A investigação de crimes no
Brasil é uma atividade exclusiva dos órgãos públicos (polícia, Ministério
Público, Tribunais de Contas etc.)?
NÃO. Não existe uma determinação
de que somente o Poder Público possa apurar crimes.
A imprensa, os órgãos sindicais,
a OAB, as organizações não governamentais e até mesmo a defesa do investigado
também podem investigar infrações penais.
Qualquer pessoa (física ou
jurídica) pode investigar delitos, até mesmo porque a segurança pública é
“responsabilidade de todos” (art. 144, caput, da CF/88).
Obviamente que a investigação
realizada por particulares não goza dos atributos inerentes aos atos estatais,
como a imperatividade, nem da mesma força probante, devendo ser analisada com
extremo critério, não sendo suficiente, por si só, para a edição de um decreto
condenatório (art. 155 do CPP). Contudo, isso não permite concluir que tais
elementos colhidos em uma investigação particular sejam ilícitos ou ilegítimos,
salvo se violarem a lei ou a Constituição.
Investigação criminal defensiva
Com base no que foi explicado
acima, a doutrina defende que é plenamente possível que ocorra a chamada
"investigação criminal defensiva".
A investigação criminal defensiva
pode ser conceituada como a possibilidade de o investigado, acusado ou mesmo
condenado realizar diligências a fim de conseguir elementos informativos
("provas") de que não houve crime ou de que ele não foi o seu autor.
Renato Brasileiro aponta alguns objetivos
da investigação criminal defensiva:
"a) comprovação do álibi ou
de ouras razões demonstrativas da inocência do imputado;
b) desresponsabilização do
imputado em virtude da ação de terceiros;
c) exploração de fatos que
revelam a ocorrência de causas excludentes de ilicitude ou de culpabilidade;
d) eliminação de possíveis erros
de raciocínio a quem possam induzir determinados fatos;
e) revelação da vulnerabilidade
técnica ou material de determinadas diligências realizadas na investigação
pública;
f) exame do local e a
reconstituição do crime para demonstrar a impropriedade das teses acusatórias;
g) identificação e localização de
possíveis peritos e testemunhas." (Manual
de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 188).
Apesar de ser mais comum durante
a fase do inquérito policial, nada impede que a investigação criminal defensiva
ocorra também na fase judicial e mesmo após a sentença penal condenatória considerando
a possibilidade de revisão criminal.
Obviamente, a investigação
criminal defensiva deverá respeitar a lei e a Constituição, não podendo ser
adotadas diligências que violem a ordem jurídica ou direitos fundamentais. Ex:
não é possível a realização de uma interceptação telefônica.
O projeto do novo Código de
Processo Penal (Projeto de Lei nº 156/2009) prevê, expressamente, o instituto
da “investigação criminal defensiva”.
Lei nº 13.432/2017
A Lei nº 13.432/2017 dispõe sobre
o exercício da profissão de detetive particular.
Considera-se detetive particular "o
profissional que, habitualmente, por conta própria ou na forma de sociedade
civil ou empresarial, planeje e execute coleta de dados e informações de
natureza não criminal, com conhecimento técnico e utilizando recursos e meios
tecnológicos permitidos, visando ao esclarecimento de assuntos de interesse
privado do contratante." (art. 2º).
O detetive particular pode
colaborar formalmente com a investigação conduzida pelo Delegado no inquérito
policial?
SIM. Essa possibilidade foi
expressamente prevista no art. 5º da Lei nº 13.432/2017:
Art. 5º O detetive particular pode colaborar com
investigação policial em curso, desde que expressamente autorizado pelo
contratante.
Vale ressaltar, no entanto, que
esta participação somente ocorrerá se a autoridade policial expressamente
concordar:
Art. 5º (...)
Parágrafo único. O aceite
da colaboração ficará a critério do delegado de polícia, que poderá admiti-la
ou rejeitá-la a qualquer tempo.
Assim, como o responsável pelo
inquérito policial é o Delegado de Polícia (art. 2º, § 1º, da Lei nº
12.830/2013), ele tem o poder de rejeitar a participação formal do detetive
particular no inquérito.
O detetive particular pode
acompanhar o Delegado ou investigadores nas diligências realizadas? Ex: participar
de uma busca e apreensão?
NÃO. A Lei nº 13.432/2017 afirma
que, mesmo quando for admitida a colaboração do detetive particular na
investigação policial, ainda assim ele não poderá participar das diligências
policiais:
Art. 10. É vedado ao detetive particular:
(...)
IV - participar
diretamente de diligências policiais;
Uma última pergunta mais
polêmica: vimos acima que, pelo texto da Lei, "o detetive particular pode
colaborar com investigação policial em curso, desde que expressamente
autorizado pelo contratante." (art. 5º). Se o Delegado não autorizar a
colaboração do detetive, mesmo assim este poderá realizar, fora do inquérito
policial, diligências investigativas a pedido da defesa?
Penso que sim. O art. 5º da Lei nº
13.432/2017 refere-se à autorização do Delegado de Polícia para que o detetive
particular colabore formalmente com o inquérito policial. No entanto, ainda que
o Delegado rejeite esta participação por entendê-la desnecessária ou
impertinente, ele não pode impedir que o investigado realize investigação
criminal defensiva utilizando-se dos serviços de um detetive particular.
A investigação criminal defensiva,
desde que respeitado o ordenamento jurídico, é possível independentemente de
autorização do Delegado, do Ministério Público, do Poder Judiciário ou de quem
quer seja. Isso porque essa atividade é uma consequência da ampla defesa e do
contraditório, garantias constitucionais asseguradas a todo e qualquer
investigado. Em outras palavras, pelo fato de o investigado poder se defender
amplamente, ele tem o direito de buscar "provas" de sua inocência.
Para fins de concurso público,
contudo, importante conhecer e assinalar, na prova, a redação literal do art. 5º
da Lei nº 13.432/2017.
Clique aqui para conferir a
íntegra da Lei, mas os artigo que poderá ser cobrado em provas foi destacado
acima.
Márcio André Lopes Cavalcante
Professor