Olá amigos do Dizer o
Direito,
Fiquem atentos ao tema
abaixo porque ele tem imensas chances de ser cobrado no próximo concurso da DPU
e também nos certames de Juiz Federal.
Benefício mensal de um salário
mínimo para pessoa com deficiência ou idoso
A CF/88 estabelece, em seu art. 203, V:
Art. 203. A assistência social será
prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade
social, e tem por objetivos:
(...)
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios
de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme
dispuser a lei.
A fim de dar cumprimento a esse comando
constitucional, foi editada a Lei nº 8.742/93 que, em seus arts. 20 a 21-A,
disciplinou como seria pago esse benefício.
Nomenclatura
O art. 20 da Lei nº 8.742/93 denomina
esse direito de “Benefício de Prestação Continuada”. Ele também pode ser
chamado pelos seguintes sinônimos: “Amparo Assistencial”, “Benefício Assistencial” ou “LOAS”.
Em que consiste esse benefício:
Pagamento de um salário-mínimo por
mês
|
•
à pessoa com deficiência; ou
|
Desde que comprove não
possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua
família.
|
•
ao idoso com 65 anos ou mais.
|
Para receber esse
benefício, é necessário que a pessoa contribua ou tenha contribuído para a
seguridade social?
NÃO. Trata-se de um benefício de
assistência social, que será prestado a quem dele necessitar, independentemente
de contribuição à seguridade social. A assistência social é caracterizada por
ser um sistema não-contributivo, ou seja, é prestada independentemente de
contribuição.
Quem administra e concede esse
benefício?
Apesar de o LOAS não ser um
benefício previdenciário, mas sim assistencial, ele é concedido e administrado
pelo INSS. Vale ressaltar, no entanto, que os recursos necessários ao seu
pagamento são fornecidos pela União (art. 29, parágrafo único, da Lei nº 8.742/93).
Assim, a competência para julgar ações
que discutam esse benefício é da Justiça Federal.
Inacumulável
A pessoa que recebe o amparo
assistencial não pode receber ao mesmo tempo outro benefício no âmbito da
seguridade social ou de outro regime, salvo assistência médica e pensão especial
de natureza indenizatória (art. 20, § 4º).
Renda que a lei considera como
sendo insuficiente para subsistência
A Lei nº 8.742/93 prevê, no seu art.
20, § 3º:
§ 3º Considera-se
incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família
cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
Vale ressaltar, no entanto, que esse
critério não é absoluto. O Plenário do STF declarou, incidentalmente, a
inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 (sem pronúncia de
nulidade) por considerar que o referido critério está defasado para caracterizar
a situação de miserabilidade. O STF afirmou que, para aferir que o idoso ou
deficiente não tem meios de se manter, o juiz está livre para se valer de
outros parâmetros, não estando vinculado ao critério da renda per capita inferior a 1/4 do
salário-mínimo previsto no § 3º do art. 20.
STF. Plenário. RE 567985/MT e RE
580963/PR, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, julgados em 17 e 18/4/2013
(Info 702).
Desse modo, como a declaração de inconstitucionalidade
foi sem pronúncia de nulidade, o critério definido pelo art. 20, § 3º, da Lei
nº 8.742/93 continua existindo no mundo jurídico, mas devendo agora ser
interpretado como um indicativo objetivo que não exclui a possibilidade de o
juiz verificar a hipossuficiência econômica do postulante do benefício por
outros meios de prova (STF. 1ª Turma. ARE 834476 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli,
julgado em 03/03/2015).
É como o STJ também vem decidindo:
(...) O limite legal estabelecido no
art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 não é critério absoluto, de modo que a
necessidade/miserabilidade do postulante pode ser comprovada de outras
maneiras. (...) (STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1341655/SP, Rel. Min. Castro
Meira, julgado em 06/08/2013)
...
(...) A jurisprudência do STJ
pacificou-se no sentido de que a limitação do valor da renda per capita
familiar não deve ser considerada a única forma de provar que a pessoa não
possui outros meios para prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua
família, pois é apenas um elemento objetivo para aferir a necessidade, ou seja,
presume-se absolutamente a miserabilidade quando demonstrada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário-mínimo. Orientação reafirmada no julgamento do REsp
1.112.557/MG, sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC). (STJ. 2ª
Turma. AgRg no AgRg no AREsp 617.901/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em
05/05/2015)
Desse modo, o que eu queria que
você entendesse é que, mesmo após a decisão do STF nos RE 567985/MT e RE 580963/PR, o art. 20,
§ 3º, da Lei nº 8.742/93 continua sendo um dos critérios para se aferir a
miserabilidade, sem prejuízo de outros. Assim, na prática, se a renda familiar
mensal per capita for superior a 1/4
do salário mínimo e não houver outras provas que atestem a miserabilidade, o
benefício assistencial será negado.
Novo § 11 do art. 20 da Lei nº 8.742/93
O legislador, de forma acertada,
encampou o entendimento jurisprudencial acima explicado e, por meio da Lei nº
13.146/2015, inseriu o § 11 ao art. 20 da Lei nº 8.742/93 prevendo o seguinte:
§ 11. Para concessão do benefício de
que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos
probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de
vulnerabilidade, conforme regulamento.
O que se entende por renda familiar
mensal per
capita? Como isso é calculado?
Normalmente, um assistente social
vai até a residência da pessoa que está requerendo o benefício e faz
entrevistas com ela e os demais moradores da casa, indagando sobre as fontes de
renda de cada, verificando as condições estruturais do lar, os móveis e
eletrodomésticos existentes no local etc.
Após isso, é elaborado um laudo
social.
A renda familiar mensal per
capita é calculada da seguinte forma: soma-se todos os rendimentos dos membros
da família que moram na mesma casa que o requerente do benefício e depois
divide-se esse valor pelo número de familiares (incluindo o requerente). Ex.:
Carla (pessoa com deficiência) mora com seus pais (João e Maria) e mais um
irmão (Lucas). João e Maria trabalham e ganham um salário mínimo, cada. Cálculo
da renda mensal per capita: 2 salários mínimos divididos por 4 pessoas = 2:4.
Logo, a renda mensal per capita será igual a 1/2 do salário mínimo. Neste
exemplo, a renda familiar mensal per capita será maior do que o teto imposto
pelo art. 20,
§ 3º, da Lei nº 8.742/93. Mesmo assim, o juiz poderá conceder o benefício,
desde que existam outras provas que atestem a miserabilidade da requerente. Não
havendo, contudo, tal comprovação, o benefício será negado.
O que se entende por família?
Para os fins da renda familiar do LOAS,
a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na
ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos
e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto
(art. 20, § 1º).
O estrangeiro residente no Brasil pode
ter direito a esse benefício de prestação continuada?
SIM.
Os
estrangeiros residentes no País são beneficiários da assistência social
prevista no art. 203, V, da Constituição Federal, uma vez atendidos os
requisitos constitucionais e legais.
STF. Plenário. RE
587970/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 19 e 20/4/2017 (repercussão
geral) (Info 861).
Direito fundamental
O benefício assistencial previsto
no art. 203, V, da CF/88 é uma expressão dos princípios da solidariedade e da
erradicação da pobreza, elencados no art. 3º, I e III, do Texto Constitucional.
Trata-se de uma forma de garantir assistência aos desamparados (art. 6º, caput,
da CF/88). Por essa razão, possui natureza jurídica de direito fundamental.
"Assistência social será prestada
a quem dela necessitar"
O caput do art. 203 da CF/88
afirma que a "assistência social será prestada a quem dela necessitar".
Essa expressão deve ser
interpretada de acordo com a dignidade da pessoa humana, com a solidariedade
social, com a erradicação da pobreza e com a assistência aos desamparados.
Princípio da dignidade humana
O conceito de dignidade humana
pode ser decomposto em três elementos
1) valor intrínseco;
2) autonomia; e
3) valor comunitário.
Valor intrínseco
Como "valor intrínseco",
a dignidade significa que se deve reconhecer que cada indivíduo é um fim em si
mesmo. Todo ser humano deve ser valorizado, independentemente das escolhas,
situação pessoal ou origem.
Assim, deixar desamparado um ser
humano que não tem condições de se sustentar pelo simples fato de ele ser
oriundo de outro país seria uma desconsideração deste valor.
Autonomia
"Autonomia" aqui
significa dizer que a dignidade protege as decisões e atitudes tomadas pelo
indivíduo em relação à sua vida.
Ex:
se duas pessoas decidem viver uma união homoafetiva, o Estado deverá proteger
essa legítima escolha.
Desse modo, o Estado existe para
auxiliar os indivíduos na realização dos seus projetos pessoais de vida, que
traduzem o livre e pleno desenvolvimento da personalidade.
Para que a pessoa possa ir em
busca da construção de um ideal de vida boa, é fundamental que lhe sejam
fornecidas condições materiais mínimas. Nesse aspecto, a previsão do art. 203,
V, da CF também funciona como um meio de assegurar esta concepção de vida
digna, cabendo ao Estado brasileiro dar essa sustentação até mesmo ao
estrangeiro.
Valor comunitário
O estrangeiro residente no País,
inserido na comunidade, participa do esforço mútuo, na construção de um
propósito comum. Esse laço de irmandade faz-nos, de algum modo, responsáveis
pelo bem de todos, até mesmo daqueles que adotaram o Brasil como novo lar e
fundaram seus alicerces pessoais e sociais nesta terra.
Desde a criação da nação
brasileira, a presença do estrangeiro no País foi incentivada e tolerada. Não
seria coerente com a história estabelecer diferenciação tão somente pela
nacionalidade, especialmente quando a dignidade está em xeque em momento de
fragilidade do ser humano — idade avançada ou algum tipo de deficiência.
CF não fez distinção para os
desamparados
O constituinte instituiu a
obrigação do Estado de prover assistência aos desamparados, sem distinção. Com
base no art. 6º da CF/88, os Poderes Públicos devem efetivar políticas para
remediar, ainda que minimamente, a situação precária daqueles que acabaram
relegados a essa condição, sem ressalva em relação ao não nacional.
Pelo contrário, o art. 5º, caput,
da CF/88 estampa o princípio da igualdade e a necessidade de tratamento
isonômico entre brasileiros e estrangeiros residentes no País.
Lei nº 8.742/93
A Lei nº 8.742/93, que
regulamentou o benefício, silenciou a respeito dos estrangeiros residentes no
País. Esse silêncio não pode ser interpretado como uma recusa do benefício aos
estrangeiros porque a CF foi expressa ao afirmar, de forma ampla, que “a
assistência social será prestada a quem dela necessitar”.
Importante também esclarecer que
o art. 203, V, da CF/88, ao delegar ao legislador ordinário a regulamentação do
benefício, o fez apenas quanto à forma de comprovação da renda e das condições
específicas de idoso ou portador de necessidades especiais hipossuficiente. No
entanto, não houve delegação quanto à definição dos beneficiários.
Diante disso, deve prevalecer a
interpretação que assegura o benefício aos estrangeiros residentes no Brasil,
considerando que esta é a exegese que melhor concretiza o princípio
constitucional da dignidade humana, cuja observância surge prioritária no
ordenamento jurídico.
Dificuldades orçamentárias
O Poder Público alegava
dificuldades orçamentárias para assegurar o benefício assistencial aos
estrangeiros residentes no Brasil.
O STF, contudo, rechaçou esta
argumentação afirmando que o orçamento, embora seja peça essencial nas
sociedades contemporâneas, não tem valor absoluto.
Além disso, não foram apresentadas
provas técnicas da indisponibilidade financeira e do suposto impacto para os
cofres públicos nem de prejuízo para os brasileiros natos e naturalizados.
Princípio da reciprocidade
Para evitar o pagamento, a
Administração Pública argumentava também que o benefício apenas poderia ser dado
aos estrangeiros residentes no Brasil se esse mesmo benefício fosse assegurado
aos brasileiros que moram em outros países. Em outras palavras, o benefício somente
poderia ser concedido a estrangeiro originário de país com o qual o Brasil
tenha firmado acordo internacional e que preveja a cobertura da assistência
social a brasileiro que esteja em seu território. Assim, por exemplo, segundo esta
linha de raciocínio, somente poderia ser concedido o amparo assistencial a um
haitiano que viva no Brasil, caso no Haiti seja previsto este mesmo benefício
para os brasileiros que moram lá. Esse argumento era baseado no princípio da
reciprocidade.
O STF concluiu ser descabido este
argumento. Apesar de a reciprocidade permear a CF, não é uma regra absoluta que
deva ser aplicada sempre.
Um exemplo de não aplicação do princípio
da reciprocidade é o Sistema Único de Saúde. O SUS é regido pelo princípio da
universalidade de atendimento. Isso significa que, ao ingressar no território
brasileiro, o estrangeiro tem direito a atendimento médico pelo SUS, caso
precise de assistência de urgência, sem necessidade de que haja reciprocidade no
país de origem. Como exemplo, um norte-americano que esteja no Brasil pode ser atendido
pelo SUS, apesar do fato de esse mesmo direito não ser assegurado aos brasileiros
que estejam nos EUA.
O estrangeiro sem residência fixa
no Brasil ou o estrangeiro em situação irregular em nosso país também possuem
direito ao amparo assistencial do art. 203, V, da CF/88?
NÃO. Somente o estrangeiro com
residência fixa no País pode ser auxiliado com o benefício assistencial, pois,
inserido na sociedade, contribui para a construção de melhor situação social e
econômica da coletividade.
De igual modo, somente o
estrangeiro em situação regular no País pode se dizer beneficiário da
assistência social. Isso significa que os
estrangeiros que estejam irregulares não terão direito ao benefício pelo fato
de não terem atendido às leis brasileiras, fato que, por si só, demonstra a
ausência de noção de coletividade e de solidariedade a justificar a tutela do
Estado.