Dizer o Direito

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Não se pode relativizar a coisa julgada se ação de investigação foi julgada procedente pelo fato de o investigado ter se recusado a fazer o DNA



Situação 1. Imagine a seguinte situação hipotética:
Em 1995, Daniel ajuizou uma ação de investigação de paternidade contra Honofre, seu suposto pai, tendo esta sido julgada improcedente.
Vale ressaltar que, na época, não foi realizado exame de DNA, que ainda era raro no Brasil.
A sentença transitou em julgado.

Daniel poderá ajuizar nova ação de investigação de paternidade contra Honofre, pedindo agora a realização do exame de DNA? É possível flexibilizar a coisa julgada material formada em investigação de paternidade julgada improcedente e na qual não foi feito exame de DNA?
SIM, é possível a flexibilização da coisa julgada material nas ações de investigação de paternidade, na situação em que o pedido foi julgado improcedente por falta de prova.
Esse é o entendimento consolidado na jurisprudência:
Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo.
STF. Plenário. RE 363889, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 02/06/2011 (repercussão geral).

Nas ações de investigação de paternidade, o STJ e STF admitem a relativização da coisa julgada quando, na demanda anterior, não foi possível a realização do exame de DNA, em observância ao princípio da verdade real.
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1417628/MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 28/03/2017.

Situação 2. Imaginemos agora a situação um pouco diferente:
Lucas ajuizou ação de investigação de paternidade contra João alegando que este seria seu pai.
O réu recusou-se a fazer o exame de DNA, razão pela qual o juiz julgou a demanda procedente e reconheceu que Lucas é filho de João, aplicando o raciocínio da Súmula 301-STJ:
Súmula 301-STJ: Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.

Depois que esta sentença transitou em julgado, João ingressou com ação negatória de paternidade contra Lucas pedindo a relativização da coisa julgada e a realização de exame de DNA.

Isso é possível? O juiz deverá acolher o pedido de João e realizar o exame de DNA?
NÃO. Esta ação deverá ser extinta sem resolução do mérito pela coisa julgada (art. 485, V, do CPC).
A possibilidade de relativização da coisa julgada nestes casos somente deve ser admitida quando o exame de DNA não foi realizado em virtude de circunstâncias alheias à vontade das partes.
A relativização não pode ser admitida quando a não realização da prova pericial (DNA) na ação investigatória anterior deveu-se, exclusivamente, à recusa de uma das partes em comparecer ao laboratório para a coleta de material biológico.
A parte que se recusou a fazer o DNA e que agora quer desconstituir a coisa julgada sob o argumento de que não foi realizado o referido exame e que este é essencial para a descoberta da verdade real demonstra comportamento contrário à boa-fé objetiva, incidindo naquilo que a doutrina denomina de venire contra
factum proprium (proibição de comportamento contraditório), sendo uma forma de abuso de direito.
Assim, como o autor negou-se a produzir a prova que traria certeza à controvérsia nos autos da ação de investigação de paternidade que transitou em julgado, não pode, agora, utilizar-se, maliciosamente, da ausência da referida prova como fundamento para a propositura de ação negatória de paternidade e, com isso, buscar ver alterada a decisão que lhe foi desfavorável, sob pena de incorrer em violação da boa-fé objetiva.

Em suma:
A relativização da coisa julgada estabelecida em ação de investigação de paternidade – em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes – não se aplica às hipóteses em que o reconhecimento do vínculo se deu, exclusivamente, pela recusa do investigado ou seus herdeiros em comparecer ao laboratório para a coleta do material biológico.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.562.239/MS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 09/05/2017 (Info 604).




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