segunda-feira, 5 de junho de 2017
Não há necessidade de prévia autorização da ALE para que o STJ receba denúncia criminal contra o Governador do Estado
segunda-feira, 5 de junho de 2017
Responsabilidade do chefe do
Poder Executivo
O chefe do Poder Executivo (Presidente
da República, Governadores e Prefeitos) pode praticar duas espécies de crime:
CRIMES
COMUNS
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CRIMES DE
RESPONSABILIDADE
|
São
aqueles tipificados na lei penal (Código Penal e legislação extravagante).
Exs:
peculato, corrupção passiva etc.
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São
infrações político-administrativas praticadas por pessoas que ocupam
determinados cargos públicos. Caso o agente seja condenado por crime de
responsabilidade, ele não receberá sanções penais (prisão ou multa), mas sim
sanções político-administrativas (perda do cargo e inabilitação para o
exercício de função pública).
Os
crimes de responsabilidade estão previstos:
• Presidente: art. 85 da CF/88 e Lei n.° 1.079/50.
• Governador: Lei n.° 1.079/50.
• Prefeito: DL 201/67.
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Quem
julga:
•
Presidente: STF (após autorização de 2/3 da Câmara dos Deputados).
•
Governador: STJ (não precisa de prévia autorização da ALE).
•
Prefeito: TJ/TRF/TRE (não precisa de prévia autorização da Câmara Municipal).
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Quem
julga:
• Presidente: Senado (após autorização da CD – 2/3).
• Governador: Tribunal Especial (composto por 5
membros da ALE e 5 Desembargadores, sob a presidência do Presidente do TJ)
• Prefeito: Câmara Municipal.
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Algumas Constituições estaduais
preveem que, antes de os Governadores serem julgados (por crimes comuns ou de
responsabilidade), é necessária a autorização da Assembleia Legislativa
(licença prévia) mediante voto de 2/3 de seus membros. É o caso, por exemplo,
da Constituição do Estado do Acre: “Art. 81. Admitida a acusação contra o
governador do Estado, por dois terços da Assembleia Legislativa, é ele
submetido a julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça, nos crimes comuns,
ou perante a Assembleia Legislativa, nos crimes de responsabilidade”. Essa
regra é válida?
NÃO. O STF decidiu que não há
necessidade de prévia autorização da Assembleia Legislativa para que o
Governador do Estado seja processado por crime comum. Assim, o STJ pode receber
denúncia ou queixa proposta contra o Governador e seguir com a ação penal sem
que seja necessária autorização prévia da Assembleia Legislativa.
Ex: o Procurador-Geral da
República ofereceu denúncia contra o Governador de Minas Gerais imputando-lhe a
prática de crimes. Esta denúncia não é apreciada pela Assembleia Legislativa de
MG. O STJ poderá receber a denúncia e julgar o Governador sem que seja
necessária prévia autorização da ALE. A ALE não irá participar de nenhuma forma
deste processo.
As Constituições Estaduais que
exigem prévia autorização da Assembleia Legislativa são inconstitucionais
(violam a Constituição Federal).
Por quê?
O STF invocou cinco argumentos
principais:
a) Ausência de previsão expressa e
inexistência de simetria;
b) Princípio republicano (art. 1º);
c) Princípio da separação dos poderes
(art. 2º)
d) Competência privativa da União (art.
22, I); e
e) Princípio da igualdade (art. 5º).
a) ausência de previsão expressa e
inexistência de simetria
A CF/88 não prevê a necessidade de autorização
prévia da Assembleia Legislativa para o processamento e julgamento de
Governador por crimes comuns perante o STJ.
Dessa forma, não existe fundamento
normativo-constitucional expresso que faculte aos Estados-membros fazerem essa
exigência em suas Constituições estaduais.
Vale ressaltar também que a regra da
CF/88 (art. 86) que exige autorização da Câmara dos Deputados para que o
Presidente da República seja processado criminalmente não pode ser utilizada
pelos Estados sob o argumento da simetria.
Para o STF, não há, neste caso, simetria
a ser observada pelos Estados-membros.
A exigência de prévia autorização foi
expressamente prevista apenas para Presidente da República, Vice-presidente e Ministros
de Estado. Essa é uma decorrência das características e competências que moldam
e constituem o cargo de Presidente da República, mas que não aplicam no caso de
Governador.
Sendo essa previsão uma
excepcionalidade, não pode ser transladada como se fosse regra ou como se
estivesse cumprindo a suposta exigência de simetria para Governador.
b) princípio republicano
A exigência de autorização prévia da
Assembleia Legislativa ocasiona o congelamento de qualquer tentativa de
apuração judicial de eventuais crimes praticados por Governadores.
Dessa forma, essa previsão afronta a
responsividade exigida dos gestores públicos, o que viola o princípio
republicano do Estado.
c) separação dos Poderes
A exigência viola, ainda, a separação dos
Poderes, pois estabelece uma condição não prevista pela CF/88 para o exercício
da jurisdição pelo Poder Judiciário. Assim, o STJ fica impedido de exercer suas
competências e funções até que haja autorização prévia do Poder Legislativo
estadual. Esse tipo de restrição é sempre excepcional e deve estar expresso na
CF/88.
d) competência privativa da União
Ao prever a necessidade de autorização
prévia da Assembleia Legislativa como condição para que o STJ receba a denúncia
ou queixa, o Estado-membro acaba legislando sobre direito processual penal,
matéria que é de competência privativa da União, nos termos do art. 22, I, da
CF/88.
Desse modo, essa regra da prévia
autorização viola a competência privativa da União.
e) princípio da igualdade
Por fim, a previsão da autorização
prévia afronta o princípio da igualdade (art. 5º).
Estabelecer essa condição de
procedibilidade faz com que o Governador seja alçado à condição de superior em
relação às outras pessoas apenas por ocupar este cargo.
Vale ressaltar, ainda, que a EC 35/2001
alterou a redação do art. 53, § 1º, da CF/88 e aboliu a exigência de
autorização prévia das casas legislativas para o processamento e julgamento de Deputados
Federais, Senadores e Deputados Estaduais. O mesmo entendimento de valorização
da igualdade e “accountability” dos representantes do povo deve ser aplicado
aos Governadores, sem as exigências prévias que consubstanciam privilégios e
restrições não autorizados pela CF/88.
O STF sempre entendeu assim?
NÃO. Houve uma mudança na
jurisprudência. O STF entendia válida a norma prevista em Constituição estadual
que exigia autorização prévia da Assembleia Legislativa. Nesse sentido: STF.
Plenário. ADI 4791/PR, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 12/2/2015 (Info
774).
O Min. Edson Fachin afirmou que era necessário
superar o antigo entendimento do STF “diante dos reiterados e vergonhosos casos
de negligência deliberada pelas assembleias legislativas estaduais, que têm
sistematicamente se negado a deferir o processamento de governadores”.
A orientação anterior, que privilegiava
a autonomia dos Estados-membros e o princípio federativo, entrou em linha de
tensão com o princípio republicano, que prevê a responsabilização política dos
governantes. Verificou-se que, ao longo do tempo, as Assembleias Legislativas bloquearam
a possiblidade de instauração de processos contra os Governadores.
Mutação constitucional
Houve, portanto, na presente situação,
uma mutação constitucional.
Há três situações que legitimam a
mutação constitucional e a superação de jurisprudência consolidada:
a) mudança na percepção do direito;
b) modificações na realidade fática; e
c) consequência prática negativa de
determinada linha de entendimento.
Para o STF, as três hipóteses estão
presentes no caso concreto.
O art. 86, § 1º, I, da CF/88
prevê que se o STF receber a denúncia ou queixa-crime contra o Presidente da
República, ele ficará automaticamente suspenso de suas funções. Essa regra
também se aplica para os Governadores de Estado. Se o STJ receber a denúncia ou
queixa-crime contra o Governador, ele ficará automaticamente suspenso de suas
funções no Poder Executivo estadual?
NÃO. O afastamento do cargo não
se dá de forma automática. O simples recebimento de uma denúncia é um ato de
baixa densidade decisória e não pode importar em afastamento automático do
Governador. Esse afastamento somente pode ocorrer se o STJ entender que há
elementos a justificá-lo. O Governador pode ser afastado, mas não como
decorrência automática do recebimento da denúncia.
Assim, o STJ, no ato de
recebimento da denúncia ou queixa, irá decidir, de forma fundamentada, se há
necessidade de o Governador do Estado ser ou não afastado do cargo.
Vale ressaltar que, além do
afastamento do cargo (art. 319, VI, do CPP), o STJ poderá aplicar qualquer uma
das medidas cautelares penais. Exs: prisão preventiva (art. 311 do CPP), proibição
de ausentar-se da comarca (art. 319, IV), fiança (art. 319, VIII), monitoração
eletrônica (art. 319, IX) etc.
Essas medidas cautelares poderão
ser decretadas no momento do recebimento da denúncia/queixa ou durante o curso
do processo e precisam ser sempre fundamentadas.
Em suma:
Não
há necessidade de prévia autorização da Assembleia Legislativa para que o STJ
receba denúncia ou queixa e instaure ação penal contra Governador de Estado,
por crime comum.
Vale
ressaltar que se a Constituição Estadual exigir autorização da ALE para que o
Governador seja processado criminalmente, essa previsão é considerada
inconstitucional.
Assim,
é vedado às unidades federativas instituir normas que condicionem a instauração
de ação penal contra Governador por crime comum à previa autorização da Casa
Legislativa.
Se
o STJ receber a denúncia ou queixa-crime contra o Governador, ele não ficará
automaticamente suspenso de suas funções. Cabe ao STJ dispor, fundamentadamente,
sobre a aplicação de medidas cautelares penais, inclusive afastamento do cargo.
STF. Plenário. ADI 5540/MG, Rel. Min.
Edson Fachin, julgado em 3/5/2017 (Info 863).
STF. Plenário. ADI 4764/AC, ADI
4797/MT e ADI 4798/PI, Rel. Min. Celso de Mello, red. p/ o ac. Min. Roberto
Barroso, julgados em 4/5/2017 (Info 863).
E quanto aos crimes de
responsabilidade?
O STF entende que o Estado-membro
não pode dispor sobre crime de responsabilidade, ainda que seja na Constituição
estadual. Isso porque a competência para legislar sobre crime de
responsabilidade é privativa da União.
Definir o que é crime de
responsabilidade e prever as regras de processo e julgamento dessas infrações
significa legislar sobre Direito Penal e Processual Penal, matérias que são de
competência privativa da União, nos termos do art. 22, I, e art. 85, parágrafo
único, da CF.
O Supremo possui, inclusive, um enunciado
destacando essa conclusão:
Súmula vinculante 46-STF:
São da competência legislativa da União a definição dos crimes de
responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e
julgamento.