Dizer o Direito

sábado, 24 de junho de 2017

Se o filho é maior de 18 anos, mas apresenta doença mental incapacitante, seus pais têm dever de prestar alimentos, sendo a necessidade presumida



João paga R$ 4 mil de pensão alimentícia para seu filho Gabriel (de 7 anos), que teve com sua ex-esposa. Qual é o fundamento jurídico para o pagamento dessa prestação?
O fundamento está no poder familiar.
Poder familiar é um conjunto de direitos e deveres conferido aos pais com relação ao filho menor de 18 anos (não emancipado), dentre eles o poder de dirigir a criação e a educação, de conceder consentimento para casar, de exigir que preste obediência, e outros previstos no art. 1.634 do CC.
Como decorrência do poder familiar, os pais são obrigados a dar sustento aos filhos menores, nos termos do art. 1.566, IV, do CC:
Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:
IV – sustento, guarda e educação dos filhos;

Até quando João terá que pagar pensão alimentícia em favor de Gabriel?
Em regra, até 18 anos. Isso porque o poder familiar dos pais sobre os filhos cessa com a maioridade, ou seja, quando os filhos completam 18 anos (art. 1.630 e art. 1.635, III).
Assim, em regra, a obrigação dos pais de prestar alimentos aos filhos cessa com o fim do poder familiar, isto é, quando os filhos completam 18 anos.
É importante, no entanto, fazer um alerta. O fato de o filho completar 18 anos não autoriza que o pai, a partir desse dia, automaticamente, deixe de pagar a pensão. É necessário que o genitor faça um pedido ao juiz de exoneração da obrigação de alimentar. Há, inclusive, uma súmula do STJ a respeito:
Súmula 358-STJ: O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos.

Esse pedido ao juiz deverá ser formulado nos próprios autos da ação de alimentos (se houver) ou, então, o pai terá que propor uma ação de exoneração.
É necessário esse pedido expresso porque o filho deve ter a oportunidade de se defender e pedir para continuar recebendo a pensão por outro motivo que não seja a menoridade (ex: estudo, doença etc.). Veremos mais sobre isso logo abaixo.

Filho maior de 18 anos que se esteja fazendo curso superior ou técnico
A jurisprudência construiu a tese de que, mesmo após completar 18 anos, o filho continua tendo direito de receber alimentos dos pais se ele, por ocasião da extinção do poder familiar, estiver regularmente frequentando curso superior ou técnico.
Nesta hipótese, contudo, o dever de alimentar dos pais tem outro fundamento, qual seja, a relação de parentesco:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

Dessa forma, é devido alimentos ao filho maior quando comprovada a frequência em curso universitário ou técnico, por força da obrigação parental de promover adequada formação profissional:

Esse filho que está fazendo curso superior ou técnico terá direito à pensão alimentícia até que idade?
Em regra, até 24 anos. Essa idade não está prevista no Código Civil, tendo sido uma criação da jurisprudência com base na legislação do imposto de renda que estipula que até esta idade o filho pode ser considerado dependente para fins desse tributo. Nesse sentido:
“Observamos, de outro lado, que, com relação ao direito dos filhos maiores pedirem alimentos aos pais, não é o poder familiar que o determina, mas a relação de parentesco, que predomina e acarreta a responsabilidade alimentícia. Com relação aos filhos que atingem a maioridade, a ideia que deve preponderar é que os alimentos cessam com ela. Entende-se, porém, que a pensão poderá distender-se por mais algum tempo, até que o filho complete os estudos superiores ou profissionalizantes, com idade razoável, e possa prover a própria subsistência.
Nesse sentido, o art. 1.694 do presente Código sublinha que os alimentos devem atender, inclusive, às necessidades de educação. Tem-se entendido que, por aplicação do entendimento fiscal quanto à dependência para o Imposto de renda, que o pensionamento deva ir até os 24 anos de idade.” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito de Família. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 381-382)

Vale ressaltar, no entanto, que esta idade “máxima” de 24 anos é apenas um parâmetro e que o juiz, no caso concreto, poderá ampliar o pagamento da pensão para depois dessa idade, desde que demonstrada, de forma efetiva, a necessidade do alimentando.
Recapitulando o que vimos até agora:
·       Até 18 anos, o filho tem direito à pensão por força do poder familiar;
·       De 18 até 24 anos o filho continuará tendo direito à pensão se estiver fazendo curso superior ou técnico, hipótese na qual o pai terá que pagar os alimentos com fundamento no parentesco.

Vamos avançar. Alguns de vocês devem estar pensando: e se o filho, já graduado, estiver fazendo especialização, mestrado ou doutorado, ele terá direito à pensão alimentícia?
NÃO. Aí já está demais.
O estímulo à qualificação profissional dos filhos não pode ser imposto aos pais de forma perene, sob pena de subverter o instituto da obrigação alimentar oriunda das relações de parentesco, que tem por objetivo, tão só, preservar as condições mínimas de sobrevida do alimentado.
Em rigor, a formação profissional se completa com a graduação, que, de regra, permite ao bacharel o exercício da profissão para a qual se graduou, independentemente de posterior especialização, podendo assim, em tese, prover o próprio sustento, circunstância que afasta, por si só, a presunção iuris tantum de necessidade do filho estudante.
STJ. 3ª Turma. REsp 1505079/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/12/2016.

Imagine agora a seguinte situação hipotética:
Carlos paga pensão alimentícia para seu filho Lucas (de 17 anos) no valor de 30% do salário-mínimo.
Vale ressaltar que Lucas possui uma doença mental grave incapacitante e, por conta disso, recebe, do Poder Público, todos os meses, um valor chamado de “Benefício de Prestação Continuada” (BPC), previsto na Lei nº 8.742/93 – LOAS) e pago para pessoas com deficiência que sejam economicamente miseráveis.
Quando o filho completou 18 anos, Carlos ajuizou ação de exoneração de alimentos contra ele alegando que Lucas não está estudando e que, por ter direito ao benefício assistencial, não teria necessidade de receber a pensão alimentícia.

O argumento de Carlos deverá ser aceito?
NÃO. A ação deverá ser julgada improcedente e Carlos deverá continuar pagando a pensão alimentícia.
É presumida a necessidade de percepção de alimentos do portador de doença mental incapacitante, devendo ser suprida nos mesmos moldes dos alimentos prestados em razão do Poder Familiar, independentemente da maioridade civil do alimentado.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.642.323-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/3/2017 (Info 601).

Necessidade presumida
Conforme vimos acima, quando o filho atinge a maioridade, cessa o dever do pai de pagar os alimentos com fundamento no poder familiar. No entanto, é possível que esse dever continue, mas agora com base em outro alicerce jurídico: o parentesco.
No caso dos alimentos decorrentes do poder familiar, a necessidade do filho é presumida.
Por outro lado, no caso dos alimentos com fundamento no parentesco, em regra, é necessário que o filho prove que necessita da pensão. É necessária comprovação da necessidade.
Na situação de Lucas, quando ele completou 18 anos, o dever de alimentar de seu pai mudou de fundamento: deixou de ser pelo poder familiar e passou a ser pelo parentesco. Apesar disso, como ele é portador de doença mental incapacitante, a necessidade continua sendo presumida.
Assim, em caso de filho maior de 18 anos com doença mental incapacitante, o pai continua tem obrigação de prestar os alimentos, com base no parentesco, sendo, presumida a necessidade do alimentado.

Dever específico previsto no Estatuto da Pessoa com Deficiência
Importante também destacar que a Lei nº 13.146/2015, determina que é dever da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação de diversos direitos, dentre eles, o direito à vida, à saúde, à alimentação e à habitação.

Valores gastos com pessoa com deficiência são muito altos
O Benefício de Prestação Continuada é equivalente a um salário mínimo. As regras de experiência demonstram que, no cotidiano de famílias nas quais um dos membros é acometido de doença mental incapacitante, esse valor é ínfimo se comparado com as efetivas necessidades dessa pessoa.
Mesmo se somarmos o valor da pensão (30% do salário mínimo) com o BPC, ainda assim, a quantia total recebida pelo alimentando fica aquém (abaixo) de suas reais necessidades.

Quadro-resumo:
Filho até 18 anos
Pais têm obrigação de prestar alimentos.
A necessidade do filho é presumida.
Fundamento
Poder familiar
(art. 1.566, IV)
Filho maior de 18 anos
Como regra, os pais não têm obrigação de prestar alimentos.
O filho poderá provar que necessita dos alimentos (ex: motivo de doença).
Fundamento
Parentesco
(art. 1.694)
Filho maior de 18 e menor de 24 anos, se estiver fazendo curso superior ou técnico.
Pais continuam tendo a obrigação de prestar alimentos.
A necessidade do filho é presumida.
Como o filho está estudando, a jurisprudência considera que existe uma presunção de que ele necessita dos alimentos.
Fundamento
Parentesco
(art. 1.694)
Filho maior de 18 e menor de 24 anos, se estiver cursando especialização, mestrado ou doutorado.
Como regra, os pais não têm obrigação de prestar alimentos.
O filho poderá provar que necessita dos alimentos (ex: motivo de doença).
Fundamento
Parentesco
(art. 1.694)
Filho maior de 18 anos que apresenta doença mental incapacitante.
Pais continuam tendo a obrigação de prestar alimentos.
A necessidade do alimentado se presume, e deve ser suprida nos mesmo moldes dos alimentos prestados em razão do poder familiar.
Fundamento
Parentesco
(art. 1.694)



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