou somente na data em que o membro do MP apuser seu ciente nos autos?
A intimação considera-se realizada no dia em que os autos são recebidos pelo MP. Logo, segundo o STJ e o STF, o termo inicial da contagem dos prazos é o dia útil seguinte à data da entrada dos autos no órgão público ao qual é dada a vista.

“A contagem dos prazos para a Defensoria Pública ou para o Ministério Público tem início com a entrada dos autos no setor administrativo do órgão e, estando formalizada a carga pelo servidor, configurada está a intimação pessoal, sendo despicienda, para a contagem do prazo, a aposição no processo do ciente por parte do seu membro.” (STJ. REsp 1.278.239-RJ). Isso ocorre para evitar que o início do prazo fique ao sabor da parte, circunstância que não deve ser tolerada, em nome do equilíbrio e igualdade processual entre os envolvidos na lide (STJ. EDcl no RMS 31.791/AC).


INTIMAÇÃO DA DEFENSORIA COM REMESSA DOS AUTOS MESMO DE DECISÃO PROFERIDA EM AUDIÊNCIA
Imagine a seguinte situação hipotética:
João, réu em um processo criminal, foi absolvido pelo juiz em sentença proferida na própria audiência, fato ocorrido dia 02/02/2017.
O membro do Ministério Público estava presente no ato tendo, inclusive, assinado o termo de audiência onde constava o inteiro teor da sentença.
Em 03/03/2017, os autos do processo foram remetidos ao Ministério Público que, no dia seguinte, apresentou recurso de apelação.
O Tribunal julgou a apelação intempestiva sob o argumento de que a contagem do prazo para o recurso se iniciou no dia seguinte à audiência.

Agiu corretamente o Tribunal? Se uma decisão ou sentença é proferida pelo juiz na própria audiência, estando o membro do Ministério Público presente, pode-se dizer que ele foi intimado pessoalmente naquele ato ou será necessário ainda o envio dos autos à Instituição para que a intimação se torne perfeita?
Não agiu corretamente o Tribunal.
Segundo o entendimento do STJ:
O termo inicial da contagem do prazo para impugnar decisão judicial é, para o Ministério Público, a data da entrega dos autos na repartição administrativa do órgão, sendo irrelevante que a intimação pessoal tenha se dado em audiência, em cartório ou por mandado.
STJ. 3ª Seção. REsp 1.349.935-SE, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 23/8/2017 (recurso repetitivo) (Info 611).

Ao longo de um dia o membro do Ministério Público poderá realizar inúmeras audiências criminais, não sendo razoável que, em relação a todas as decisões que foram ali proferidas já se inicie o prazo recursal sem que ele tenha carga dos autos para fazer um exame detalhado.
Vale ressaltar ainda que, muitas vezes, o membro do Ministério Público que participou da audiência não é o mesmo que irá preparar o recurso, o que reforça a necessidade de que o termo inicial da contagem do prazo somente se inicie com a entrega dos autos na Instituição.
Além desses argumentos de ordem prática, não há como negar vigência ao texto expresso da Lei. Tanto a Lei nº 8.625/93 como a LC 75/93 são explícitas em estabelecer a prerrogativa da intimação pessoal aos membros do Ministério Público com carga dos autos.

O entendimento acima explicado vale também a Defensoria Pública?
Prevalece que sim. Confira o seguinte precedente do STF:
Para que a intimação pessoal do Defensor Público se concretize, será necessária a remessa dos autos à Defensoria Pública.
A intimação da Defensoria Pública, a despeito da presença do defensor na audiência de leitura da sentença condenatória, se aperfeiçoa com sua intimação pessoal, mediante a remessa dos autos.
STF. 2ª Turma. HC 125270/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 23/6/2015 (Info 791).

O Ministro Rogério Schietti Cruz, em seu voto no REsp 1.349.935-SE, também manifestou o entendimento de que “a intimação da Defensoria Pública também se aperfeiçoa com a remessa dos autos para vista pessoal do defensor”.

O entendimento acima explicado vale também para processos cíveis? Ex: se, em uma ACP, o juiz profere uma decisão em audiência na qual o MP está presente, será necessária remessa dos autos ao Parquet para que se inicie o prazo recursal?
Ainda não há uma certeza sobre o tema, mas prevalece que não. Isso porque o CPC/2015 previu o seguinte:
Art. 1.003. O prazo para interposição de recurso conta-se da data em que os advogados, a sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público são intimados da decisão.
§ 1º Os sujeitos previstos no caput considerar-se-ão intimados em audiência quando nesta for proferida a decisão.

INTIMAÇÃO PESSOAL DOS MEMBROS DO MP NO PRÓPRIO CARTÓRIO JUDICIAL: IMPOSSIBILIDADE
Na prática forense, pode acontecer a seguinte situação: o Promotor de Justiça ou o Procurador da República, após a audiência, vai até o Cartório/Secretaria da Vara e lá indaga se existem processos criminais para serem remetidos ao MP. O escrivão/diretor de secretaria afirma que sim e mostra a pilha de autos que seguirão ao Parquet. O membro do MP começa a examinar e percebe que alguns são apenas para que ele tome ciência de decisões ou sentenças que foram proferidas pelo juiz. Diante disso, para facilitar, ele decide ali mesmo tomar ciência de alguns deles. Para isso, escreve ao final da decisão/sentença: “Ciente em XX/XX/XX. Carimbo e assinatura”.

A pergunta que surge é a seguinte: tais processos criminais em que o Promotor/Procurador deu ciência ainda precisarão seguir ao MP? O prazo para o MP recorrer contra essa decisão/sentença iniciou neste dia ou para isso será necessário ainda remeter o processo à Instituição?
Ainda será necessário que tais processos sejam remetidos ao MP.
O termo inicial da contagem do prazo para impugnar decisão judicial é, para o Ministério Público, a data da entrega dos autos na repartição administrativa do órgão, sendo irrelevante que a intimação pessoal tenha se dado em audiência, em cartório ou por mandado.
STJ. 3ª Seção. REsp 1.349.935-SE, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 23/8/2017 (recurso repetitivo) (Info 611).

Obs: o entendimento acima (a respeito da intimação em cartório) é uma mudança de posição do STJ. Portanto, atualize seus materiais de estudo e revisões. Mais para frente irei publicar as revisões dos meus livros que trataram sobre o tema.



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