segunda-feira, 14 de agosto de 2017
O art. 115, II, da Lei 8.213/91 não pode ser aplicado para cobrança de valores pagos pelo INSS por força de decisão judicial posteriormente revogada
segunda-feira, 14 de agosto de 2017
Caso
1. Imagine a seguinte situação hipotética:
Pedro
é segurado do INSS e recebe um benefício no valor de 2 salários mínimos.
Em um determinado mês, a autarquia, por equívoco,
depositou 3 salários mínimos na conta do beneficiário.
Constatado
o erro, Pedro foi chamado até a agência do INSS, sendo solicitado que ele
devolvesse os valores percebidos, pedido este recusado pelo segurado.
O
que o INSS deverá fazer para reaver os valores pagos indevidamente?
A
autarquia poderá descontar esta quantia da aposentadoria de Pedro que será paga
nos meses seguintes. Isso está previsto no art. 115, II, da Lei nº 8.213/91:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)
II - pagamento de benefício além do
devido;
(...)
§ 1º Na hipótese do inciso II, o
desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé.
O inciso II do art. 115 da Lei nº 8.213/1991 autoriza o INSS
fazer o desconto de pagamentos além do devido nos benefícios por ela mantidos.
Respeitados a ampla defesa e o contraditório, princípios que também norteiam o
devido processo legal administrativo (art. 5º, LIV e LV, da CF/88 e art. 2º da
Lei nº 9.784/99), este dispositivo é um meio de autotutela estatal que tem por
objetivo manter o sistema previdenciário em condições superavitárias, evitando
o enriquecimento sem causa e a judicialização de conflitos.
Caso
2. Imagine agora uma situação diferente:
João
é aposentado do regime geral de previdência social (INSS) recebendo R$ 1 mil a
título de proventos.
Ele
propõe ação judicial contra o INSS pedindo a revisão de sua aposentadoria sob o
argumento de que o valor teria sido calculado de forma errada.
O
juiz concorda com os argumentos do autor e concede tutela provisória de
urgência (“tutela antecipada”), determinando que o INSS fique pagando
mensalmente R$ 1.500,00 de proventos.
A
Turma Recursal reforma a sentença do magistrado, revogando a tutela provisória
de urgência (“tutela antecipada”) anteriormente concedida e julgando
improcedente o pedido.
Ocorre
que João recebeu 10 meses desse valor a mais por força da tutela provisória de
urgência.
Indaga-se:
o autor terá que devolver a quantia recebida?
Posição do STJ:
SIM
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Alguns julgados do STF:
NÃO
|
A reforma da decisão que
antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios
previdenciários indevidamente recebidos.
STJ. 1ª Seção. REsp
1.401.560-MT, Rel. para acórdão Min. Ari Pargendler, julgado em 12/2/2014
(recurso repetitivo) (Info 570).
Na devolução do benefício
previdenciário recebido em antecipação dos efeitos da tutela que tenha sido
posteriormente revogada, devem ser observados os seguintes parâmetros:
a) a execução de sentença
declaratória do direito deverá ser promovida; e
b)
liquidado e incontroverso o crédito executado, o INSS poderá fazer o desconto
em folha de até 10% da remuneração dos benefícios previdenciários em
manutenção até a satisfação do crédito.
STJ. 1ª
Seção. REsp 1.384.418-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 12/6/2013
(Info 524).
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Há
precedentes do STF no mesmo sentido:
(...) A jurisprudência do STF
já assentou que o benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado,
em decorrência de decisão judicial, não está sujeito à repetição de indébito,
em razão de seu caráter alimentar. Precedentes. 2. Decisão judicial que
reconhece a impossibilidade de descontos dos valores indevidamente recebidos
pelo segurado não implica declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da
Lei nº 8.213/1991. (...)
STF. 1ª Turma. ARE 734242
AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 04/08/2015.
Vale
ressaltar, por outro lado, que existem outros julgados do STF afirmando que
não cabe à Corte analisar o tema, sob o argumento de que a matéria seria de
natureza infraconstitucional: RE 798793 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em
10/02/2015.
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Voltando ao nosso exemplo (caso 2):
Com a revogação da tutela provisória de urgência (“tutela
antecipada”), João terá que devolver R$ 5 mil ao INSS considerando que foi esse
o valor que ele recebeu por força da decisão judicial modificada.
O INSS passou a descontar, na via administrativa, os valores
desembolsados durante a vigência da “tutela antecipada”. Assim, João, que antes
recebia R$ 1 mil por mês, passou a ver em seu contracheque apenas R$ 900,00.
João procurou o INSS e a autarquia argumentou que está
autorizada a fazer isso com base no art. 115, II, da Lei nº 8.213/91.
O argumento do INSS está correto? O INSS pode descontar, na via
administrativa, valores recebidos por força de decisão judicial precária posteriormente
cassada em decorrência da improcedência do pedido? Aplica-se o art. 115, II,
neste caso?
NÃO.
O
art. 115, II, da Lei nº 8.213/91 não autoriza o INSS a descontar, na via
administrativa, valores concedidos a título de tutela antecipada (tutela
provisória de urgência), posteriormente cassada com a improcedência do pedido.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.338.912-SE, Rel.
Min. Benedito Gonçalves, julgado em 23/5/2017 (Info 605).
O inciso II do art. 115 aplica-se apenas para a recuperação
de pagamentos feitos pelo INSS na via administrativa, não podendo ser utilizado
caso o pagamento tenha sido determinado por decisão judicial.
Quando o valor pago ao segurado ou beneficiário ocorreu por
força de decisão judicial, o INSS deverá se valer dos instrumentos judiciais
para ter de volta essa quantia.
Assim, o art. 115, II, não autoriza a Administração
Previdenciária a cobrar, administrativamente, valores pagos a título de tutela
judicial, sob pena de afronta ao princípio da segurança jurídica.