Dizer o Direito

quarta-feira, 10 de maio de 2017

A pena de perdimento deve ser restrita ao cargo ocupado no momento do delito, salvo se o novo cargo tiver relação com as atribuições anteriores


Pena de perdimento de cargo, função ou mandato
O art. 92, I, do CP prevê, como efeito extrapenal específico da condenação, o seguinte:
Art. 92. São também efeitos da condenação:
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

Os efeitos previstos no art. 92, I, do CP são automáticos? Em outras palavras, sempre que houver condenação e forem aplicadas as penas previstas nas alíneas “a” e “b”, haverá a perda do cargo?
NÃO. Para que esse efeito da condenação seja aplicado, é indispensável que a decisão condenatória motive concretamente a necessidade da perda do cargo, emprego, função ou mandato eletivo.
O parágrafo único do art. 92 expressamente afirma isso:
Art. 92 (...) Parágrafo único. Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

Imagine que, quando o réu praticou o crime, ele estava ocupando o cargo público “X”. No entanto, anos mais tarde, no momento em que foi prolatada a sentença condenatória, ele já estava em outro cargo público (“Z”). O que acontecerá neste caso? O juiz poderá condenar o réu à perda do atual cargo público (“Z”) mesmo sendo ele posterior à prática do delito?
REGRA: não. Em regra, a pena de perdimento deve ser restrita ao cargo público ocupado ou função pública exercida no momento da prática do delito.
Assim, para que haja a perda do cargo público por violação de um dever inerente a ele, é necessário que o crime tenha sido cometido no exercício desse cargo. Isso porque é preciso que o condenado tenha se valido da função para a prática do delito.

EXCEÇÃO: se o juiz, motivadamente, considerar que o novo cargo guarda correlação com as atribuições do anterior, ou seja, daquele que o réu ocupava no momento do crime, neste caso mostra-se devida a perda da nova função como uma forma de anular (evitar) a possibilidade de que o agente pratique novamente delitos da mesma natureza.

STJ. 5ª Turma. REsp 1452935/PE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 14/03/2017 (Info 599).

Exemplo 1:
Em 2010, João, quando ocupava emprego público nos Correios, praticou o crime de concussão (art. 316 do CP).
Em 2013, antes que o processo fosse julgado, João foi aprovado em concurso público e tomou posse como servidor da Universidade Federal, deixando o emprego na ECT.
Em 2016, João foi condenado pelo crime imputado.
Nesta hipótese, em princípio, o juiz não deverá determinar a perda do cargo na Universidade Federal considerando que este novo cargo não tem relação com as atribuições do anterior.

Exemplo 2:
Em 2010, Pedro, quando ocupava o cargo de Auditor da Receita Federal, praticou o crime de corrupção passiva (art. 317 do CP).
Em 2013, antes que o processo fosse julgado, Pedro foi aprovado em concurso público e tomou posse como Fiscal de Tributos Estaduais.
Em 2016, Pedro foi condenado pelo crime imputado.

Nesta hipótese, em princípio, o juiz poderá, de forma fundamentada, determinar a perda do cargo de Fiscal de Tributos Estaduais considerando que este novo cargo tem relação direta com as atribuições do anterior.


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