Atuação retardada da autoridade responsável
Se a autoridade (seja ela
policial ou administrativa) constatar que existe uma infração penal em curso,
ela deverá tomar as providências necessárias para que esta prática cesse
imediatamente, devendo até mesmo realizar a prisão da pessoa que se encontre em
flagrante delito.
A experiência demonstrou,
contudo, que, em algumas oportunidades, é mais interessante, sob o ponto de
vista da investigação, que a autoridade aguarde um pouco antes de intervir imediatamente
e prender o agente que está praticando o ilícito. Isso ocorre porque em
determinados casos se a autoridade esperar um pouco mais, retardando o
flagrante, poderá descobrir outras pessoas envolvidas na prática da infração
penal, reunir provas mais robustas, conseguir recuperar o produto ou proveito
do crime, enfim obter maiores vantagens para a persecução penal.
Exemplo
O exemplo típico desta técnica de
investigação é o caso do tráfico de drogas. Imagine que a polícia descubra que
determinado passageiro irá embarcar uma grande quantidade de droga em uma barco
que seguirá de um Estado para outro. A polícia poderia prender o traficante no instante
em que este estivesse embarcando o entorpecente, ou ainda, no momento do
transporte. Entretanto, revela-se mais conveniente à investigação que a
autoridade policial aguarde até que o agente chegue ao seu destino onde poderá
descobrir e prender também o destinatário da droga. Este modo de proceder é
chamado de “ação controlada”.
Conceito
Ação controlada é...
- uma técnica especial de
investigação
- por meio da qual a autoridade
policial ou administrativa (ex: Receita Federal, corregedorias),
- mesmo percebendo que existem
indícios da prática de um ato ilícito em curso,
- retarda (atrasa, adia,
posterga) a intervenção neste crime para um momento posterior,
- com o objetivo de conseguir
coletar mais provas,
- descobrir coautores e
partícipes da empreitada criminosa,
- recuperar o produto ou proveito
da infração ou
- resgatar, com segurança,
eventuais vítimas.
Nomenclatura
A ação controlada é também
denominada de “flagrante prorrogado, retardado ou diferido”.
Em que consiste a chamada “entrega
vigiada”?
Trata-se de uma forma de “ação
controlada”, prevista na Convenção de Palermo (Decreto 5.015/2004), por meio da
qual as autoridades policiais ou administrativas permitem que “remessas
ilícitas ou suspeitas saiam do território de um ou mais Estados, os atravessem
ou neles entrem, com o conhecimento e sob o controle das suas autoridades
competentes, com a finalidade de investigar infrações e identificar as pessoas
envolvidas na sua prática” (art. 2º, "i").
Previsão legislativa
A ação controlada é prevista nos
seguintes dispositivos legais:
Convenção de Palermo (Decreto
5.015/2004):
Artigo 20
Técnicas especiais de
investigação
1. Se os princípios
fundamentais do seu ordenamento jurídico nacional o permitirem, cada Estado
Parte, tendo em conta as suas possibilidades e em conformidade com as condições
prescritas no seu direito interno, adotará as medidas necessárias para
permitir o recurso apropriado a entregas vigiadas e, quando o considere
adequado, o recurso a outras técnicas especiais de investigação, como a
vigilância eletrônica ou outras formas de vigilância e as operações de
infiltração, por parte das autoridades competentes no seu território, a fim de
combater eficazmente a criminalidade organizada.
(...)
4. As entregas vigiadas a
que se tenha decidido recorrer a nível internacional poderão incluir, com o
consentimento dos Estados Partes envolvidos, métodos como a intercepção de
mercadorias e a autorização de prosseguir o seu encaminhamento, sem alteração
ou após subtração ou substituição da totalidade ou de parte dessas mercadorias.
Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas):
Art. 53. Em qualquer fase
da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos,
além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério
Público, os seguintes procedimentos investigatórios:
(...)
II - a não-atuação
policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros
produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro,
com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes
de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.
Parágrafo único. Na
hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que
sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do delito
ou de colaboradores.
Lei nº 9.613/98 (Lei de Lavagem de
Capitais):
Art. 4º-B. A ordem de
prisão de pessoas ou as medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores
poderão ser suspensas pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua
execução imediata puder comprometer as investigações. (Incluído pela Lei nº
12.683/2012)
Lei nº 12.850 (Lei do Crime
Organizado):
Art. 8º Consiste a ação
controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação
praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob
observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento
mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.
Para que ocorra a ação controlada
é necessária prévia autorização judicial?
A resposta irá depender do tipo
de crime que está sendo investigado.
Se a ação controlada envolver
crimes:
• da Lei de Drogas ou de
Lavagem de Dinheiro: SIM. Será necessária prévia autorização judicial
porque o art. 52, II, da Lei nº 11.343/2006 e o art. 4ºB da Lei nº 9.613/98
assim o exigem.
• praticados por organização
criminosa: NÃO. Neste caso será necessário apenas que a autoridade
(policial ou administrativa) avise o juiz que irá realização ação controlada.
Veja o que diz o § 1º do art. 8º da Lei nº 12.850/2013:
Art. 8º (...) § 1º O
retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso,
estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público.
A previsão acima é muito
importante considerando que, na antiga Lei do Crime Organizado (Lei n.° 9.034/95), não se impunha
uma fiscalização prévia da ação controlada por parte do Poder Judiciário, o que
gerava um perigo grande de que houvesse abusos ou, pior, que existissem atos de
corrupção ou leniência praticados pelas autoridades policiais e que fossem
acobertados sob o argumento de que se estava diante de uma “ação controlada”.
Em outras palavras, poderia acontecer de a autoridade identificar a prática de
um crime em curso e não reprimi-lo por conta de corrupção. Caso fosse
descoberta e questionada sobre este fato, a autoridade alegava que estava
praticando uma “ação controlada” e que iria atuar no momento certo. Isso agora
não mais será possível tendo em vista que a Lei exige a comunicação prévia da ação controlada ao juiz.
A Lei nº 12.850/2013 fez bem ao
dispensar a prévia autorização, exigindo tão-somente a comunicação. Isso porque
algumas vezes os fatos se desenrolam de forma muito rápida e não daria tempo
para se aguardar uma decisão judicial. Logo, a comunicação prévia supre a
preocupação externada no parágrafo anterior (evitar que a autoridade policial
"simule" uma ação controlada) e, ao mesmo tempo, não prejudica a
dinâmica das investigações. Assim, protocolizada a comunicação, a ação
controlada poderá ser levada a efeito pela autoridade até que venha, se vier,
uma limitação imposta pelo juiz.
Em
muitas situações, não haveria sequer tempo hábil para que se aguardasse uma
autorização judicial para a ação controlada eis que os fatos da vida acontecem
de forma célere e a execução do delito, não raras vezes, é mais célere que o
tempo necessário para o magistrado autorizar o diferimento da atuação policial.
Vale ressaltar que, se o crime de
tráfico de drogas ou de lavagem de capitais estiverem sendo praticados por
organização criminosa que se enquadre no conceito da Lei nº 12.850/2013, será
possível que a autoridade policial invoque o art. 8º, § 1º deste diploma e faça
a ação controlada valendo-se da mera comunicação prévia considerando que neste
caso estará sendo investigada uma organização criminosa.
Limites à ação controlada
O § 1º do art. 8º da Lei nº
12.850/2013 afirma que, depois de o juiz ser comunicado sobre a realização da
ação controlada ele poderá estabelecer limites a essa prática.
Ex1: o juiz poderá estabelecer
limite de tempo para a ação controlada, de forma que depois disso, a , por
exemplo, a autoridade deverá obrigatoriamente intervir (24h, 2 dias, uma semana
etc.).
Ex2: o magistrado poderá determinar
a autoridade policial que não permita determinadas condutas que violem de forma
muito intensa ou irreversível o bem jurídico. Seria o caso de o juiz alertar o
Delegado: em caso de ofensa à integridade física de vítimas, a força policial
deverá intervir imediatamente, evitando lesões corporais ou morte.
Apesar de o § 1º falar apenas em
limites, penso que o juiz poderá também simplesmente indeferir a ação
controlada, determinando a imediata intervenção policial sempre que não
estiverem previstos os requisitos legais ou quando a postergação não for
recomendada. Ex1: se não envolver organização criminosa considerando que não
estaria previsto o requisito legal. Ex2: se a polícia descobriu o cativeiro de
uma vítima e há interceptação telefônica afirmando que irão matá-la a qualquer
momento.
Procedimento no caso da
comunicação da ação controlada (art. 8º da Lei nº 12.850/2013)
1) A autoridade policial ou
administrativa comunica o juiz sobre a realização da ação controlada,
demonstrando a conveniência da medida e o planejamento de atuação;
2) No setor de protocolo da
Justiça, a comunicação deverá ser sigilosamente distribuída, de forma a não
conter informações que possam indicar a operação a ser efetuada;
3) O juiz comunicará o Ministério
Público acerca do procedimento e poderá estabelecer limites à ação controlada;
4) Até o encerramento da diligência,
o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado
de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações;
5) Ao término da diligência, a
autoridade policial ou administrativa deverá elaborar um auto circunstanciado
acerca da ação controlada.
Ação controlada envolvendo
transposição de fronteiras
Se a ação controlada envolver
transposição de fronteiras, o retardamento da intervenção policial ou
administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos
países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de modo
a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou
proveito do crime (art. 9º da Lei nº 12.850/2013).